segunda-feira, 28 de julho de 2014

Outra Perspectiva Judaica sobre Virgindade

Apresentação:

O texto que vamos compartilhar neste espaço, é um capítulo da obra: "Jesus, o Judeu", do respeitadíssimo historiador bíblico Geza Vermes, morto em oito de maio de 2013. Lemos este material a aproximadamente um ano após a indicação de um amigo, desde então não vimos nenhuma abordagem semelhante sobre o tema e como este blog se dedica ao estudo das escrituras e história das crenças baseadas nelas, resolvemos incluir este trabalho aos nossos estudos, pois o referido autor possui credibilidade acadêmica suficiente para respaldar suas informações. Esperamos que seja útil a todos que acompanham este blog... Boa leitura a todos!

Yochanan ben Avraham.


Filho de Deus e nascimento virginal

Por Geza Vermes

Enquanto no cristianismo judaico palestino e helenístico o relato do nascimento de Jesus em Mateus 1 e 2 e Lucas 1 e 2 foi interpretado como prova de sua messianidade e sua estirpe davídica, o mundo cristão gentio interpreta como prova de sua natureza divina, por ter nascido milagrosamente de uma virgem.
Quanto ao desenvolvimento da tradição, Marcos, o evangelho doutrinariamente menos desenvolvido, não inclui nenhum relato da infância de Jesus. Em outro extremo, João, o Divino não precisa de nenhum. Entre ambos, Mateus e Lucas, só tratam o tema como prefácio da história principal e, considerando que em nenhum dos dois, nem no resto do Novo Testamento, se volta a aludir a isto, podemos supor com segurança que se trata de um agregado secundário.
Além de compartilhar o objetivo básico de comunicar que o filho nascido de Maria era o Messias prometido, a semente de David chamado “Deus está conosco” (Emanuel) o Filho de Deus. Os dois relatos não são mais que vagamente similares nos detalhes (inclusive detalhes essenciais) e refletem inspirações distintas.
Segundo Mateus, Maria e o homem com quem está casada viviam (ao que parece) em Belém. Maria se encontra inesperadamente grávida, e um anjo assegura a José, em um sonho, que a concepção é obra do Espírito de Deus.
Em Lucas, Maria e José são cidadãos de Nazaret. Ela é visitada por um anjo que lhe fala de sua iminente gravidez, obra do Espírito Santo e do poder de Deus. A reação de José não é mencionada neste caso. Que Jesus tenha nascido em Belém de Judá, se atribui a um acidente histórico providencialmente tramado, quer dizer, o censo que supostamente foi ordenado por Augusto, imperador romano.
Ambos evangelistas parecem negar com firmeza qualquer participação de José. Mateus sublinha seu assombro e Lucas a virgindade de Maria.
A contradição entre o relato e seu objetivo é evidente: por um lado, o filho concebido milagrosamente por obra divina de uma mãe virgem; por outro, o desejo de demonstrar a estirpe davídica legítima de Jesus de acordo com a árvore genealógica. É evidente que, se José não teve nada a ver com a gravidez de Maria, a reprodução de sua árvore genealógica não tem sentido, pois o sangue real de José não teria passado a Jesus. Para aumentar o problema, a genealogia contida em Mateus difere da contida em Lucas, e de modo essencial, até o ponto de que ambas as listas de ascendentes são mutuamente irreconciliáveis. Tendo em conta a concepção virginal do filho, qual sentido de se ter todo este cálculo? Se, pelo contrário, se da por suposta a paternidade de José (a única conclusão possível, para se ter uma genealogia). O que significa a sólida tradição de um nascimento virginal? Pois, mesmo que não tenha sentido inventar a ressurreição de Jesus, por não ser um acontecimento natural, não havia razão bíblica alguma para inventar um nascimento virginal. Posto que não se cresse, nem jamais se havia crido, no judaísmo bíblico e intertestamental, que o Messias houvesse de nascer desse modo.
Talvez outro exame dos fatos, lance nova luz sobre estes problemas.

I - Jesus, o filho de José.

Considerando em primeiro lugar o posicionamento da paternidade natural, um argumento (negativo) a seu favor é que Marcos não faz menção de uma alternativa. Ademais, Mateus e Lucas aludem em sua história principal ao pai de Jesus como se houvessem esquecido o elemento sobrenatural descrito em seus relatos sobre a infância.
Em segundo lugar, o uso das genealogias exige logicamente que José fosse pai de Jesus. Para dar crédito ao dogma do nascimento virginal, os compiladores dos evangelhos de Mateus e Lucas teriam que alterar isto. Assim, o autor de Lucas insere no quadro genealógico uma espécie de cláusula preventiva:

“Quando Jesus começou sua obra, tinha uns trinta anos, e era filho, segundo pensavam as pessoas, de José, filho de Eli, filho de Matthat, etc...”

