segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A ansiosa expectativa pelo... Caos?


Por Yochanan ben Avraham

Introdução

Não, não há um equívoco no titulo deste texto. Por mais estranho que possa parecer, é uma proposta para reflexão que, embora possa contrariar alguns dogmas, achamos que ela pode ser útil àqueles que, por alguma razão, se consideram “perdidos” e procuram encontrar um início, o “fio da meada”, para retomarem suas caminhadas.
Alguém poderá perguntar: “Por que desejar o Caos?” Reconhecemos que, devido à conotação negativa da palavra, a primeira impressão é de que tal desejo é algo doentio, pois quem, em sã consciência, desejaria algo assim? Porém quando examinamos o conceito do termo Caos, entendemos que existe uma linha de raciocínio positiva, esperançosa e confiante no domínio e soberania do Eterno Criador atrelada a este conceito. Logo, não haveria razão para o desespero e atitudes precipitadas em relação aos outros, aos lugares, as coisas e a si mesmo.

O conceito de “Caos”

Não é possível dizer tudo o que envolve a conceituação de Caos para uma análise mais pormenorizada do assunto, os debates sobre como melhor definir o termo ocuparia muitas linhas (ou mesmo páginas!), além da interdisciplinaridade exigida que nos levaria a investir um tempo muito maior para a pesquisa. Mesmo assim, tentaremos com poucas palavras apresentar uma conceituação simples para podermos desenvolver nosso raciocínio.
A palavra Caos (do grego Χάος, transl. khaos), embora de origem grega, tem um conceito antiguíssimo, podendo ser identificado em literaturas de outras civilizações anteriores, portanto, o conceito é mais antigo que a palavra.
Caos geralmente está associado a um estado de desordem, indefinição ou mesmo confusão, embora alguns acadêmicos questionem esta definição. De qualquer forma, o Caos sempre foi visto pelas antigas civilizações como uma espécie de ponto de partida para a criação, um cenário propício para a ação criativa “das divindades”. As similaridades entre sumérios, egípcios, hebreus e fenícios, nesse aspecto, são impressionantes! Ainda mais quando levamos em consideração que as conclusões que eles chegaram, estão mais associadas à intuição e o misticismo do que as ciências propriamente ditas.

O “Caos” nas civilizações antigas

SUMÉRIOS:
“Quando a Terra se teve separado do Céu,
Quando se teve fixado o Nome do Homem,
Quando An se teve «levado» ao Céu,
Quando Enlil se teve «levado» à Terra...”

O texto acima foi encontrado em tabuletas sumérias, traduzidas pelo especialista Samuel Noah Kramer. Assim, o conceito de caos nasceu, possivelmente, na Suméria. As tabuletas sumérias falam que no principio do mundo somente havia um “oceano primordial” infinito, no qual todas as coisas estavam misturadas. Era o caos. Da leitura do texto Kramer tira três conclusões:

1) Por algum tempo o céu e a terra eram uma unidade. E logo se separaram.
2) Havia alguns deuses antes da separação da terra e do céu.
3) Quando essa separação do céu e da terra aconteceu, foi o deus do
céu An, que "levou" o céu, mas foi o deus do ar, Enlil, que "levou" a
terra.

EGÍPCIOS:
No Egito antigo, também encontramos algo impressionante:

“No início, havia apenas Nun. Nun era as águas escuras do caos.
Um dia, um monte levantou-se para fora das águas. Este monte
foi chamado Ben-Ben. Nesta colina estava Atum, o primeiro
deus. Atum tossiu e cuspiu Shu, o deus do ar, e Tefnut, a deusa
da umidade. Shu e Tefnut tiveram dois filhos. Primeiro, houve
Geb, o deus da terra. Então, houve Nut, a deusa do céu. Shu
ergueu Nut de modo que ela se tornou um dossel sobre Geb.
Nut e Geb tiveram quatro filhos chamados Osíris, Isis, Seth e
Néftis. Osíris era o rei da terra e Isis era a rainha. Osíris foi um
bom rei, e reinou sobre a terra por muitos anos. No entanto, tudo
não estava bem. Seth estava com ciúmes de Osíris, pois ele
queria ser o soberano da terra. Ele cresceu mais e mais furioso,
até que um dia ele matou Osíris. Osíris desceu ao mundo
subterrâneo e Seth permaneceu na terra e tornou-se rei. Osíris e
Ísis tiveram um filho chamado Horus. Horus lutou contra Seth e
recuperou o trono. Depois disso, Horus era o rei da terra e Osíris
era o rei do submundo”

