sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Reflexão sobre a Parashá Vayerá

Introdução

Neste shabat estudaremos a Parashá (Porção) intitulada como “Vayerá”, que pode ser traduzida como “E Apareceu”. Vale lembrar que o texto sagrado foi dividido em 54 porções que são estudadas a cada Shabat. Cada uma destas porções recebe um nome que, para alguns de nossos sábios, possui a essência de toda ela, ou seja, o nome da Parashá reflete sua essência. Portanto, o nome da Parashá por si só já teria um mundo de informação a ser apreendida. Sendo assim, tentaremos abordar alguns aspectos que estão embutidos no texto que, numa perspectiva literal não são percebidas, mas são igualmente importantes para o fortalecimento de nossa emunah.

Uma Gota de Sêmen

Logo de início percebemos algo interessante, a palavra “Vayerá” formada pelas letras Vav, Yud, Resh e Alef, cujos respectivos valores são 6, 10, 200 e 1, somam no total o valor 217, que se forem reduzidos (2+1+7) chegamos ao valor de 10. Dez é justamente o valor da letra Yud, a menor letra do alfabeto hebraico que para nossos sábios representa uma gota de sêmen, de fato, seu formato lembra um espermatozoide, conforme podemos observar na imagem abaixo:

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Sobre a letra Yud é importante dizer que ela é a primeira letra do Tetragrama sagrado:


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Neste caso por ser a primeira letra do nome do Eterno, ela estaria associada à energia criativa do Sagrado, Bendito seja Ele. Interessante como as coisas se ligam, pois esta Parashá contém justamente o anúncio do nascimento de Yits’chaq (Isaac), com quem foi estabelecida uma aliança eterna e também com sua semente/sêmen (Yud) depois dele! Nesta Parashá também é confirmada a mudança de nome que Avram (Abrão) e Saray (sarai), ambos receberam respectivamente a letra “Hei”, (ver imagem abaixo) cujo valor numérico é cinco:


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Como a letra hei foi acrescentada aos dois nomes, (Avram passando a se chamar Avraham e Saray se tornando Sarah), e sendo ela de valor numérico cinco, somamos 5+5 e o resultado obtido é 10 (Yud)! Sarah de estéril agora seria a matriarca de uma multidão de povos, e Avraham que lamentava a falta de um filho, passaria agora a ser conhecido como o pai de uma multidão.
Existe ainda outro aspecto que gostaríamos de abordar, mesmo que de forma bem resumida, relacionado com a letra Yud. A sabedoria elevada de nossos mestres entende a existência em quatro níveis (ou quatro mundos), são eles:

  Mundo da Emanação (Atzilut)
     Mundo da Criação (Beriah)
        Mundo da Formação (Yetzirah)
        Mundo da Ação (Assiah)

Cada um desses mundos é representado por uma letra do nome sagrado, dessa forma, de cima para baixo teríamos a seguinte estrutura:

  Mundo da Emanação (Letra Yud)
            Mundo da Criação (Letra Hei)
            Mundo da Formação (Letra Vav)
    Mundo da Ação (Letra Hei)


Conclusão

O Mundo das emanações, que é o mais elevado dos mundos e de total santidade, também é conhecido como “mundo das causas”. Considerando que emanação nada mais é do que um ponto de partida, uma procedência ou mesmo origem, Avraham, Sarah e Yits’chaq apontam para algo sobremodo elevado, estes três personagens indicam um “novo Bereshit”, uma retomada do ideal da criação! Repousa sobre os descendentes destes, a tarefa de revelar a Luz que emana desde o princípio, mas que devido ao egoísmo, impureza e vaidade religiosa tem sido ocultada.
Portanto, entendemos que "Vayerá" nos fala da revelação dos propósitos sagrados do Eterno, "E apareceu-lhe o Eterno" e nesta frequência devemos ajustar nossas intenções, despojando-nos de toda capa que inibe seu resplendor...

Shabat Shalom!!!

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O Coração da Criação

Introdução

Na semana que passou iniciamos um novo ciclo de estudos da Torah, como fazemos a cada ano, reiniciamos o Sefer Bereshit (conhecido comumente como o livro de Gênesis). A primeira parashá (porção) deste livro contida nos seis primeiros capítulos do livro, aborda a criação, a queda do homem, o primeiro assassinato, a primeira genealogia e a proliferação da maldade do homem na terra, causando, consequentemente, o juízo do Eterno sobre aquela geração.

Muito mais que palavras

Antes de adentrarmos o tema proposto pelo título é preciso nos conscientizarmos que a Torah não é apenas um livro que contem narrativas engessadas no passado sem significados para nosso presente e futuro, nem um conjunto de preceitos religiosos limitados ao "isso pode, aquilo não pode". Na verdade, a Torah está repleta de códigos e segredos que não são acessíveis a todos. Sobre isso, disse o salmista:

"O SOD (Segredo) de YHWH é para aqueles que O temem, fazendo-os conhecer a sua aliança". (Tehilim/Salmos 25.14)

Infelizmente muitos não conseguem perceber que a Torah é um livro espiritual, que transcende tempo e espaço e por isso limitam sua interpretação no campo da razão, ficando privado das delícias da Sabedoria sem perceber toda a abrangência deste livro, que contem em suas letras os segredos do universo.

