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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O Coração da Criação

Introdução

Na semana que passou iniciamos um novo ciclo de estudos da Torah, como fazemos a cada ano, reiniciamos o Sefer Bereshit (conhecido comumente como o livro de Gênesis). A primeira parashá (porção) deste livro contida nos seis primeiros capítulos do livro, aborda a criação, a queda do homem, o primeiro assassinato, a primeira genealogia e a proliferação da maldade do homem na terra, causando, consequentemente, o juízo do Eterno sobre aquela geração.

Muito mais que palavras

Antes de adentrarmos o tema proposto pelo título é preciso nos conscientizarmos que a Torah não é apenas um livro que contem narrativas engessadas no passado sem significados para nosso presente e futuro, nem um conjunto de preceitos religiosos limitados ao "isso pode, aquilo não pode". Na verdade, a Torah está repleta de códigos e segredos que não são acessíveis a todos. Sobre isso, disse o salmista:

"O SOD (Segredo) de YHWH é para aqueles que O temem, fazendo-os conhecer a sua aliança". (Tehilim/Salmos 25.14)

Infelizmente muitos não conseguem perceber que a Torah é um livro espiritual, que transcende tempo e espaço e por isso limitam sua interpretação no campo da razão, ficando privado das delícias da Sabedoria sem perceber toda a abrangência deste livro, que contem em suas letras os segredos do universo.

Na literatura Judaica, uma obra antiga de cunho místico, traz a lume verdadeiras pérolas que ampliam nosso entendimento do que é a Torah, elevando nosso nível de consciência acerca da realidade, ou melhor, das realidades. Estamos nos referindo ao "Sefer Yetzirah" (Livro da Formação). Sobre a data e autoria desta obra existem muitas discussões as quais não iremos tratar nesse artigo, pois o objetivo é fazer uma reflexão do conteúdo que inspirou o mesmo.

Conhecendo o coração da criação

O Sefer Yetzirah inicia-se assim:

"Em trinta e dois caminhos maravilhosos da sabedoria legislou Yah YHWH dos Exércitos, o D'us de Israel, o D'us Vivo e Rei do universo, D'us Misericordioso e Gracioso que se assenta para sempre, Santo é o Seu nome e o Seu universo."

O que seriam estes trinta e dois caminhos de sabedoria?
Estes caminhos corresponde a soma das vinte e duas letras do alfabeto hebraico com as dez "sefirot" (emanações) do Eterno, que são consideradas como a forma básica do poder criativo do Eterno, ou seja, foi por meio destas emanações que tudo foi criado.
Não é de se estranhar o fato do Eterno ser descrito como Elohim (um plural que pode ser traduzido como poderes), é como se estivesse dizendo que os poderes do Eterno estavam criando todas as coisas. De fato, ao longo do relato da criação, a expressão "vaiomer Elohim" (E disse Elohim) aparece dez vezes neste relato, seria apenas uma coincidência com o número de sefirot existentes?

Outro fato intrigante é que trinta e dois é o número de vezes que o nome "Elohim" aparece no primeiro capítulo de Bereshit, o qual relata a criação. A coisa começa a ficar mais interessante quando percebemos que em hebraico, trinta e dois é representado pelas letras "lâmed" ל e "beit"  בּ.
Lâmed é nada mais nada menos do que a última letra da Torah, enquanto beit é a primeira!
Lâmed e Beit formam a palavra "Lev", palavra hebraica para coração! Por isso dizemos que a Torah é o coração da criação.

A relação entre Torah e coração

O coração é o orgão responsável pelo percurso do sangue, sobre esse detalhe é interessante considerar que a Torah ensina que a vida está no sangue (ver Vaiqrá/Levítico 17.11). Isto significa que assim como o coração é responsável pelo percurso do sangue, a Torah (coração da criação) é responsável pelo percurso da vida!
Outra relação importante reside no fato do coração possuir quatro câmaras (ou válvulas):
1- Válvula tricúspide
2- Válvula pulmonar
3- Válvula mitral
4- Válvula aórtica

Na forma de interpretação judaica, existe um sistema conhecido como PARDES, um acrônimo para:
1- Pshat (Significado simples ou literal de um texto)
2- Remez (Dicas ou alegorias de um significado mais profundo)
3- Drash (Interpretação; método que busca o significado por comparação de palavras e formas, outras ocorrências semelhantes em outras passagens e etc.
4- Sod (Segredo; significado místico e metafísico de uma passagem)

Queremos nos deter um pouco sobre o quarto e último nível de interpretação deste sistema, o nível Sod, pois conforme citamos anteriormente o Tehilim /Salmos 25.14, é insinuado que tal nível só pode ser alcançado por aqueles que temem ao Eterno e que a estes a Aliança é revelada!
Se a Torah é o coração da criação e, consequentemente, a responsável pelo percurso da vida, o nível Sod é o que faz a "neshamá" (nível da alma que percebe a presença divina no mundo) pulsar e se elevar!

O "Sod" nos revela a vida

O título acima propõe uma reflexão com base em duas passagens no livro de Yechezqel ha navi (Ezequiel o profeta), são elas o capítulo 37 (Os ossos secos) e o 47 (A torrente de águas purificadoras).
Vejamos as etapas em que os ossos secos passaram até se tornarem um exército vivo:
1- Os ossos se uniram uns aos outros
2- Cobriram-se de tendões e carne
3- Revestiram-se de pele
Observem que apesar disso eles não possuíam espírito, somente quando o profeta profetizou ao espírito que ele passou a viver ou seja, os três passos iniciais não foram suficientes para dar vida, isto insinua o seguinte:
- O Pshat une os ossos.
- O Remez dá tendões e carne.
- O Drash Reveste de Pele.
- O Sod dá a vida.

No capítulo 47 vemos a mesma sequência progressiva culminando no quarto nível, vejamos:
1- Água nos tornozelos. (Pshat)
2- Água nos joelhos. (Remez)
3- Água nos quadris. (Drash)
4- Se formou uma torrente que não dava para atravessar, somente a nado e por onde ela passava levava a vida. (Sod).

Conclusão

A importância da Torah na criação já era insinuada no próprio relato, quando o Eterno cria a primeira coisa - a Luz. Que luz era esta se os luzeiros só foram criados no quarto dia? Para responder esta questão vejamos as palavras de Shlomo ha melekh (Salomão o rei) em Mishlei (Provérbios) 6.23:

"Pois o preceito (mandamento) é uma lâmpada, e a instrução (Torah) é uma luz..."

E ainda Tehilim (Salmos) 119.105:

"Tua palavra é lampada para os meus pés, e luz para o meu caminho".