Isto implica que a suposição era errônea. Mas se fosse, por que Lucas perdeu tempo e, antes dele, a tradição responsável do quadro genealógico incluindo uma série de antepassados irrelevantes para mostra a estirpe de Jesus até Adão, o filho de Deus?
Em Mateus, a emenda da interpretação original é menos brilhante e deu origem a uma série de variantes textuais. Se o estilo formalizado da genealogia tivesse se mantido constante, haveria concluído assim:

“Matthan gerou a Jacó, e Jacó gerou a José e José gerou a Jesus que é chamado o messias.”

Em vez disso, a imensa maioria dos melhores manuscritos de Mateus 1.15,16 diz:

“Matthan gerou a Jacó, e Jacó gerou o marido de Maria de quem foi gerado (nasceu) Jesus, que é chamado o messias.”

Como continuação da anterior lista de nascimentos, e com independência da nova história que segue, o versículo implicaria com maior probabilidade que José fosse mesmo pai de Jesus. Ele é descrito de forma inequívoca como o marido de Maria, e a substituição da forma passiva “foi gerado” pela ativa “gerou”, introduz no máximo um ligeiro mal entendido e um ajuste imperfeito com a narrativa do nascimento virginal seguinte.
Outro grupo de textos gregos e latinos antigos preserva o “gerou” original, mas substituindo o epíteto “marido de Maria” por uma fórmula que admite a idéia de gravidez sobrenatural. No entanto, o copista trai a si mesmo aplicando a mãe o verbo ativo “gerar” contrariando a tradicional terminologia genealógica, que se aplica somente aos homens:

 “Matthan gerou a Jacó, e Jacó gerou a José, com quem estava casada Maria, uma virgem que gerou a Jesus, que é chamado o Messias.”

A versão mais antiga que temos de Mateus, o antigo evangelho siríaco encontrado em um mosteiro do Monte Sinai, se baseou em um texto alterado deste modo; no entanto, consegue reafirmar que José era pai de Jesus.

“Matthan gerou a Jacó, e Jacó gerou a José. José, com quem estava casada Maria, a virgem, gerou a Jesus, que é chamado o Messias.”

Um argumento final diretamente favorável a paternidade de José e que os ebionitas, judeus cristãos palestinos, que foram declarados hereges pela igreja cristã gentia, aceitavam Jesus como o Messias, mas afirmavam que sua condição era mortal e que era filho autêntico de seus pais. Assim, as hipóteses que confirmam que Jesus era filho de José são:
1)      O silêncio de Marcos sobre uma paternidade alternativa.
2)      O sentido das genealogias visivelmente reforçado por manipulações de textos tanto em Lucas quanto em Mateus.
3)      O testemunho de uma ramificação do cristianismo judeu separada da Igreja Gentia em um estágio muito primitivo, enquanto aparentemente ainda estava em discussão a questão do nascimento virginal.

É tentador remeter a origem desta crença a uma lenda exegética corrente entre os cristãos de língua grega, ou seja, que Isaías 7.14 “e eis que a virgem (parthenós) conceberá e dará a luz um filho”, que deve ser entendido como uma gravidez milagrosa. Essa tentação deve ser rejeitada, pois não há razão válida para supor que as genealogias contraditórias seguissem, ao invés de preceder, aos relatos do nascimento. A citação de Isaías 7 se explica, na verdade, mais satisfatoriamente como tentativa de justificar escrituristicamente uma tradição de outro modo inexplicável, do que como sua fonte. Ademais, mesmo que seja admissível no caso de Mateus, o argumento deixaria intacto o problema de Lucas, pois este evangelho não faz o menor uso da profecia de Isaías.
Temos de repetir por último que, ainda que as lendas do nascimento se associem com vários dos heróis do judaísmo antigo, jamais apareceu no pensamento religioso judeu a idéia de um nascimento virginal concreto, tal com se entende normalmente. As mulheres dos patriarcas (Sara, rebeca, Lea, Raquel, assim como Ana, a mãe de Samuel) eram mulheres estéreis cujos ventres “fechados por Deus” foram, mais tarde, abertos. Mas tal intervenção divina jamais se interpretou como fecundação divina.
Novamente parece que se necessita de um enfoque totalmente distinto para se compreender adequadamente o problema da origem de Jesus. Por exemplo, este: No mundo do Novo Testamento, a palavra “virgem’ tem a conotação conclusiva e exclusiva que habitualmente se é atribuída hoje?