Na literatura Judaica, uma obra antiga de cunho místico, traz a lume verdadeiras pérolas que ampliam nosso entendimento do que é a Torah, elevando nosso nível de consciência acerca da realidade, ou melhor, das realidades. Estamos nos referindo ao "Sefer Yetzirah" (Livro da Formação). Sobre a data e autoria desta obra existem muitas discussões as quais não iremos tratar nesse artigo, pois o objetivo é fazer uma reflexão do conteúdo que inspirou o mesmo.

Conhecendo o coração da criação

O Sefer Yetzirah inicia-se assim:

"Em trinta e dois caminhos maravilhosos da sabedoria legislou Yah YHWH dos Exércitos, o D'us de Israel, o D'us Vivo e Rei do universo, D'us Misericordioso e Gracioso que se assenta para sempre, Santo é o Seu nome e o Seu universo."

O que seriam estes trinta e dois caminhos de sabedoria?
Estes caminhos corresponde a soma das vinte e duas letras do alfabeto hebraico com as dez "sefirot" (emanações) do Eterno, que são consideradas como a forma básica do poder criativo do Eterno, ou seja, foi por meio destas emanações que tudo foi criado.
Não é de se estranhar o fato do Eterno ser descrito como Elohim (um plural que pode ser traduzido como poderes), é como se estivesse dizendo que os poderes do Eterno estavam criando todas as coisas. De fato, ao longo do relato da criação, a expressão "vaiomer Elohim" (E disse Elohim) aparece dez vezes neste relato, seria apenas uma coincidência com o número de sefirot existentes?

Outro fato intrigante é que trinta e dois é o número de vezes que o nome "Elohim" aparece no primeiro capítulo de Bereshit, o qual relata a criação. A coisa começa a ficar mais interessante quando percebemos que em hebraico, trinta e dois é representado pelas letras "lâmed" ל e "beit"  בּ.
Lâmed é nada mais nada menos do que a última letra da Torah, enquanto beit é a primeira!
Lâmed e Beit formam a palavra "Lev", palavra hebraica para coração! Por isso dizemos que a Torah é o coração da criação.

A relação entre Torah e coração

O coração é o orgão responsável pelo percurso do sangue, sobre esse detalhe é interessante considerar que a Torah ensina que a vida está no sangue (ver Vaiqrá/Levítico 17.11). Isto significa que assim como o coração é responsável pelo percurso do sangue, a Torah (coração da criação) é responsável pelo percurso da vida!
Outra relação importante reside no fato do coração possuir quatro câmaras (ou válvulas):
1- Válvula tricúspide
2- Válvula pulmonar
3- Válvula mitral
4- Válvula aórtica

Na forma de interpretação judaica, existe um sistema conhecido como PARDES, um acrônimo para:
1- Pshat (Significado simples ou literal de um texto)
2- Remez (Dicas ou alegorias de um significado mais profundo)
3- Drash (Interpretação; método que busca o significado por comparação de palavras e formas, outras ocorrências semelhantes em outras passagens e etc.
4- Sod (Segredo; significado místico e metafísico de uma passagem)

Queremos nos deter um pouco sobre o quarto e último nível de interpretação deste sistema, o nível Sod, pois conforme citamos anteriormente o Tehilim /Salmos 25.14, é insinuado que tal nível só pode ser alcançado por aqueles que temem ao Eterno e que a estes a Aliança é revelada!
Se a Torah é o coração da criação e, consequentemente, a responsável pelo percurso da vida, o nível Sod é o que faz a "neshamá" (nível da alma que percebe a presença divina no mundo) pulsar e se elevar!

O "Sod" nos revela a vida

O título acima propõe uma reflexão com base em duas passagens no livro de Yechezqel ha navi (Ezequiel o profeta), são elas o capítulo 37 (Os ossos secos) e o 47 (A torrente de águas purificadoras).
Vejamos as etapas em que os ossos secos passaram até se tornarem um exército vivo:
1- Os ossos se uniram uns aos outros
2- Cobriram-se de tendões e carne
3- Revestiram-se de pele
Observem que apesar disso eles não possuíam espírito, somente quando o profeta profetizou ao espírito que ele passou a viver ou seja, os três passos iniciais não foram suficientes para dar vida, isto insinua o seguinte:
- O Pshat une os ossos.
- O Remez dá tendões e carne.
- O Drash Reveste de Pele.
- O Sod dá a vida.

No capítulo 47 vemos a mesma sequência progressiva culminando no quarto nível, vejamos:
1- Água nos tornozelos. (Pshat)
2- Água nos joelhos. (Remez)
3- Água nos quadris. (Drash)
4- Se formou uma torrente que não dava para atravessar, somente a nado e por onde ela passava levava a vida. (Sod).

Conclusão

A importância da Torah na criação já era insinuada no próprio relato, quando o Eterno cria a primeira coisa - a Luz. Que luz era esta se os luzeiros só foram criados no quarto dia? Para responder esta questão vejamos as palavras de Shlomo ha melekh (Salomão o rei) em Mishlei (Provérbios) 6.23:

"Pois o preceito (mandamento) é uma lâmpada, e a instrução (Torah) é uma luz..."

E ainda Tehilim (Salmos) 119.105:

"Tua palavra é lampada para os meus pés, e luz para o meu caminho".

Por esta razão incentivamos a busca pelo sentido de cada palavra da Torah, pois cada letra está repleta de significado que expandem a luz do Eterno em nossas vidas

Shalom lekulam!!!