Por Yochanan ben Avraham
Introdução
Neste Shabat estaremos estudando um relato muito
significativo para o povo hebreu, se trata da ordem do Eterno a Moshe para que
se enviassem espias à terra prometida, kena’an. Cada tribo israelita deveria
estar representada por seus respectivos príncipes. Contudo, muitos
comentaristas da Torah afirmam que, na verdade, a idéia de se enviar espias partiu do povo e
que a palavra do Eterno era um consentimento, tanto é assim que, segundo tais
comentaristas, o texto diz: “Envia para ti...” pois isso não partiu do Eterno,
porque ele não precisaria reconhecer o que já havia determinado para o povo.
Desconfiando da Promessa?
Se os comentaristas estão corretos em suas suposições, vemos
quanto o Eterno é compassivo para com seu povo, pois ao permitir que Israel
enviasse espias para observar Kena’na (Canaã), Ele estava compreendendo a
ansiedade do povo e até mesmo sua falta de confiança em relação às promessas do
Altíssimo. Contudo, no decorrer desta sedrá, vemos que quando nossas ações são
movidas pela ansiedade, o resultado dificilmente será bom.
De fato, quando os espias chegaram a terra, comprovaram a
veracidade das palavras de Elohim. Assim, podemos tirar uma grande lição: A
palavra do Eterno não muda, ela sempre será confirmada, o problema é a
perspectiva de quem a observa. No caso em questão, doze homens, não homens
comuns... Mas príncipes, líderes das tribos israelitas, que apesar de estarem
todos diante da mesma terra - Kena’an, perspectivas diferentes foram
transmitidas ao povo, logo, surge uma contradição que impede a formação de um relatório
confiável. Tal situação demonstra que foi o interior dos espias que determinou
a impressão que tiveram, provavelmente estavam baseando-se em suas capacidades,
esquecendo-se de que tudo que alcançaram até ali foi pelo braço forte de
HaShem! Sobre tal pensamento arrogante, somos advertidos da seguinte forma:
“Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem, e faz da
carne o seu braço, e aparta o seu coração do SENHOR!”
(Yermiyahu/Jeremias 17.5)
Dez, dos doze príncipes, não perceberam que ao difamar a
terra que haviam espiado, estavam descredibilizando a promessa de Elohim! E por
serem homens influentes na nação, contaminaram todo o povo, além disso, a
obstinação em seus conceitos, fez com que “sufocassem” a voz de Kalev, que
tentava trazer o povo de volta a confiança para que este não viesse a incorrer
no mesmo erro de seus líderes.
Neste episódio o conflito entre o material e o espiritual
mais uma vez é demonstrado em cores vivas, e a perspectiva materialista dos
fatos geralmente nos afasta dos propósitos do Eterno.
No caso dos espias, a incredulidade estava disfarçada de
“razão”, não estou sugerindo que devemos ter uma vida irresponsável e
inconseqüente, que faz qualquer coisa achando que o Eterno irá respaldar sua aventura,
mas que devemos sempre trazer em mente as obras e a fidelidade do Eterno para
com seu povo, como diz o sefer Ecrá (Livro de Lamentações) 3.21-26:
“Disto me recordarei na minha
mente; por isso esperarei.
As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque
as suas misericórdias não têm fim;
Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade.
A minha porção é o SENHOR, diz a minha alma; portanto esperarei nele.
Bom é o SENHOR para os que esperam por ele, para a alma que o busca.
Bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a salvação do SENHOR.”