Podemos concluir esta parte sobre o caos no antigo Egito afirmando que para eles o caos era algo anterior à criação. Esse caos primordial estava imerso nas águas pantanosas e obscuras do oceano primitivo. A ordem começou a aparecer juntamente com uma ilha que emerge do oceano.

FENÍCIOS
Um historiador fenício chamado Sanchoniaton, que viveu na cidade de Tiro no Séc. XII a.C escreveu o seguinte:

“Os princípios das coisas eram um caos, em que os elementos
estavam misturados sem desenvolver-se, e um espírito do ar.
Este teve cópula com o caos e gerou com ele uma matéria
viscosa, Mot (hilyn) que encerrava em si as forças viventes e as
sementes dos animais. Através da mistura de Mot com a matéria
do caos e a fermentação, originada dela, se separaram os
elementos. As partículas de fogo se elevaram e formaram as
estrelas. Pelo influxo do fogo no ar, foram produzidas as nuvens.
A terra se tornou fértil. Da mistura, corrompida por Mot, de água
e terra, se originaram os animais mais defeituosos e sem
sentidos. Estes produziram outros animais de novo, mais
perfeitos e dotados de sentidos. O reboar do trovão na tormenta
foi o que fez despertar para a vida os primeiros animais que
dormiam em seus invólucros seminais.”

GREGOS:
A concepção grega difere um pouco das anteriores, pois o poeta Hesíodo apresenta o Caos como o primeiro e mais velho deus:

“Primeiro que tudo surgiu o Caos, e depois Gaia [Terra] de amplo
peito, para sempre firme alicerce de todas as coisas, e o
brumoso Tártaro num recesso da terra de largos caminhos, e
Eros [amor], o mais belo entre os deuses imortais, que amolece
os membros e, no peito de todos os deuses e de todos os
homens, domina o espírito e a vontade ponderada. Do Caos
nasceram o Érebo e a negra Noite; e da Noite, por sua vez,
surgiu o Aither e o Dia, que ela concebeu e deu à luz depois da
sua ligação amorosa com Érebo. E a Terra gerou primeiro Urano
[céu] constelado, igual a ela própria, para a cobrir em toda a
volta, e para ser eternamente a morada segura dos deuses bemaventurados.
Deu à luz, em seguida, as altas Montanhas, retiros
aprazíveis das Ninfas divinas, que habitam nas montanhas
arborizadas. Também deu à luz o mar estéril, que se agita com
as suas vagas, o Ponto, sem deleitoso amor; e seguidamente,
tendo partilhado o leito com Urano, gerou Okeanos dos
redemoinhos profundos, e Coió e Crio e Hipérion e Jápeto...”
                                                                                           [Hesíodo, Teogonia 116]


O “Caos” na Bíblia

A concepção hebraica pode ser observada logo no início do relato bíblico,  onde em Bereshit (Gênesis) 1.2 temos uma expressão que nos remete ao conceito de Caos, referimo-nos a “Tohu va vohu” (תהו ובהו). Esta expressão merece uma atenção especial, pois apesar de não encontrarmos cognatos conhecidos em outros idiomas para a palavra “Tohu”, ela é traduzida como algo informe, confuso, caótico, nulo e outros termos que sugerem a mesma idéia. Para entendermos melhor como ela pode ser aplicada, destacaremos abaixo alguns textos onde “Tohu” é utilizada e suas respectivas conotações:

