sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Autoridade Haláchica

Adaptado por Yochanan ben Avraham                 

INTRODUÇÃO:
                        Desde que iniciamos nossa ‘Teshuvá’, algumas palavras passaram a fazer parte do nosso cotidiano. A própria palavra ‘Teshuvá’, por exemplo, é uma delas e o seu significado indica arrependimento no idioma hebraico. Outra palavra que passamos a conhecer foi ‘Halachá’. ‘Halachá’ significa: ‘ modo de caminhar’, ‘caminhar a pé’ ou simplesmente caminhar. Este termo é utilizado para indicar as interpretações da Torá, ou seja, tem a finalidade de mostrar como cumprir os mandamentos (mitzvot) contidos nEla, nos dá a idéia de ‘como caminhar na Torá’.
                         Antes de qualquer coisa, é necessário entendermos que na Torá escrita alguns aspectos são vagos e que algumas situações que podemos enfrentar, sequer são mencionadas na Torá. Vemos um exemplo disso nos casos do Pessach sheni (segundo Pessach) Bamidbar (Números) 9.6-14 e das filhas de Tselafchad Bamidbar 27.1-11. Em ambas situações, não havia na Torá escrita uma determinação específica para os casos, sendo necessário haver uma deliberação para se saber o que fazer. Notemos que as pessoas que apelaram a Moshé, de certa forma, se sentiram ‘injustiçadas’.
                           Diante destas coisas, surge a pergunta: “quem tem autoridade para fazer estas deliberações?” A própria Torá nos responde, (ver Shemot (Êxodo) 18.13-26 e Devarim (Deuteronômio) 16.18 e 17.8-13).

SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DOS TRIBUNAIS.
                            Após lermos os textos indicados, podemos perceber que estes tribunais passaram por uma espécie de ‘evolução’, pois de Shemot (Êxodo) 18.22 até Devarim (Deuteronômio) 1.17, passando por Bamidbar (Números) 11.16-17, isto é bem visível. Os decretos destes zakanim (anciãos), foram adicionados ao que ficou conhecido como “Lei Oral”. Na verdade, existem dois tipos de “lei Oral” e eles são muito diferentes um do outro, mas isso é assunto para outro estudo em outra ocasião...
                              A semichá (autoridade) haláchica, segundo o que a Torá deixa transparecer em Devarim 17.14-20, seria passada ao Rei. De fato, vemos isto acontecer explicitamente em Melachim alef (1º Reis) 3.16-28 e confirmado em Yeshayahu (Isaías) 22.21-22.
                               Com o cativeiro, tanto a monarquia quanto o Beit Din (Casa de juízo/tribunal) “desapareceram”. No retorno do cativeiro, Ezra (Esdras) restabeleceu o Beit Din (Ezra 7.25) e tomou uma série de decisões “haláchicas” e ficou conhecido como “A grande Assembléia”.
                                Com o passar do tempo, o judaísmo se fragmentou em várias seitas, sendo as principais os p’rushim (farizeus), os ts’dukim (saduceus) e os assaim (essênios). Cada uma destas seitas tinha suas próprias características, os ts’dukim (que não criam na ressurreição), por exemplo, acusavam os p’rushim de fazerem acréscimos a Torá, conforme relata Flávio Josefo: “o que eu agora explico é isto, que os p’rushim têm conduzido as pessoas a um grande número de observâncias pela sucessão de seus pais, que não estão escritas na Torá de Moshé; e por esta razão os ts’dukim os rejeitam e dizem que nós devemos considerar apenas as observâncias que são obrigatórias, as quais estão na palavra escrita, mas não devemos observar as que se derivam da tradição (takanot) de nossos pais.” (Antiguidades 13.10:6).

                       Os p’rushim, por sua vez, acusavam os ts’dukim de terem se corrompido e a “Grande Assembléia” de ter se tornado um instrumento político de Roma.
                        Os Assaim, não rejeitam o conceito de “Lei Oral” como os ts’dukim, mas não tinham um conjunto alternativo de tais tradições conforme escrito nos rolos do mar morto. Em muitos documentos pode ser percebida a diferença de suas interpretações em relação à Mishná. Resumindo, Os assaim não rejeitavam a “Lei Oral”, mas tinha sua própria compreensão dela.

OS OBJETIVOS DA HALACHÁ.
                         Ao lermos Shemot 18.13-26 e refletirmos no seu conteúdo, entendemos que o objetivo da halachá é ‘facilitar o cumprimento das mitzvot’ e não dificultar! Cientes disso, vejam o que Malachi (Malaquias) 2.8-9 diz:”Mas vós vos afastastes do caminho, fizeste tropeçar a muitos pelo ensinamento; destruíste a aliança com Levi, disse YHWH Ts’va’ot. Eu também vos tornei desprezíveis e vis a todo o povo, do mesmo modo como vós não guardastes o meu caminho e fizestes acepção de pessoas no ensinamento.” Combinando este texto com Lucas 17.2, entendemos melhor o que Yeshua queria dizer.