II – Jesus, filho de uma virgem.

1 – O significado de “virgem”.
Na linguagem tanto dos judeus gregos como nos hebreus, o termo virgem era utilizado de forma muito elástica. Não se limitava, de modo algum, a indicar homem ou mulher sem experiência sexual. A palavra grega podia incluir explícita ou implicitamente este significado, ou a ênfase principal podia ser sobre a juventude de uma menina ou menino e, geralmente, ainda que não necessariamente, em seu estado de solteira. De fato, inscrições gregas (e latinas) encontradas em túmulos judaicos de Roma nos revelam que a palavra “virgem” podia ser usada, inclusive, depois de anos de matrimônio, esposa e esposo, implicando provavelmente que o matrimônio em questão era o primeiro para ela ou ele. De certa Argentia, se diz que havia vivido com seu marido virgem durante nove anos; a mulher de Germano viveu com seu marido virgem três anos e três dias. Menciona-se também a Irene, virgem esposa de Clodio.
Uma impressão semelhante se manifesta na versão grega de Gênesis, onde o grego “parthenos” (virgem) traduz três palavras hebraicas distintas: bethulah = virgem, na’arah = menina e almah = mulher jovem.
No hebraico, bíblico e rabínico, o termo bethulah pode indicar virgo intacto. O Pentateuco descreve Rebeca como uma “menina muito formosa, uma virgem que nenhum homem havia conhecido”. Os rabinos explicam também que uma virgem é uma mulher “que nunca teve relações sexuais”.
Ainda outra utilização bem estabelecida de “bethulah” não associa virgindade com ausência de experiência sexual, mas com incapacidade para conceber: virgem é a menina que ainda não alcançou a puberdade. Este tipo de “virgindade” não termina com a relação sexual, mas com a menstruação. Perguntando “quem é virgem?”, Os dois códigos rabínicos mais antigos, a Mishnah e a Toseftah, respondem:

“A que nunca sangrou (menstruou), mesmo que estivesse casada.”

A Tosefta, refletindo a doutrina do Rabino Eliezer ben Hircano, de fins do Séc. I d.C, em diante diz:

“Chamo virgem, àquela que nunca sangrou, mesmo que esteja casada e teve filhos, até que se tenha visto a primeira manifestação.”

O Talmud palestino vai mais adiante:

“Quem é virgem? Segundo a Mishnah, aquela que nunca sangrou, mesmo estando casada. - Diz-se que ela é virgem, aludindo à menstruação, mas não virgem sobre a promessa de virgindade. Às vezes, é uma virgem no último aspecto, mas não no de menstruação”

      2 – Matrimônio anterior a puberdade.
Uma menina podia como temos visto, casar-se e coabitar-se com seu marido, antes de alcançar a puberdade. De fato, parece ter sido bastante freqüente as controvérsias entre as duas principais escolas rabínicas do primeiro Século d.C. Se uma mancha de sangue na noite de núpcias de uma menor (quer dizer, virgem na menstruação) deveria atribuir-se ao rompimento do hímen ao seu primeiro período menstrual. A casa de Shammai segue a primeira alternativa apenas para as primeiras quatro noites; A casa de Hillel decidiu a mesma coisa, mas “até a cura da ferida”.
Outra conseqüência desse estado de coisas era que uma menina podia conceber sendo ainda “virgem” na menstruação, Isto é, no momento de sua primeira ovulação. Podia assim ser uma “mãe virgem”. De fato, no caso de engravidar-se uma segunda vez antes da menstruação podia ser, segundo afirma Eliezer ben Hircano, “mãe virgem” de vários filhos!
Ademais, em uma época onde os conhecimentos fisiológicos eram rudimentares, a benção suprema da fecundidade se atribuía com toda naturalidade a Deus, a reação ante um acontecimento tão insólito como a gravidez antes da puberdade, se consideraria intervenção particularmente milagrosa dos céus. Por outro lado, a consumação do matrimônio com menores não era bem vista por aqueles que consideravam a procriação como fim único do matrimônio. Por esta razão, os essênios, que aceitavam o matrimônio, proibiam a coabitação até que a menina houvesse menstruado três vezes e se mostrado apta e capaz para a concepção.