Por esta razão incentivamos a busca pelo sentido de cada palavra da Torah, pois cada letra está repleta de significado que expandem a luz do Eterno em nossas vidas

Shalom lekulam!!!





segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Reparando o Altar


Por Yochanan ben Avraham

Introdução

Um dos episódios mais marcantes da Bíblia é o relato do desafio de Eliyahu ha navi (Elias o profeta) aos profetas de Ba’al. Este acontecimento se deu em um momento de grave crise no Reino do Norte - (Israel). Neste tempo, Israel era governado por Achav (Acab) que foi considerado pior que seus antecessores.
Foi no reino de Achav que a idolatria, mais uma vez e de forma oficial, tentou se consolidar entre a descendência de Avraham, isso por si só já indica o quão baixo estava o nível espiritual daquela sociedade. Este baixo nível espiritual teve como consequência uma grande seca sobre aquela região.
Esta história sinaliza para diversas situações que passamos durante a nossa caminhada de Fé e nosso desenvolvimento espiritual, o desenrolar dos acontecimentos ali registrados nos oferece, por meio de símbolos e analogias, algumas informações que podem explicar os porquês de nossas almas estarem, como disse o salmista, em “sequidão de estio” (Tehilim/Salmos 32.4).

Entendendo a seca

Então Elias, o tisbita, dos moradores de Gileade, disse a Acabe: Vive YHWH Elohei Israel, perante cuja face estou, que nestes anos nem orvalho nem chuva haverá, senão segundo a minha palavra. (Melachim alef / 1 Reis 17.1).

A sentença dada pelo profeta, não foi segundo o que ele quis ou achou que seria adequado e justo para aquele momento, mas o anuncio do que já estava previsto pela Lei (Torah) para situações conforme aquela que estava sendo vivida pelo povo, veja D’varim (Deuteronômio) 11. 10-17:

10 Porque a terra que passas a possuir não é como a terra do Egito, de onde saíste, em que semeavas a tua semente, e a regavas com o teu pé, como a uma horta.
11 Mas a terra que passais a possuir é terra de montes e de vales; da chuva dos céus beberá as águas;
12 Terra de que YHWH Eloheicha tem cuidado; os olhos de YHWH Eloheicha estão sobre ela continuamente, desde o princípio até ao fim do ano.
13 E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar a YHWH Eloheichem, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma,
14 Então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite.
15 E darei erva no teu campo aos teus animais, e comerás, e fartar-te-ás.
16 Guardai-vos, que o vosso coração não se engane, e vos desvieis, e sirvais a outros deuses, e vos inclineis perante eles;
17 E a ira de YHWH se acenda contra vós, e feche ele os céus, e não haja água, e a terra não dê o seu fruto, e cedo pereçais da boa terra que o YHWH vos dá.

Como podemos ver, a seca e escassez de Israel era consequência de sua transgressão a Torah!

A Prova do Crime

Melachim alef (1 Reis) 18.30, resume muito bem como estava a emunah* (Fé/Fidelidade) dos israelitas daquele tempo. Vejamos o texto:

“Então Elias disse a todo o povo: Chegai-vos a mim. E todo o povo se chegou a ele; e restaurou o altar de YHWH, que estava quebrado.

*Emunah: palavra hebraica geralmente traduzida como Fé, mas é melhor interpretada como Fidelidade.

Podemos observar que o altar do Eterno estava quebrado, este fato esta repleto de símbolos e significados, mas antes de comentá-los devemos informar que este altar não tinha a mesma forma aparente dos altares do Mishkan (santuário móvel) e, posteriormente do Beit hamikdash (O Templo de Jerusalém), embora tivesse tanta eficácia quanto estes. O altar reparado por Eliyahu era mais primitivo, semelhante aos altares que eventualmente eram erigidos pelos patriarcas e mesmo Mosheh (Moisés) em tempos pré-Tabernáculo/Templo.
O altar trás consigo a representação das relações com o sagrado e transcendente, sendo assim, ao percebermos que o altar dedicado ao Eterno estava quebrado, é evidente que a relação entre Israel e seu Elohim estava abandonada. E quando existe esta lacuna entre nós e o Eterno, abre-se oportunidades para outras relações, pois ficamos expostos a outras proposições e perspectivas que, geralmente estão em desacordo com as que o Eterno nos deu. Portanto, a proliferação de falsos profetas em Israel tipifica muito bem a condição daqueles que, ao negligenciarem sua relação com Eterno, entram em profundas angustias, com uma sensação de “aridez espiritual”.
Quando analisamos o referido trecho (1Rs 18.30) em seu texto original, vemos emergir um aspecto muito interessante daquela situação, que certamente reverbera em nossos dias, tanto individual quanto coletivamente. É o seguinte, a expressão hebraica para quebrado (caído ou demolido), é “heharus” que vem da raiz primitiva “haras” que significa: puxar para baixo; jogar para baixo; arrancado para baixo e etc., Tais significados nos remete às palavras atribuídas a Sha’ul ha shaliach (Paulo o emissário):

“Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra.” (Colossayah/Colossenses 3.2).

Isto significa que quando nos ocupamos demais com questões terrenas, a tendência é termos nosso nível de espiritualidade “puxado para baixo” e, deixando-o cair, acabamos sendo dominados pelo “yetzer hará” (maus impulsos) de nosso coração.
Em vias de regra, este mau impulso sempre encontra respaldo nos falsos profetas, gerando certa acomodação à situação, pois estes falsos profetas conseguem, por meio de seu “prestígio” e “habilidades”, justificarem a transgressão à Torah.

Uma revelação da guematria

Guematria é um sistema de cálculo das letras hebraicas, pois cada uma delas possui seu respectivo valor. Esta técnica é muito utilizada como especulação mística e por vezes oferece interpretações muito interessantes e profundas de determinadas passagens bíblicas que, numa leitura superficial, não poderiam ser detectadas. Abaixo tentaremos mostrar algo por trás das palavras que enriquecem nosso entendimento sobre o assunto.
A quantidade de profetas de Ba’al descritas no texto é de 450 indivíduos. 450 é o valor da palavra נקשnaqash”, que significa, dentre outras coisas, derrubar; enlaçar; armar ciladas e etc. Isto é muito esclarecedor se levarmos em conta o que a Torah diz sobre a origem dos tropeços e embaraços que podemos sofrer ao longo de nossa caminhada:

28 Guarda e ouve todas estas palavras que te ordeno, para que bem te suceda a ti e a teus filhos depois de ti para sempre, quando fizeres o que for bom e reto aos olhos de YHWH Eloheicha.
29 Quando YHWH Eloheicha desarraigar de diante de ti as nações, aonde vais a possuí-las, e as possuíres e habitares na sua terra,
30 Guarda-te, que não te enlaces (Tinaksho) seguindo-as, depois que forem destruídas diante de ti; e que não perguntes acerca dos seus deuses, dizendo: Assim como serviram estas nações os seus deuses, do mesmo modo também farei eu. (D'varim/Deuteronômio 12.28-30)

Portanto, entende-se que falso profeta é aquele que embaraça o seu caminhar na Torah, é aquele que te “enlaça” com seus argumentos.