OS TRIBUNAIS NO TEMPO DE YESHUA.
                         No primeiro século, havia três sanhedrin (tribunal máximo), os do ts’dukim, que era influenciado por Roma, o dos p’rushim e o dos assaim, este último se isolou do restante de Israel se estabelecendo no deserto em comunidades (semelhantes a ‘mosteiros’) sendo a de Qumram a mais conhecida, a quem se credita a autoria dos escritos do mar morto.
                           Diante desta fragmentação, somente um descendente de David, poderia resgatar o trono de YHWH e estabelecer a verdadeira halachá.

O VERDADEIRO SANHEDRIN.
                             Considerando os fundamentos que a Torá determina em Devarim 16.18-19 e comparando com Matitiyahu 28.12-15; Marcus 14.10-11; Lucas 22.1-6 e Yochanan 18.28-38, podemos dizer que estes tribunais tinham condições de exercer suas obrigações? Acredito que somos unânimes em dizer NÃO!!
                              Recordando o que é dito em Yeshayahu (Isaías) 22.21-22, e entendendo que autoridade haláchica foi chamada de “a chave da casa de David”, vejamos quem a possuía. Primeiramente notemos o que o Mashiach disse: “...quem disser a seu irmão: raka, será responsável perante o sanhedrin (Matitiyahu 5.22.)” Vemos, portanto,aqui que até mesmo Yeshua reconhecia a autoridade do sanhedrin).
                               Leiamos também Matitiyahu 23.2: “os escribas e p’rushim estão assentados na cadeira de Moshé”. Com isso, podemos saber que eram os p’rushim os que possuíam as “chaves do Reino” pois o próprio Yeshua afirma isso como podemos observar em Lucas 11.52 e Matitiyahu 23.13. No entanto, é possível dizer que eles, os p’rushim, perderam esta autoridade.
                               A perda da semichá (autoridade) dos p’rushim, se deu por conta da hipocrisia em que viviam, a qual foi denunciada por Yeshua como é descrito em Matitiyahu 23, tal hipocrisia frequentemente trazia muito “trabalho” a Yeshua. O próprio Talmud diz: “Não temais os p’rushim e os não p’rushim, mas os hipócritas, porque suas ações são de Zimri, mas esperam uma recompensa como a de Pin’chas” (B.Sotah 22b). O Tanach (VT) também nos diz:”...Um hipócrita não virá perante Ele” (Yov 13.16).
                         Em Bamidbar 11.16-17, esta escrito que os zakanim (anciãos) devem ter a Ruach HaKodesh sobre eles, mas se forem hipócritas não podem receber a Shechinah! Logo, não servem como shoftim (juízes)...compare isto com Yov 15.34 (Bíblia Thompson). Desta forma, fica fácil compreendermos o que Yeshua queria dizer quando afirmou que daria as “chaves do Reino” a Kefá (Pedro) e seus talmidim (discípulos), ou seja, Yeshua estava dizendo quem é que teria semichá para fazer halachá! Vejamos Matitiyahu 16.18-19 e tiremos as devidas conclusões...(OBS. No aramaico ligar da o sentido de ‘proibir’, enquanto desligar o de ‘permitir’.)
                        Yeshua reconhecia que os p’rushim tinham a autoridade haláchica, mas nos leva a entender que estes haviam perdido não só por causa da hipocrisia, mas também por rejeitarem a oferta do Reino Unido e se recusarem a “ajudar” o Mashiach a abrir o Reino Messiânico.
                         O Próprio Yeshua, como Rei, obviamente possuía a “Chave de David” (Autoridade Haláchica) e como vimos em Matitiyahu 16.18-19, Ele as daria a seus talmidim. Este texto, por sua vez, é melhor compreendido quando comparado com Matitiyahu 18.15-20, onde se diz respeito ao direito das testemunhas, que nada mais é do que uma citação de Devarim 19.15 e se refere ao estabelecimento de quem tem o poder de proibir (ligar) e permitir (desligar). Quando Matitiyahu 18.16 cita Devarim 19.15, é claro que esta se referindo ao estabelecimento de um tribunal de juízes/sacerdotes que atuassem nestes dias conforme Devarim 17.9-13. Esta autoridade pode ser comprovada em Ma’assei há Sh’lichim (Atos) 15 (de maneira mais clara) e subentendida em Ma’assei há sh’lichim (Atos) 1.15-26 e 6.1-6.
                           Isto significa que como talmidim de Yeshua, quando estivermos diante de uma situação que a Torá não é clara quanto ao procedimento, devemos recorrer às deliberações dos Sh’lichim (emissários) de Yeshua que estão, em sua maioria, na Brit Chadashá. É por isso que Sha’ul (Paulo) há Sh’liach disse em curintayah alef (I Coríntios) 14.37:”...reconheça que as coisas que vos escrevo são mitzvot do Eterno”.
                           Como “filhos da Luz”, “Nazarenos” ou “Do Caminho” não devemos nos prender a um “jugo desigual” com os incrédulos (judaísmo rabínico p’rushim) é preciso sair do meio deles e sermos separados (Curintayah beit 6.14-16 e Yeshayahu 52.7-12). Não devemos nos voltar para a “sabedoria” do “judaísmo rabínico” dos últimos dois mil anos e simplesmente aceitarmos todas as halachot rabínicas, mas devemos nos voltar para aquilo que o Mashiach e seus talmidim de maneira clara e definitiva estabeleceram. Por isso o Tanach já nos advertia, como podemos ver em Yirmeyahu 8.7-12 e Yeshayahu 8.11-20, pois ele questiona a tal “sabedoria” (compare isto com Yochanan 3.1-10).
                             Quando lemos Yochanan 1.1-14 combinado com Guilyana 19.11-14, vemos que estes “sábios” não conheceram a palavra de YHWH.