O Valor da verdadeira espiritualidade
Percebemos também neste relato que liderança não é sinônimo
de espiritualidade, se tomarmos em conta o percentual dos líderes que tiveram
uma “visão espiritual” da situação e que se mantiveram fieis as palavras de
Adonai, veremos que pouco mais de 10% foram aprovados... Imaginem se isso for
uma regra e que isto se aplica atualmente? A verdadeira espiritualidade é
aquela oriunda da meditação e prática da Torah, do contrário, o que estamos
desenvolvendo nada mais é que “ficção mística”. Um texto da Brit Chadashah
(chamado de Novo Testamento, independente de ser considerada inspirada ou não,
ou se tratar de uma inserção posterior) ilustra bem qual deve ser nossa postura
no “olam hazé” (tempo presente/mundo atual):
“Temos, portanto sempre bom ânimo e sabemos que, enquanto estamos
presentes no corpo, estamos ausentes do Senhor
(porque andamos por fé e não por visão)” (Curintayh beit/2
Coríntios 5.6-7)
Quem herdará a terra da promessa?
Depois de toda murmuração do povo, reação de Yehoshua e
Kalev, repreensão do Eterno e intermediação de Moshe que permeiam os capítulos
13 e 14. Temos uma sentença muito marcante dada pelo Eterno:
“Porém, tão certamente como eu vivo, e como a glória do SENHOR encherá
toda a terra. E que todos os homens que viram a minha glória e os meus sinais,
que fiz no Egito e no deserto, e me tentaram estas dez vezes, e não obedeceram
à minha voz,
Não verão a terra de que a seus pais jurei, e nenhum daqueles que me
provocaram a verá. Porém o meu servo Calebe, porquanto nele houve outro
espírito, e perseverou em seguir-me, eu o levarei à terra em que entrou, e a
sua descendência a possuirá em herança.” (Bamidbar/Números 14.21-24)
E também:
Neste deserto cairão os vossos cadáveres, como também todos os que de
vós foram contados segundo toda a vossa conta, de vinte anos para cima, os que
dentre vós contra mim murmurastes;
Não entrareis na terra, pela qual levantei a minha mão que vos faria
habitar nela, salvo Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num. (Bamidbar/Números
14.29-30)
De toda aquela geração, dos vinte anos para cima, somente
Yehoshua (Josué) e Kalev (Caleb) adentraram a terra prometida, este fato sugere
alguns símbolos e sinais muito interessantes para nossa reflexão, vamos a eles:
Lembrando que para os hebreus os nomes não são apenas
substantivos próprios, os nomes de Yehoshua e Kalev podem estar revelando quem
irá adentrar “eretz Israel” (terra de Israel) no “Olam habá” (mundo vindouro)! Vejamos
o porque:
Yehoshua recebeu este nome de Moshe, pois anteriormente ele
se chamava “Oshea” (Ver. Nm.14.16). Anteriormente, seu nome - Hoshea,
significava ‘salvação’. Ao ser mudado para “Yehoshua” agora significava ‘Salvação
de YHWH’. Obviamente uma mensagem estava sendo transmitida, mensagem esta que é
transmitida ao longo de todo o Tanach, como vemos, por exemplo, nos Tehilim
(Salmos) abaixo:
“A salvação vem do SENHOR; sobre o teu povo seja a tua bênção. (Selá.)”
(Tehilim/Salmos 3.8)
“Mas a salvação dos
justos vem do SENHOR; ele é a sua fortaleza no tempo da angústia.”
(Tehilim/Salmos 37.39)
A mensagem é clara: “Ninguém
pode salvar além de YHWH”!
Kalev por sua vez, não teve seu nome mudado, contudo, o
significado de seu nome reverbera um dos princípios básicos de como devemos servir
ao Eterno. Kalev que no hebraico, é uma palavra composta - algo muito comum do
hebraico antigo. Assim, a sua origem pode ser decomposta em dois termos:
"Kol", que significa "tudo" ou "todo"; e
"Lev", que significa "coração". Daqui extrai-se que
"Kalev", no seu sentido mais remoto e profundo, significa "de
todo o coração".
Quando recitamos o Sh’ma, declaramos na parte final: “v’ahavta et YHWH elohecha b’chol
levav’cha...” (E amarás o YHWH teu elohim de todo o teu coração...).
Considerando o significado dos nomes destes homens teremos a
seguinte mensagem: “O SENHOR salvará
aqueles que O servem de todo o coração”. São estes os que herdarão a terra
prometida.