Promovendo a restauração.

Quando o profeta age efetivamente para mudar aquela situação, indicando o local para o desafio, chama-nos a atenção o lugar que ele determinou para o evento – “Har haKarmel” (o monte Karmel). A curiosidade sobre isto se dá porque em se tratando de Reino do Norte (Israel/Efraim), haviam outros lugares mencionados no Tanach como sendo mais importantes para aquele povo! Seriam eles o Monte Gerizim, (até hoje considerado como local sagrado pelos samaritanos, pois nele foi construído o Templo samaritano que João Hircano I (ou Simeão, o Justo), destruiu no ano 128 a.C.). Gerizim era o “Monte da Benção” mencionado em D’varim (Deuteronômio) 11.29. Os outros locais são Beith-el e Dan conforme descrito em Melachim alef (1 Reis) 11.29... Logo, a escolha do Monte Karmel salta aos nossos olhos levando-nos a especular as razões dessa escolha, proporcionando uma hipótese profética a tudo que foi feito ali.
A palavra que dá nome ao monte,  כרמל “Karmel”, significa principalmente terra fértil, e vem da raiz  כרמ “Kerem” que por sua vez significa Vinha. Ou seja: Estaria o profeta nos dizendo que o caminho para restauração começaria numa vinha? Considerando que vinha é um lugar de videiras, compare isso com as palavras de certo rabino:

1  Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador.
2 Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto.
3 Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado.
4 Estai em mim, e eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em mim.
5 Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.
6 Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem.
7 Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito.
8 Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos. (Bessorah Yochanan /Boas Novas de João 15.1-8)

Seria isto uma coincidência ou um “código” para que se identificasse o Mashiach ben Yosef, que dentro da expectativa messiânica seria aquele que teria a tarefa de reunir os dispersos de Israel antes da vinda do Mashiach ben David?
Outra coisa que alimenta a hipótese apresentada é a seguinte: se o primeiro passo para a restauração era um encontro no “Karmel”, ou melhor, em “kerem” (lugar de videiras), Rabi Yeshua não estaria exagerando ao dizer que ninguém chegaria ao Pai senão por ele! Esta ousada expressão está alinhada com a interpretação da comunidade de Qumran, pois para esta o Malki-Tsedek (Mestre da Justiça) traria a “halachá” (caminhar na Torá/Interpretação da Torá) definitiva, conforme se observa no “Pesher*” do livro de Havaquq (Habacuque).

*Pesher: é uma palavra hebraica que significa "interpretação", no sentido de "solução”.

A literatura samaritana, mais especificamente o “Meimar” também oferece uma interpretação semelhante, onde diz que o “Taheb”* (Restaurador) – um equivalente messiânico, traria as palavras de Elohim.
*Sobre o “Taheb”, Sugerimos a leitura do seguinte artigo:

Estes detalhes só reforçam o pensamento de que as sagradas escrituras são muito mais que palavras e que acessar um entendimento mais elevado delas, requer de nós maior separação e reverência àquele que as inspirou.
Outra ação que Eliyahu fez que nos chamou atenção, foi o fato dele assumir sua identidade mesmo estando em desvantagem numérica em relação aos profetas de Ba’al, algo que revela profundos traços de fidelidade ao Eterno, pois Sua Torah ensina:

Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito. (Shemot/Êxodo 23.2).

Sobre assumir (ou não) uma identidade e suas atribuições, temos em outros documentos antigos, a ideia da consequência de, por exemplo, uma omissão:

1 E veio a palavra de YHWH EL a Jonas, filho de Amitai, dizendo:
2 Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até à minha presença.
3 Porém, Jonas se levantou para fugir da presença de YHWH para Társis. E descendo a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com eles para Társis, para longe da presença de YHWH.
4 Mas YHWH mandou ao mar um grande vento, e fez-se no mar uma forte tempestade, e o navio estava a ponto de quebrar-se. (Yonah/Jonas. 1.1-4)

Outro texto que diz respeito à omissão de uma identidade:

 69 Ora, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: Tu também estavas com Yeshua, o galileu.
70 Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes.
71 E, saindo para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este também estava com Yeshua, o Nazareno.
72 E ele negou outra vez com juramento: Não conheço tal homem.
73 E, daí a pouco, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: Verdadeiramente também tu és deles, pois a tua fala te denuncia.
74 Então começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem. E imediatamente o galo cantou.
75 E lembrou-se Pedro das palavras de Yeshua, que lhe dissera: Antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou amargamente. (Matitiyahu/Mateus 26. 69-75)

Se negarmos quem somos, consequentemente negamos nossas atribuições e se negamos nossas atribuições, nossa vida perde o senso de direção.
Outra ação emblemática do profeta diz respeito à restauração do altar propriamente dita:

30 Então Elias disse a todo o povo: Chegai-vos a mim. E todo o povo se chegou a ele; e restaurou o altar de YHWH, que estava quebrado.
31 E Elias tomou doze pedras, conforme ao número das tribos dos filhos de Jacó, ao qual veio a palavra de YHWH, dizendo: Israel será o teu nome.
32 E com aquelas pedras edificou o altar em nome de YHWH... (Melachim alef/1 Reis 18. 30 – 32).

Reparem que para restaurar o altar, que em nossa argumentação seria a base do relacionamento com o Eterno, Eliyahu tomou doze pedras, conforme o número das tribos de Israel, indicando que não podemos supor uma restauração sem considerarmos o papel de Israel, ou seja, suas perspectivas em relação à Torah, pois como costumamos dizer, “Teologia” que não considera o contexto histórico de Israel não é “Teologia”... É Ficção.

Concluindo...