TESTEMUNHOS HISTÓRICOS DA AUTORIDADE HALÁCHICA DOS TALMIDIM DE YESHUA.
                              Existem alguns fragmentos de um antigo comentário Nazareno, datado no Século IV sobre Yeshayahu, que deixa claro que estes não andavam segundo a halachá p’rush (rabínica). Veja o que é dito sobre Yeshayahu 8.14: “Os Nazarenos explicam que as duas casas aqui, são as casas de Shammai e Hillel, das quais originaram os escribas e os p’rushim dispersos, que contaminaram os preceitos da Torá com tradições e Mishná. Essas duas casas não aceitaram o Salvador”. E ainda sobre os passukim (versículos) 20 e 21 do mesmo capítulo de Yeshayahu: “Quando os escribas e p’rushim dizer-lhes para os ouvirem, respondam assim: ‘não é estranho que vocês sigam suas próprias tradições, pois cada tribo consulta seu próprio ídolo. Nós portanto, não devemos consultar os seus “sábios” mortos sobre a vida”. Assim fica bem claro que os Nazarenos (ou seja qual for o nome que queiram dar) antigos rejeitavam a halachá p’rush, que é a vertente judaica que deu origem ao judaísmo ortodoxo.
                         Outro argumento histórico encontra-se na Peshitta Nasrani da Igreja Nestoriana. Nela foi preservada uma obra atribuída a Ya’akov ha Tsadik que fala um pouco acerca da função do Beit Din: “A função deles (Sanhedrin Nazareno) é dar exemplo na observância da Torá, na verdade, na retidão, na justiça, no exercício da caridade e da humildade entre os homens; para mostrar como, pelo controle do yetser hará e pela contrição do espírito, a fidelidade pode ser mantida na terra; e como, pela ativa realização da justiça e passiva submissão às provas de punição, a violação da Torá pode ser eliminada; e como todos os homens na qualidade da justiça e com conduta apropriada em toda ocasião.” (Sefer B’nei Or 21.3)
                       
                      “Somente o Beit Knesset, ou aqueles a quem eles apontarem, terão em todas as questões judiciais e de provisões, e pelo voto deles os membros das diversas lideranças da comunidade serão determinados.” (Sefer B’nei Or 23.9)

                   “Todo aquele que deseja se juntar a kehilá deve se comprometer a respeitar a Elohim e ao homem; a viver conforme a halachá da kehilá.” (Sefer B’nei Or 1.1-2)

                   “A Torá e a Halachá devem ser únicas para todos os membros da comunidade.” (Sefer B’nei Or 21.16)

                   
                      Outro documento interessante é o seguinte comentário de Jerônimo sobre Yeshayahu 9.1-4: “Os nazarenos, cuja opinião coloquei acima, tentam explicar esta passagem da seguinte forma: ‘Quando o Messias veio e sua proclamação brilhou, a terra de Zebulon e Naftali primeiro de todos foram libertas dos erros dos escribas e dos p’rushim e Ele removeu de seus ombros o pesadíssimo jugo das tradições judaicas. Depois, contudo a proclamação se tornou mais dominante, o que significa que a proclamação se multiplicou através das boas novas do emissário Sha’ul (Paulo) que foi o último dos emissários. E as boas novas do Messias brilharam para as tribos mais distantes e pelo caminho de todo o mar. Finalmente todo o mundo que anteriormente andava ou se assentava nas trevas e era aprisionado pelas amarras da idolatria e da morte, viu a clara Luz das boas novas.”

CONCLUSÃO:
                       Conforme Sha’ul ha Sh’liach já dizia: “há muitos tipos de vozes no mundo...(curintayah alef 14.10), podemos dizer que corremos o risco de sermos confundidos devido às diversas halachot existentes. Porém, todo aquele que crê em YHWH não será confundido (Ruhomayah 9.33/Yeshayahu 49.23).
                        Se cremos que Yeshua é o Mashiach e que Ele deu “As chaves de David (Reino)” aos seus talmidim, não devemos colocar suas deliberações em segundo plano, ou seja, colocar a Brit Chadashá abaixo de tratados de rabinos incrédulos. Devemos seguir a Halachá (o caminhar) de Yeshua, pois é sob suas pisaduras que somos sarados (Yeshayahu 53.5).