Outro aspecto interessante pode ser observado a partir do
nome de Kalev. As letras que compõe este nome
כלב
(kuf, lamed e beit), formam a raiz da palavra kelev (cão), que é escrita da
mesma forma mudando apenas os sinais massoréticos. Kelev ocorre 32 vezes no
Tanach sempre indicando algo negativo como desprezo ostensivo e coisas do
gênero. Na Brit Chadashá (conhecido como Novo Testamento), temos um episódio
interessante que se considerarmos o termo kelev, podemos aprender mais uma
lição sobre a bondade e misericórdia do Eterno:
“Ele, porém,
respondendo, disse: Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos
cachorrinhos.
E ela disse: Sim,
Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus
senhores. Então respondeu Yeshua, e disse-lhe: O mulher, grande é a tua fé!
Seja isso feito para contigo como tu desejas. E desde àquela hora a sua filha
ficou sã.” (Matitiyahu/Mateus 15.26-28)
A mensagem aqui é a seguinte: Até mesmo o mais desprezível
dos homens, quando se arrepende, se humilha e reconhece que é de YHWH que vem a
salvação, ele pode alcançar a graça de HaShem. Aquela mulher sendo estrangeira,
foi a Yeshua ben Yosef, ha notsri, que anunciava a Torah do Eterno a seus irmãos
yehudim (judeus) e demonstra toda sua confiança em conseguir sua audiência. Uma
bela demonstração do que Yeshayahu ha navi (Isaías o profeta) anunciou:
“E não fale o filho do
estrangeiro, que se houver unido ao SENHOR, dizendo: Certamente o SENHOR me
separará do seu povo; nem tampouco diga o eunuco: Eis que sou uma árvore seca.
Porque assim diz o SENHOR a respeito dos eunucos, que guardam os meus
sábados, e escolhem aquilo em que eu me agrado, e abraçam a minha aliança:
Também lhes darei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar e um
nome, melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles,
que nunca se apagará.
E aos filhos dos estrangeiros, que se unirem ao SENHOR, para o
servirem, e para amarem o nome do SENHOR, e para serem seus servos, todos os
que guardarem o sábado, não o profanando, e os que abraçarem a minha aliança,
Também os levarei ao meu santo monte, e os alegrarei na minha casa de
oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar;
porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos.” (Yeshayahu/Isaías 56.3-7)
Finalmente, outro sinal pode ser detectado através da vida
de Yehoshua e Kalev. Cada um deles representava suas tribos, respectivamente
Efraim e Yehudah (Judá). Ao estudarmos a história de Israel, veremos que em 921 a .C, (ver Melachim alef/
I reis caps. 12 e 13) ocorreu uma divisão no reino, transformando-o em “duas
casas” que passaram a ser conhecidas como Reino de Yehudah (ou Reino do Sul
composto pelas tribos de Judá e Benjamim)) e Reino de Israel (Reino do Norte,
ou ainda, Efraim composto pelas dez tribos restantes). É interessante quando
comparamos a entrada de Kalev (Yehuda /Reino do Sul) e Yehoshua (Efraim/Israel/Reino
do Norte) com a literatura apocalíptica dos primeiros quatro séculos como
Guilyana, por exemplo:
“Bem-aventurados aqueles que
guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam
entrar na cidade pelas portas.
Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e os que se prostituem e os
homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e comete a mentira.” (Guilyana/Apocalipse 22.14-15)
É importante dizer que segundo este livro, a cidade têm
sobre as portas os nomes das tribos de Israel! E tinha um grande e alto muro com
doze portas, e nas portas doze anjos, e nomes escritos sobre elas, que são os
nomes das doze tribos dos filhos de Israel(Guilyana/Apocalipse 21.12). Ou
seja, mais uma vez vemos quem são os herdeiros das promessas de Elohim, aqueles
que se mantiverem fieis aos seus mandamentos, sua Lei... Enfim, sua Torah.
Shabat Shalom!!!