Evidentemente o texto se refere a uma situação no passado de Israel e está voltado ao coletivo, não ignoramos isso. No entanto, o bem estar do coletivo começa no individuo, pois os princípios que regem o coletivo valem para o indivíduo e vice versa! Se formos preteristas em relação ao relato bíblico, certamente correremos o risco de não experimentarmos a eficácia e beleza dos princípios deste relato. No primeiro Século, Sha’ul ha Shaliach (Paulo o emissário), escrevendo aos talmidim (discípulos) que estavam em Corinto (ver Curintayah alef/ 1 Coríntios 10), dá a entender que os acontecimentos do passado dos hebreus serviam como símbolos e sinais para nos alertar, de modo que não venhamos repetir os erros que alguns de nossos ancestrais cometeram.
Que possamos seguir os princípios ensinados por Eliyahu ha navi e assim cooperarmos com a restauração de Israel!!!


Shalom L’kulam!!!

sábado, 17 de agosto de 2013

Fascínio envolvente ou perigo iminente?

Por Yochanan ben Avraham

Nada pode ser mais fascinante e assustador do que a mente humana. A capacidade que temos de criar ou destruir, orientar ou confundir, muitas vezes nos surpreende. Somos capazes, inclusive, de mudar até mesmo a imagem do Criador! Pense um pouco, se somos capazes disso, o que mais não poderemos fazer? Isto é alarmante... A questão é: com o que estamos comprometidos, com a ética, a justiça, o amor ou com o próprio ego? Pois isso fará toda a diferença no uso da mente, é a partir deste ponto que as coisas começam a se definir, é aqui que começamos saber se juntamos ou espalhamos, criamos ou destruímos, esclarecemos ou confundimos.

Ficamos admirando os avanços tecnológicos, nos maravilhamos com o que nossos aparelhos podem fazer sem nos darmos conta que por trás de toda essa parafernália, no nascedouro de todas estas coisas houve uma mente imaginando, criando meios para transportar algo que era abstrato, em realidade concreta.
Infelizmente, menosprezamos nossas faculdades subestimando as capacidades que nos foram concedidas pelo Criador e... Pior! Como disse no início, usamos isso para perverter tanto o sentido de Sua existência quanto o Seu caráter, pois é possível encontrar dissertações que acusam O Autor da vida de assassino, O Juiz de toda terra de sádico e injusto, usando, (por incrível que pareça) a própria bíblia... É lógico que os que assim fazem, utilizam artifícios engenhosos, constroem verdadeiros mosaicos de citações bíblicas fora de seus contextos, para criarem a imagem que desejam para provarem o que quiserem! Logo, repito: Se fazem isso com O Criador, com quem não poderão fazer? Não podem transformar um assassino num herói, um justo em um injusto ou vice versa?

Sim é o comprometimento com as causas citadas (ética, justiça, amor ou ego) que determinará o que faremos com as informações que temos a respeito de tudo, Religião, Política, Pessoas e etc.

Neste cenário, é preocupante a situação de algumas pessoas que, por força de uma condição (momentânea ou permanente), são como presas a mercê de verdadeiros “predadores intelectuais” preocupados apenas em satisfazer o próprio ego, saciando seu apetite por poder, vidas que se tornam com freqüência, vítimas de criaturas viciadas na arte da manipulação.
As perspectivas não parecem boas... Um rebanho indefeso, conformado a uma “vida de gado” esperando o abate, cuja trajetória se resume em ir de um “curral” para outro. E pra piorar, os que dizem usar a mente... mentem. Os que dizem querer libertar... Aprisionam. Por isso eu digo:

“Se for pra eu chegar a algum lugar, que seja com minhas próprias pernas; se for pra ver alguma coisa, que seja com meus próprios olhos; se for para ouvir algo, que seja com meus ouvidos... Assim, não serei presa de ninguém.”

Porém, há muitos séculos atrás, um homem fez uma súplica ao Criador:

“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios.” (Tehilim/Salmos 90.12)

Tempos depois, outro homem escreveu assim:

Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria.
Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade.
Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e maligna.
Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa.
Mas a sabedoria que do alto vem é, primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia.
(Ya’akov/Tiago 3.13-17)

Desta forma, surge no horizonte uma alternativa, pois um parâmetro se apresenta e nossa alma cansada pode desfrutar, ainda que por um breve momento, de um Oasis para nos refazermos e prosseguirmos em nossa jornada nesta terra tão árida...


Shavua tov!!!

sábado, 26 de janeiro de 2013

Experiência X Informação


Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

O Eterno, por meio do profeta Oshea (Oseias) faz uma séria advertência ao seu povo:

(Original)
נדמו עמי מבלי הדעת  כי אתה הדעת מאסת ואמאסאך (ואמאסך) מכהן לי ותשכח תורת אלהיך אשכח בניך גם אני

(Transliteração)
“Nidmu ami mibeli ha da'at ki atah ha da'at ma'asta vaem'asecha mikahen li vatiskach torat elohecha baneicha gam ani”

(Tradução)
"Meu povo será destruido por falta de conhecimento. Porque tu rejeitaste o conhecimento eu te rejeitarei do meu sacerdócio porque esqueceste o ensinamento de teu Elohim, EU também Me esquecerei dos teus filhos." (Oshea/Oseías 4.6)

Nesta advertência, a palavra que nos salta aos olhos é conhecimento. A palavra hebraica para conhecimento utilizada aqui é “DA’AT”, proveniente da raiz “YADHA”, dá-nos a ideia de um conhecimento de natureza pessoal e experimental ou mesmo discernimento. É importante enfatizarmos isto, pois sugere uma experiência pessoal e não apenas uma informação apropriada intelectualmente, ou seja, se trata de algo experimentado. Assim sendo, entendemos uma diferença, ou melhor, níveis diferentes para o conhecimento, podendo ser ele Prático (a que chamaremos de experiência) e Teórico (que chamaremos de informação)

Informação não é o bastante.

Poderíamos dizer que: “O povo do Eterno será destruído se a informação que ele possui não se tornar uma experiência vivida”. Isso pode até parecer um exagero, mas se analisarmos a questão, chegaremos a óbvia conclusão de que o povo não era desprovido de informação (conhecimento teórico) sobre O Eterno e sua vontade, mas desprovido de proximidade, relacionamento e experiência com O Criador. Na verdade, outro profeta registra esta falta de experiência com O Eterno apesar de toda informação existente:

“Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído;”
                                                                                             (Yeshayahu/Isaías 29.13)     

 O Texto de Oshea demonstra claramente que o povo se esqueceu da Torah, reforçando ainda mais o fato de que Torah não é mera filosofia, mas um exercício prático e diário de justiça e amor, gerando uma conseqüente santidade e não intelectuais inchados em seus egos.

Os exemplos de Avraham e Moshe.