III Nascimento virginal em Filon de Alexandria

Devemos examinar uma última fonte, a obra de Filon de Alexandria, que viveu na época de Jesus e é anterior em várias gerações na composição dos relatos evangélicos da infância. O filósofo judeu parece conhecer o conceito rabínico de virgindade como incapacidade para conceber, pois cria em torno disso uma interpretação alegórica complexa do nascimento de Isaac.


Para Filon, a esterilidade de uma mulher que já havia passado da idade de fecundar equivalia a virgindade. Assim Sara, quando isso aconteceu “da condição de mulher para virgem”, sobre a qual, segundo Gênesis 18.11 “havia deixado de ter... o costume das mulheres” concebeu o filho da promessa, Isaac.
Filon constrói então uma alegoria sobre Isaac. Inspirando-se no significado do seu nome, Isaac, que é “sorridente; sorriso”, e identificando o menino com filho de Deus, descrevendo-o como “Isaac o sorriso do coração, filho de Deus”. Em outra passagem alude de modo mais explícito à paternidade de Deus.

Abraham... Regozija-se e ri porque vai gerar a Isaac, a felicidade; e Sara que é a virtude, ri também... Que a virtude se regozije sempre, pois quando nascer a felicidade, dirá orgulhosa: “O Senhor me fez sorrir... (Gênesis 21.6). Consequentemente, iniciados, abram seus ouvidos e aceitem os ensinamentos mais sagrados:
“Sorrir” é “alegria” e “Fez” equivale a “gerar”. Assim o que se diz é isto: “O Senhor gerou a Isaac.”

Seria anticientífico afirmar que, com a ajuda de idéias rabínicas sobre virgindade indicado nestas páginas e a interpretação de Filon da concepção de Isaac, o filho de Deus, por Sara, Virgem, resolvem definitivamente os problemas dos relatos dos Evangelhos de Mateus e Lucas da infância de Cristo. No entanto, será útil rever uma parte do material, susceptível de ser extraídas soluções. As genealogias que tiveram uma pré-história descobrem o estado do texto do Novo Testamento, mas ainda não ha nenhuma indicação textual como uma elaboração das narrativas do nascimento, o fraseado em que sobrevivem resulta em curiosidades e equívocos quando analisados ​​cuidadosamente. Segundo Mateus, José considerou a gravidez de Maria motivo de divórcio, mas, quando um sonho o convence do contrário, aceita sua esposa, evitando qualquer contato sexual com ela até depois do nascimento do filho, a regra ascética mencionada por Josefo em relação aos essênios casados:

“Ele não a conheceu até que teve um filho”

Na versão de Lucas, pelo contrário, quando o anjo lhe diz que conceberá e dará a luz ao futuro Messias, Maria pergunta:

“Como pode isso se não conheço nenhum homem?”

Nos lábios de uma garota que está prometida (que na antiga lei judaica significava que era uma menor esperando o momento biológico adequado para mudar a condição para esposa) estas palavras poderiam ser parafraseadas assim:

“Como pode ser isso se ainda não comecei a menstruar? Devo eu me casar ainda que pareça que não esteja preparada?

Ao que o Anjo responde com a informação de que sua prima, que tinha passado a menopausa e estava voltando a ser, tecnicamente, "virgem", também tinha concebido, dando a entender que uma coisa não era mais impossível do que a outra:

“Tua parenta Isabel, por sua vez, tem concebido também um filho; e já é o sexto mês daquela que chamavam estéril. Pois para Deus não há nada Impossível.”

Para terminar, a única conclusão razoável que aparentemente surge é que se os interpretes primitivos da tradição original quisessem, poderiam ter interpretado a história de Jesus e sua mãe virgem, remetendo sua origem aos nascimentos lendários de heróis como Isaac, Jacó e Samuel, cujos pais, embora fossem os detentores da responsabilidade de suas concepções, tiveram filhos, graças à intervenção divina que supriu a incapacidade de suas mulheres.
Quando o cristianismo primitivo passou esta alternativa de fé na mediação divina para uma crença totalmente nova de um ato de fecundação divina, com a conseqüência do nascimento de um “Deus-Homem”, pertence com certeza a psicologia da religião mais do que a sua história.