D’varim (Deuteronômio) 32.10 e Yov (Jô) 6.18 = Área deserta
Yeshayahu (Isaías) 24.10 = Cidade destruída
Sh’muel alef (I Samuel) 12.21; Yeshayahu (Isaias) 29.21, 41.29, 44.9, 45.19 e 59.4 = Confusão moral e espiritual
Bem Sirach (Eclesiástico) 41.10 = Irrealidade

Podemos perceber que “Tohu”, geralmente está associada a uma situação negativa.
A palavra “Vohu”, por sua vez, sempre aparece acompanhada de “Tohu” e significa “Vazio”, possivelmente por causa do cognato árabe “bahiya” (Estava vazio). Logo, “Tohu va Vohu” pode ser traduzida como: “Sem forma e vazia”; “Confusa e Vazia”; Caótica e Vazia”

Sendo assim, notamos que assim como os sumérios e os egípcios, o relato da criação é extremamente semelhante, podendo até causar certo “desconforto” a determinadas pessoas e grupos religiosos, pois se pode sugerir que ele é nada mais nada menos que a repetição de um mito, já que as civilizações Suméria e egípcia são anteriores a hebréia! Porém, não vemos assim, entendemos que estas civilizações já conheciam de alguma forma, provavelmente por transmissão oral, o relato da criação e com o passar dos anos outros elementos, conforme suas crenças foram acrescentados criando, por assim dizer, uma “nova história” para o fato e que mais tarde, o relato original da criação foi registrado pelos hebreus.

O Profeta e o “Caos”

Assim veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:
“Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta”.
“Olha, ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares, e para derrubares, e para destruíres, e para arruinares; e também para edificares e para plantares.” (Yirmeyahu/Jeremias 1:4-5, 10)

Você já percebeu que antes de edificar e plantar, o profeta deveria arrancar, derrubar, destruir e arruinar? Pois é... Qual é a situação decorrente disto? Desordem, confusão, “muito entulho”.
Só depois de derrubar o “velho” é que se pode estabelecer o “novo”... E independente de se considerar o texto seguinte como inspirado ou não, não conheço nada melhor para exemplificar essa realidade do que as palavras atribuídas a Yeshua:

“Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.”
(Matitiyahu/Mateus 9.16-17)

Parafraseando Paulo Freire, o qual disse: “o Mundo não é. O Mundo esta sendo”, dizemos que o conhecimento segue a mesma perspectiva, portanto, estamos conhecendo, aprendendo, redescobrindo coisas que já considerávamos descobertas e, consequentemente uma “desordem” (Caos) mental, irá se estabelecer se não se permite uma abertura de mente, uma quebra de paradigmas.
Contudo, é justamente aí que vislumbramos “a criação”, pois não cremos em uma criação “Ex nihilo” (termo Latim que significa "do nada"), são as “ruínas” de um paradigma que fornece os insumos para a criação.

A reflexão que propomos é:

Parece que O Eterno realiza sua criação a partir da destruição daquilo que não está correto, é quando nos desfazemos de conteúdos, que não servem para a manutenção do equilíbrio, é quando o “caos” se estabelece e nossa miserabilidade se manifesta revelando nossa dependência, que Ele, Bendito Seja, ordena nossa vida segundo o seu propósito.
Finalmente, lembramos que a terra estava caótica e foi reordenada (Bereshit 1.2); O mundo foi destruído pelo mabul (dilúvio) e a partir de Noach (Noé) e sua família foi refeito (Bereshit 9.1); Avraham iniciou uma nação sem saber para onde iria depois de abdicar de tudo que poderia lhe dar alguma segurança (Bereshit 12.1). Homens que presenciaram o “Caos” e a partir do Caos, foram redefinidos, reordenados para uma vida vivida nos caminhos do El Elyion...Por isso, não se desespere diante de uma situação confusa ou de um quadro de destruição, pois Aquele que Vive e Reina Eternamente tem o poder de pegar a massa disforme e fazer um vaso novo.

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