Seriam Avraham e Moshe pessoas totalmente alheias a vontade do Eterno? Seriam eles totalmente ignorantes em relaçãoà Elohim quando foram chamados? Creio que não. As escrituras nos dão a entender que ambos possuíam alguma noção sobre o assunto como podemos inferir, vejamos:
Avraham, embora tenha vivido em Ur dos Caldeus, era descendente de Heber, bisneto de Shem ben Noach (Sem filho de Noé), devemos lembrar que Noach (Noé) era um homem justo e íntegro que andava com Elohim (Bereshit/Genesis 6.9). Shem (Sem) não foi como seu irmão Cham (Cão) o qual foi amaldiçoado, mas alguém que recebeu maior benção por parte de seu pai (ver Bereshit/Genesis 9. 26-27). Logo, entendemos que a tradicional história de que Avraham já observava o monoteísmo rejeitando a idolatria dos caldeus [a qual era “explorada” pelo seu pai (Terach), conforme especula alguns midrashim, que diz que Terach fazia ídolos] é muito plausível, significando que Avraham manteve a crença de seu ancestral fiel.

Moshe, de igual forma, era um hebreu que, apesar de ter sido adotado por uma egípcia (a filha de Faraó), foi criado por uma hebréia (sua própria mãe! Ver Shemot/Êxodo 2.9-3.1). É de fundamental importância dizer que, tanto a mãe de Moshe (Iochebed) quanto seu pai (Amram) eram da tribo de Levi que, mais tarde, se notabilizou por sua fidelidade ao Eterno (Ver Shemot/Êxodo 32.25-29).
Moshe sabia que era um hebreu e que a história do seu povo era emoldurada pela Fé num único Elohim, portanto não ignorava os princípios estabelecidos desde os tempos de seus patriarcas, pois certamente sua mãe o criou sob a égide do temor ao Eterno.

Como podemos verificar, tanto Avraham quanto Moshe, tinham uma base de Fé, um paradigma, mas não foi isso que fez deles ícones da história hebréia (quiçá de toda humanidade!!), o que tornou estes homens especiais, foram suas EXPERIÊNCIAS com O Eterno. Somente depois de experimentar um encontro real com Aquele que só conheciam teoricamente é que eles se tornaram o que são.
Com esta perspectiva, é impossível não nos lembrarmos de Yiov (Jó) que apesar de viver de maneira íntegra, reta e temente ao Eterno, desviando-se do mal, confessou que o conhecimento que ele tinha era insuficiente, ou seja, toda informação que ele obteve ao longo de sua vida, não se comparava com a experiência que fora adquirida (ver Yiov/Jó 42 1-6), pois o verdadeiro conhecimento é aquele que é acompanhado pela experiência.

A força de um ensino.

É a experiência com O Eterno que corrobora o ensino bíblico, de modo que ousamos dizer que um ensino não se sustenta se ele não gera um experiência mística com O Criador, e nem uma experiência com o Eterno pode ser obtida a partir do nada, do acaso...A própria palavra “experiência”, quando analisada em sua etimologia (do latin; experientia), revela que tal coisa é obtida através de tentativas repetidas. Portanto, informação (conhecimento teórico) e experiência (conhecimento prático) só têm legitimidade quando caminham juntos.

A era da informação.

Atualmente é dito que vivemos na era da informação. De fato, há muita informação sobre O Criador, Sua vontade e etc. Mas será que os mesmos que estão “informando” acerca destas coisas viveram ou têm vivido uma experiência com O Elohim de Avraham e Moshe? Pense nisso...
 A experiência amplia o entendimento sobre a informação de tal maneira, que num primeiro momento pode até nos surpreender, como podemos observar em Sh’muel alef/1 Samuel 16.1-13. Ali, vemos que Sh’muel (Samuel) tinha uma informação [um dos filhos de Yishai (Jessé) deveria ser ungido], mas apenas a informação não foi suficiente, pois por pouco Sh’muel não ungiu a pessoa errada! A experiência com a voz do Eterno vivida por Sh’muel o livrou de um grave erro. Isto nos ensina que não devemos nos firmar apenas nas informações, pois existem muitos aspectos experienciais que dão outro sentido as informações.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Julgamento do Novo Testamento


Por Yochanan ben Avraham

Introdução.
Quando se trata de julgamento, todos querem saber qual o veredicto. Porém, para a frustração daqueles que iniciam esta leitura, não estamos aqui para “bater o martelo”, mas levantar algumas questões para que se conste nos “autos” deste julgamento.
Também não pretendemos fazer as vezes de advogado tanto de defesa quanto de acusação, a imparcialidade deste autor (imparcialidade esta que certamente pode “irritar” os mais afoitos) nada mais é do que um cuidado para não incorrer em um fundamentalismo que está mais do que provado ser extremamente nocivo para o estabelecimento de diálogos que proporcionem o conhecimento mútuo de seus participantes e a melhoria nas relações humanas.

O Réu.
“Sentado no banco dos réus”, temos o Novo Testamento. Obra literária que norteia (ou norteou) a conduta de milhares de pessoas mundo afora, cujos princípios ensinados são atribuídos a Yeshua ben Yosef (Conhecido como Jesus) e seus discípulos, todos eles judeus que viveram por volta do primeiro Século. Embora os supostos autores tenham vivido no referido período, o Novo Testamento foi organizado e oficializado em meados do Século V, ou seja, muito tempo depois do que foi vivido pelos seus autores.

A Acusação.
Devido à distância entre o tempo da autoria dos livros que compõe o Novo Testamento e sua oficialização como parte integrante das escrituras sagradas, muitas suspeitas se levantam e algumas evidências são constatadas de modo que o Novo Testamento é acusado de:
Ser uma fraude, obra espúria e mentirosa que contradiz a Torah (Lei) do Eterno e que, por isso, deve ser descartada no “lixo”.

Algumas perguntas.
Seria mesmo essa (jogar no lixo) a melhor maneira de lidarmos com estas descobertas? É assim mesmo que devemos agir? Como Lutero e os inquisidores do tribunal de Cristo queimando os sidurim (manual litúrgico judeu) e outras obras literárias judaicas? Não estaríamos nos assemelhando aos algozes de nosso povo?
Bem, como podemos ver a questão não é tão simples, é preciso separar as coisas. Primeiramente precisamos saber se o que queremos afirmar é: o Novo Testamento pode ser considerado escritura sagrada ou se é uma obra desprovida de valores éticos e morais, de rica documentação que revela o pensamento e os costumes de um povo em relação à Torah em determinada época?  
Portanto, são coisas completamente distintas que devem ser consideradas.