“Estou mais seguro do que nunca de que cabe a Jesus um grande papel na história da Fé de Israel. Há algo na história da fé israelita que só se pode entender a partir de Israel”
         (Martin Buber, “Two types of faith”, Harper Torchbooks, New York, 1961, pg 13)

Qual tem sido o principal achado desta exploração de elementos históricos e lingüísticos que compõem os Evangelhos? Não há dúvida de que, (se bem que não podemos dizer que Jesus pretendia ou aspirava claramente ser associado com o papel do messias), sem falar dele como filho do homem, essa estranha invenção dos fazedores de mitos modernos, tudo se combina se focarmos o estudo a partir da perspectiva da Galiléia do primeiro Século d.C., ou do judaísmo carismático/místico, ou de seus títulos e sua evolução para localizar-lhe na venerável companhia dos “devotos”, os antigos chassidim. Se esta pesquisa tem algum valor, o mais provável está nesta conclusão, uma vez que significa que qualquer nova investigação tem de aceitar como ponto de partida o pressuposto de que Jesus não era fariseu, essênio, zelote ou gnóstico, mas um dos taumaturgos (milagreiros) sagrados da Galiléia.
A descoberta de semelhanças entre a obra e as palavras de Jesus com as dos chassidim Honi e Hanina ben Dosa, não pretende dar a entender que ele era apenas um deles e nada mais. Apesar de não ser feito aqui qualquer tentativa sistemática de diferenciar o autêntico ensinamento de Jesus (enorme tarefa que espero resolver em outro momento) cabe aqui dizer que, mesmo na ausência de tal investigação, nenhum estudioso objetivo e ilustre nos Evangelhos, deixara de ter consciência da superioridade de Jesus. Como escreveu Joseph Klausner no parágrafo final de seu famoso livro “Jesus de Nazaré”, publicado em sua edição hebréia original há exatamente cinqüenta anos:

“Em seu código ético há algo sublime, distinto e original sem paralelo com algum outro código hebreu, tampouco tem algum paralelo suas maravilhosas parábolas.”

Inigualável na profundidade de seu pensamento e na grandeza de seu caráter é mestre incomparável na arte de descobrir as profundezas da verdade espiritual e remeter todo tema à essência da religião, a relação existencial do homem com o homem e do homem com Deus.
Convém acrescentar que há um aspecto que difere mais do que em qualquer outro de seus contemporâneos e até mesmo seus predecessores proféticos. Os profetas falaram em favor dos pobres honrados, e defenderam as viúvas e os órfãos, os oprimidos e explorados pelos ímpios, os ricos e poderosos. Jesus foi mais longe. Além de abençoar estes, ele estava entre os párias do mundo, aqueles que as autoridades desprezavam. Os pecadores eram seus companheiros de mesa, os desprezados coletores de impostos e as prostitutas eram seus amigos.

A descoberta da verdadeira história de Jesus e sua condição de judeu autêntico destina a ser em outras palavras, nem mais nem menos do que uma tentativa de eliminar os mal-entendidos que foram responsáveis ​​por um longo tempo, de uma imagem irreal de Jesus, um primeiro passo para que se descubra o verdadeiro homem que foi. Como temos visto nestas páginas, seu seguidores tiveram desde o princípio grandes dificuldades para aceitar as opiniões que ele expressava sobre si mesmo. Embora explicitamente evitasse o título de "Messias", rapidamente investiram nele, tornando desde então sua imagem inseparável do pensamento cristão. Por outro lado, apesar de aprovada a designação de "profeta", esta foi uma das primeiras rejeições da igreja, e que nunca mais voltou a se tomar. O resultado foi que, incapaz de determinar e reconhecer a importância histórica das palavras registradas pelos evangelistas ou não querendo, o cristianismo ortodoxo construiu uma estrutura doutrinária baseada em uma interpretação arbitrária das frases evangélicas, uma estrutura que tem que ser, por sua própria natureza, mui vulnerável à crítica racional. Por isso os eruditos cristãos do Novo Testamento, têm mostrado uma tendência agnóstica em relação à autenticidade da maioria destas palavras. Na verdade, vão ainda mais longe, ao ponto de negar que seja possível determinar algo historicamente sobre o próprio Jesus. Claro, a menos que algum feliz acaso forneça mais evidências no futuro, pouco pode ser dito sobre isso a esta distância no tempo, que possa autenticar a história. No entanto, tudo isso, pelo menos, pode-se dizer com razoável certeza. O testemunho constante e positivo da tradição evangélica mais anterior, estudado em seu ambiente natural, a religião carismática galileia do primeiro século, não nos leva a um Jesus irreconciliável com a estrutura do judaísmo como nos parece indicar a generalidade de suas próprias palavras e intenções verificáveis, mas outra figura: ao Jesus homem justo, ao Tsadik, ao Jesus que ajuda e cura, ao Jesus mestre e líder, venerado por seus fiéis mais íntimos e menos comprometido como profeta, senhor e filho de Deus.