A Alegação do Réu.
Sobre a acusação de contradizer a Lei (Torah) do Eterno, o réu afirma:

* “A Lei é santa e o mandamento santo, justo e bom.” (Rom.7.12)

* “Não cuideis que vim destruir a Lei. Não vim destruir, mas cumprir... Até que o céu e a terra passem, nem um traço ou yod (menor letra do alfabeto hebreu) se omitirá da Lei.” (Mat. 5.17)

* “Porque este é o amor de Elohim: que guardemos os seus mandamentos e os seus mandamentos não são pesados” (1 Jo. 5.3)

* “Anulamos a Lei pela Fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a Lei.” (Rom. 3.31)

Muitas outras afirmações são feitas, mas estas são suficientes para demonstrar a intenção do “acusado”.

Sobre a acusação de ser uma fraude por causa de problemas de autoria e datação, a história afirma que no Velho Testamento também encontramos problemas para se definir autores e datas e nem por isso seu valor é questionado, pois livros como Yeshayahu (Isaías) pode ter tido até três autores; Z’charyah (Zacarias) teria dois autores; a dúvidas quanto ao final do último livro da Torah (D’varim/ Deuteronômio), pois como Moshe (Moisés) poderia escrever se ele já teria morrido? Enfim, se buscamos um julgamento justo, não podemos ter dois pesos e duas medidas, pois isso é abominação perante o Eterno:

“Dois pesos diferentes e duas espécies de medida são abominação ao SENHOR, tanto um como outro.” (Mishlei/Provérbios) 20.10

Uma testemunha corajosa.
Sugerimos que antes de qualquer coisa, examinemos os conteúdos, pois podemos perder uma grande oportunidade de aprendermos como viver a Torah em alguma situação inusitada que possamos nos encontrar, pois como escreveu o célebre rabino Isaac Liechtenstein ao seu filho:

“De cada linha do “Novo Testamento”, de cada palavra, o espírito judaico fluía luz, poder, resistência, fé, esperança, amor, caridade, sem limites e indestrutível fé em Elohim.”

O interessante é que alguns anos antes, este rabino tomou o Novo Testamento das mãos de um professor judeu de uma escola comunitária no norte da Hungria, e num acesso de raiva lançou pela sala.

Finalmente
Sabemos que o manual para a vida é a Torah, e que os demais livros da bíblia se baseiam nela para desenvolver suas mensagens, descartá-los por causa de problemas de autorias suspeitas e supostas contradições de um ou outro texto, a meu ver é um grande desperdício. Contudo, aguardaremos o veredicto que O Eterno a seu tempo dará.



segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A ansiosa expectativa pelo... Caos?


Por Yochanan ben Avraham

Introdução

Não, não há um equívoco no titulo deste texto. Por mais estranho que possa parecer, é uma proposta para reflexão que, embora possa contrariar alguns dogmas, achamos que ela pode ser útil àqueles que, por alguma razão, se consideram “perdidos” e procuram encontrar um início, o “fio da meada”, para retomarem suas caminhadas.
Alguém poderá perguntar: “Por que desejar o Caos?” Reconhecemos que, devido à conotação negativa da palavra, a primeira impressão é de que tal desejo é algo doentio, pois quem, em sã consciência, desejaria algo assim? Porém quando examinamos o conceito do termo Caos, entendemos que existe uma linha de raciocínio positiva, esperançosa e confiante no domínio e soberania do Eterno Criador atrelada a este conceito. Logo, não haveria razão para o desespero e atitudes precipitadas em relação aos outros, aos lugares, as coisas e a si mesmo.

O conceito de “Caos”

Não é possível dizer tudo o que envolve a conceituação de Caos para uma análise mais pormenorizada do assunto, os debates sobre como melhor definir o termo ocuparia muitas linhas (ou mesmo páginas!), além da interdisciplinaridade exigida que nos levaria a investir um tempo muito maior para a pesquisa. Mesmo assim, tentaremos com poucas palavras apresentar uma conceituação simples para podermos desenvolver nosso raciocínio.
A palavra Caos (do grego Χάος, transl. khaos), embora de origem grega, tem um conceito antiguíssimo, podendo ser identificado em literaturas de outras civilizações anteriores, portanto, o conceito é mais antigo que a palavra.
Caos geralmente está associado a um estado de desordem, indefinição ou mesmo confusão, embora alguns acadêmicos questionem esta definição. De qualquer forma, o Caos sempre foi visto pelas antigas civilizações como uma espécie de ponto de partida para a criação, um cenário propício para a ação criativa “das divindades”. As similaridades entre sumérios, egípcios, hebreus e fenícios, nesse aspecto, são impressionantes! Ainda mais quando levamos em consideração que as conclusões que eles chegaram, estão mais associadas à intuição e o misticismo do que as ciências propriamente ditas.

O “Caos” nas civilizações antigas

SUMÉRIOS:
“Quando a Terra se teve separado do Céu,
Quando se teve fixado o Nome do Homem,
Quando An se teve «levado» ao Céu,
Quando Enlil se teve «levado» à Terra...”

O texto acima foi encontrado em tabuletas sumérias, traduzidas pelo especialista Samuel Noah Kramer. Assim, o conceito de caos nasceu, possivelmente, na Suméria. As tabuletas sumérias falam que no principio do mundo somente havia um “oceano primordial” infinito, no qual todas as coisas estavam misturadas. Era o caos. Da leitura do texto Kramer tira três conclusões:

1) Por algum tempo o céu e a terra eram uma unidade. E logo se separaram.
2) Havia alguns deuses antes da separação da terra e do céu.
3) Quando essa separação do céu e da terra aconteceu, foi o deus do
céu An, que "levou" o céu, mas foi o deus do ar, Enlil, que "levou" a
terra.

EGÍPCIOS:
No Egito antigo, também encontramos algo impressionante:

“No início, havia apenas Nun. Nun era as águas escuras do caos.
Um dia, um monte levantou-se para fora das águas. Este monte
foi chamado Ben-Ben. Nesta colina estava Atum, o primeiro
deus. Atum tossiu e cuspiu Shu, o deus do ar, e Tefnut, a deusa
da umidade. Shu e Tefnut tiveram dois filhos. Primeiro, houve
Geb, o deus da terra. Então, houve Nut, a deusa do céu. Shu
ergueu Nut de modo que ela se tornou um dossel sobre Geb.
Nut e Geb tiveram quatro filhos chamados Osíris, Isis, Seth e
Néftis. Osíris era o rei da terra e Isis era a rainha. Osíris foi um
bom rei, e reinou sobre a terra por muitos anos. No entanto, tudo
não estava bem. Seth estava com ciúmes de Osíris, pois ele
queria ser o soberano da terra. Ele cresceu mais e mais furioso,
até que um dia ele matou Osíris. Osíris desceu ao mundo
subterrâneo e Seth permaneceu na terra e tornou-se rei. Osíris e
Ísis tiveram um filho chamado Horus. Horus lutou contra Seth e
recuperou o trono. Depois disso, Horus era o rei da terra e Osíris
era o rei do submundo”

Podemos concluir esta parte sobre o caos no antigo Egito afirmando que para eles o caos era algo anterior à criação. Esse caos primordial estava imerso nas águas pantanosas e obscuras do oceano primitivo. A ordem começou a aparecer juntamente com uma ilha que emerge do oceano.

FENÍCIOS
Um historiador fenício chamado Sanchoniaton, que viveu na cidade de Tiro no Séc. XII a.C escreveu o seguinte:

“Os princípios das coisas eram um caos, em que os elementos
estavam misturados sem desenvolver-se, e um espírito do ar.
Este teve cópula com o caos e gerou com ele uma matéria
viscosa, Mot (hilyn) que encerrava em si as forças viventes e as
sementes dos animais. Através da mistura de Mot com a matéria
do caos e a fermentação, originada dela, se separaram os
elementos. As partículas de fogo se elevaram e formaram as
estrelas. Pelo influxo do fogo no ar, foram produzidas as nuvens.
A terra se tornou fértil. Da mistura, corrompida por Mot, de água
e terra, se originaram os animais mais defeituosos e sem
sentidos. Estes produziram outros animais de novo, mais
perfeitos e dotados de sentidos. O reboar do trovão na tormenta
foi o que fez despertar para a vida os primeiros animais que
dormiam em seus invólucros seminais.”

GREGOS:
A concepção grega difere um pouco das anteriores, pois o poeta Hesíodo apresenta o Caos como o primeiro e mais velho deus:

“Primeiro que tudo surgiu o Caos, e depois Gaia [Terra] de amplo
peito, para sempre firme alicerce de todas as coisas, e o
brumoso Tártaro num recesso da terra de largos caminhos, e
Eros [amor], o mais belo entre os deuses imortais, que amolece
os membros e, no peito de todos os deuses e de todos os
homens, domina o espírito e a vontade ponderada. Do Caos
nasceram o Érebo e a negra Noite; e da Noite, por sua vez,
surgiu o Aither e o Dia, que ela concebeu e deu à luz depois da
sua ligação amorosa com Érebo. E a Terra gerou primeiro Urano
[céu] constelado, igual a ela própria, para a cobrir em toda a
volta, e para ser eternamente a morada segura dos deuses bemaventurados.
Deu à luz, em seguida, as altas Montanhas, retiros
aprazíveis das Ninfas divinas, que habitam nas montanhas
arborizadas. Também deu à luz o mar estéril, que se agita com
as suas vagas, o Ponto, sem deleitoso amor; e seguidamente,
tendo partilhado o leito com Urano, gerou Okeanos dos
redemoinhos profundos, e Coió e Crio e Hipérion e Jápeto...”
                                                                                           [Hesíodo, Teogonia 116]


O “Caos” na Bíblia

A concepção hebraica pode ser observada logo no início do relato bíblico,  onde em Bereshit (Gênesis) 1.2 temos uma expressão que nos remete ao conceito de Caos, referimo-nos a “Tohu va vohu” (תהו ובהו). Esta expressão merece uma atenção especial, pois apesar de não encontrarmos cognatos conhecidos em outros idiomas para a palavra “Tohu”, ela é traduzida como algo informe, confuso, caótico, nulo e outros termos que sugerem a mesma idéia. Para entendermos melhor como ela pode ser aplicada, destacaremos abaixo alguns textos onde “Tohu” é utilizada e suas respectivas conotações:

D’varim (Deuteronômio) 32.10 e Yov (Jô) 6.18 = Área deserta
Yeshayahu (Isaías) 24.10 = Cidade destruída
Sh’muel alef (I Samuel) 12.21; Yeshayahu (Isaias) 29.21, 41.29, 44.9, 45.19 e 59.4 = Confusão moral e espiritual
Bem Sirach (Eclesiástico) 41.10 = Irrealidade

Podemos perceber que “Tohu”, geralmente está associada a uma situação negativa.
A palavra “Vohu”, por sua vez, sempre aparece acompanhada de “Tohu” e significa “Vazio”, possivelmente por causa do cognato árabe “bahiya” (Estava vazio). Logo, “Tohu va Vohu” pode ser traduzida como: “Sem forma e vazia”; “Confusa e Vazia”; Caótica e Vazia”

Sendo assim, notamos que assim como os sumérios e os egípcios, o relato da criação é extremamente semelhante, podendo até causar certo “desconforto” a determinadas pessoas e grupos religiosos, pois se pode sugerir que ele é nada mais nada menos que a repetição de um mito, já que as civilizações Suméria e egípcia são anteriores a hebréia! Porém, não vemos assim, entendemos que estas civilizações já conheciam de alguma forma, provavelmente por transmissão oral, o relato da criação e com o passar dos anos outros elementos, conforme suas crenças foram acrescentados criando, por assim dizer, uma “nova história” para o fato e que mais tarde, o relato original da criação foi registrado pelos hebreus.

O Profeta e o “Caos”

Assim veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:
“Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta”.
“Olha, ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares, e para derrubares, e para destruíres, e para arruinares; e também para edificares e para plantares.” (Yirmeyahu/Jeremias 1:4-5, 10)

Você já percebeu que antes de edificar e plantar, o profeta deveria arrancar, derrubar, destruir e arruinar? Pois é... Qual é a situação decorrente disto? Desordem, confusão, “muito entulho”.
Só depois de derrubar o “velho” é que se pode estabelecer o “novo”... E independente de se considerar o texto seguinte como inspirado ou não, não conheço nada melhor para exemplificar essa realidade do que as palavras atribuídas a Yeshua:

“Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.”
(Matitiyahu/Mateus 9.16-17)

Parafraseando Paulo Freire, o qual disse: “o Mundo não é. O Mundo esta sendo”, dizemos que o conhecimento segue a mesma perspectiva, portanto, estamos conhecendo, aprendendo, redescobrindo coisas que já considerávamos descobertas e, consequentemente uma “desordem” (Caos) mental, irá se estabelecer se não se permite uma abertura de mente, uma quebra de paradigmas.
Contudo, é justamente aí que vislumbramos “a criação”, pois não cremos em uma criação “Ex nihilo” (termo Latim que significa "do nada"), são as “ruínas” de um paradigma que fornece os insumos para a criação.

A reflexão que propomos é:

Parece que O Eterno realiza sua criação a partir da destruição daquilo que não está correto, é quando nos desfazemos de conteúdos, que não servem para a manutenção do equilíbrio, é quando o “caos” se estabelece e nossa miserabilidade se manifesta revelando nossa dependência, que Ele, Bendito Seja, ordena nossa vida segundo o seu propósito.
Finalmente, lembramos que a terra estava caótica e foi reordenada (Bereshit 1.2); O mundo foi destruído pelo mabul (dilúvio) e a partir de Noach (Noé) e sua família foi refeito (Bereshit 9.1); Avraham iniciou uma nação sem saber para onde iria depois de abdicar de tudo que poderia lhe dar alguma segurança (Bereshit 12.1). Homens que presenciaram o “Caos” e a partir do Caos, foram redefinidos, reordenados para uma vida vivida nos caminhos do El Elyion...Por isso, não se desespere diante de uma situação confusa ou de um quadro de destruição, pois Aquele que Vive e Reina Eternamente tem o poder de pegar a massa disforme e fazer um vaso novo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ecos da Torre


      
   (A Torre de Babel, pintura do Sec.XVI por Bruegel)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.
Em Bereshit (Gênesis)11, temos o relato da famosa torre de Bavel (Babel), monumento idealizado e construído por um povo vindo do oriente, que chegando ao vale de Sinear resolveu se estabelecer ali e perpetuar seu nome e um local fixo, (um prenuncio de mudança de uma vida nômade para o sedentarismo).
Não pretendemos adentrar questões polêmicas sobre tal relato ser um mito criado para explicar a diversidade de idiomas ou um evento histórico que pode, inclusive, ser “comprovado” cientificamente. Nem tão pouco nos ocuparmos sobre questões arquitetônicas ou religiosas no sentido de afirmar ou rejeitar que tal construção se trataria de um zigurate (templos torres das religiões mesopotâmicas) ou algo inédito. O que gostaríamos de explorar na narrativa é a confusão de línguas (idiomas) ali mencionada e usá-la como analogia para algo muito comum nos dias de hoje, principalmente no âmbito religioso, estamos nos referindo a confusão de linguagem/comunicação (ou falta de).

Um mal chamado Bavel.

Bavel, numa perspectiva bíblica, personifica tudo aquilo que contraria a vontade do Eterno, de modo que os profetas eram levantados para advertir ao povo para não compactuar com seu “modus vivendis’, como vemos em Yirmeyahu/Jeremias 51.45 e Zacarias 2.7:

“Saí do meio dela, ó povo meu, e livrai cada um a sua alma do ardor da ira do SENHOR”.

“Ah! Sião! Escapa, tu, que habitas com a filha de babilônia.”

Poderíamos citar muitas outras passagens que demonstram a conotação negativa que Bavel evoca e toda sua má influencia na vida do povo israelita, como vemos em Yechezkel. 8.14:

“E disse-me: Ainda tornarás a ver maiores abominações, que estes fazem.
E levou-me à entrada da porta da casa do SENHOR, que está do lado norte, e eis que estavam ali mulheres assentadas chorando a Tamuz.”

  
         (Imagem de Tamuz)

Tammuz foi uma divindade importada para Judá. As origens da adoração desse deus estão perdidas, embora o nome “Dumuzi” esteja relacionado com um governante de uma das cidades-estados da Suméria antes da metade do 3º milênio a.C. Durante o período neosumeriano (Ca. 2200-1900 a.C.), os sumérios reconheceram Dumuzi como um deus e normalmente o relacionavam com a deusa Inanna. Em cultos acadianos, Dumuzi era chamado Tamuz e Inanna era identificada com Ishtar. Esses deuses são conhecidos por ambos os nomes: Dumuzi/Tamuz e Inanna/Ishtar. É importante lembrar que boa parte da religião babilônica provém das crenças sumerianas e acadianas

 Saímos de Bavel?                                                

Somos chamados a sair de Bavel e, embora a Torre construída já não existia mais na época em que os profetas faziam seus pronunciamentos, a Torre permanece como símbolo, um marco da arrogância humana em presumir que poderia alcançar “os céus” por méritos próprios. A própria palavra hebraica para Torre (מגדל) “migdal”, sugere isto, pois esta palavra é proveniente de (גדל) “gadal” que, dentre outras similaridades significa: tornar-se grande; magnificar-se.

Mas como entender isso em pleno Século XXI se esta civilização já não existe mais? Como aplicar isso em nossos dias? Responder esta questão não exige muito esforço intelectual, pois se sabemos que Bavel representa uma oposição à vontade de Elohim, a proposta é simplesmente não sermos rebeldes a sua instrução revelada ao longo do Tanach. Contudo, podemos ser mais específicos em relação a sua aplicação se observarmos a série de eventos que ocorreram antes e durante a edificação desta Torre, vejamos:

“E disseram uns aos outros: Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume por cal. E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra.” (Bereshit/Gênesis 11.3-4)

É interessante notarmos as expressões: façamos; queimemo-los; edifiquemos e sejamos, pois fica a nítida impressão de, (considerando a raiz da palavra “migdal”), de uma auto exaltação. De fato, a arrogância de achar que alcançaremos um lugar junto ao Eterno pelos nossos próprios méritos e não pela sua “CHESSED” (Graça/Misericórdia) têm sido desde os tempos mais antigos, a grande ilusão da humanidade... Que O Eterno não permita que esqueçamos de que:

“As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim;” (Ecrá/Lamentações 3.22)

Outra situação que demonstra o quanto podemos estar sob a influencia de “migdal Bavel” (Torre de Babel), (e é esta a razão que nos levou a escrever este pequeno artigo), são as inúmeras discussões em meio a construção da Torre, onde todos falam, mas ninguém entende nada...todos se preocupam em falar como se faz para chegar “aos céus”, mas ninguém esta disposto a ouvir o que o outro tem a dizer.
Tenho entendido que quando duas ou mais pessoas só estão dispostas a falar, defender suas teses, ao invés de tentar ouvir, buscar uma comunicação (que é simplesmente uma ação em comum, pois se só há emissores ou só ouvintes, não há comunicação). Estamos reproduzindo em pleno Seculo XXI, os ecos da grande confusão ocorrida em Bavel.

Lembremos da célebre frase de Voltaire:

“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”

Que O Eterno nos ensine não apenas a falar o que é certo, mas também a ouvir.

Shalom!!!