Por Yochanan ben Avraham.
Introdução.
Chegamos ao último livro da Torah, e para iniciarmos os
estudos e comentários de seu conteúdo faremos uma breve apresentação deste
livro que, sem exageros, pode ser considerado o mais importante da Torah! Esta
afirmativa se deve ao sentido claro de suas palavras acerca de como deve ser o
relacionamento com O Eterno.
A ratificação do monoteísmo e o caráter do Eterno em relação
a Sua Palavra; a afirmação da essencialidade do amor como base da “religião”
(Serviço ao Eterno) e nas relações humanas e a definição das condições para ser
parte integrante do povo de Adonai, (Israel), fazem deste livro uma obra
magistral de fundamental importância para aqueles que pretendem trilhar O
Caminho para a Vida.
O título do Livro.
Em hebraico este livro chama-se “D’varim”, que significa
“Palavras”. Na Septuaginta (LXX), a conhecida versão grega do Tanach (Chamado
de Velho Testamento pelos cristãos) ele foi denominado como “Deuteronômio”, que
significa “segunda Lei” ou “Repetição da Lei”. Porém, a denominação grega para
o livro, acaba indiretamente induzindo o leitor a um erro, pois o conteúdo de
D’varim não é necessariamente uma repetição do que já havia sido dito nos
demais livros, veja o quadro abaixo:
Livros
|
Repetição em D’varim
|
Omitido em D’varim
|
Bereshit (Gênesis)
|
Quase nada
|
Criação, Dilúvio, Yosef e seus irmãos.
|
Shemot (Êxodo)
|
Poucos detalhes do Êxodo; a revelação do Sinai; o pecado
do bezerro de ouro
|
Mishkan (santuário móvel/Tabernáculo)
|
Vayikrá (Levítico)
|
Quase nada
|
Quase todas as mitzvot (mandamentos)
|
Bamidbar (Números)
|
Os espias; a derrota de Sichon & Og
|
Quase todas as mitzvot (mandamentos)
|
Como demonstrado, o sefer D’varim não é uma mera repetição,
além do mais, contém mandamentos que não foram mencionados em nenhuma outra
parte da Torah.
O tema do livro.
D’varim começa a se destacar dos demais, quando percebemos
ao longo de todo seu texto a unidade de estilo e linguagem. Em comparação com
os outros quatro livros, onde as histórias e mandamentos são apresentados na
terceira pessoa, o sefer D’varim é quase todo escrito em primeira pessoa. Esta
particularidade indica que o livro é uma coletânea de discursos sob o tema:
“obediência e manutenção da Torah”.
Entendemos então que D’varim é como se fosse o ponto de
partida para a “Nação israelita”, pois sintetizava em seu conteúdo tudo o que
definia e representava ser um israelita, ou seja, a omissão de vários aspectos
importantes da história dos hebreus pode significar que todos já conheciam as
origens e o chamado do povo, e que naquele momento se iniciava uma nova etapa,
onde a identidade israelita estava sendo definida e santificada. É esta
definição contida em D’varim que nos leva a compreender porque muitos o consideram
como aquilo que salvou o povo na diáspora, já que seu valor é mais do que
literário, é moral.
O que também nos salta aos olhos é o forte apelo para as
relações humanas. De fato, a geração que estava recebendo aquelas palavras, não
era mais a mesma, pois com exceção de Yehoshua e Kaleb, ninguém da geração
anterior entraria na terra prometida. Foi uma geração que NÃO cresceu no
cativeiro de faraó numa terra infestada de idolatria, mas sob a liderança de
Moshe, conhecendo o poder e a vitória decorrentes da confiança em Adonai. Estas
características indicam que o povo tinha um nível de consciência religiosa bem
definida, porém, é possível que, no que diz respeito às relações sociais,
muitas coisas precisariam ser “ajeitadas” e é com este “background” que se
entende a instituição de diversas leis com a finalidade de organizar a
sociedade israelita em relação ao seu cotidiano e também nas celebrações
estabelecidas pela Torah, como vemos nos capítulos 14 e 16, por exemplo.
O crescimento do povo longe da idolatria do Egito e a
separação dos povos cananeus, podem ter causado um “efeito colateral” nos
filhos de Israel, a hipocrisia e a xenofobia. Contra estes males D’varim
preveniu da seguinte forma:
“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais
a vossa cerviz. Pois YHWH vosso Elohim é Elohei dos deuses, e o Senhor dos
senhores, o El grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem
aceita recompensas;
Que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão
e roupa. Por isso amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do
Egito.”
(D’varim/Deuteronômio 10.16-19)
A autoria do Livro.
As discussões entre críticos e acadêmicos sobre a autoria de
D’varim, fornecem dados interessantes para análises, contudo, por questões de
brevidade, não iremos abordar todas as questões, mas apenas um breve resumo
daquilo que consideramos mais relevante para o momento.
Até época recente, alguns críticos afirmavam que D’varim
havia sido escrito no tempo de Yoshiyahu (Josias) por volta do ano 621 a .C. isto se deve,
provavelmente, por causa do idioma e estilo e também por um “evidente”
parentesco com Yermiyahu (Jeremias) e o autor do Sefer Melachim (Livro de Reis)
tanto pela forma quanto pela retórica. Contudo, a unidade de pensamento
encontrada no livro e citações encontradas nele próprio (capítulo 31.9, 24-26),
apontam para Moshe como o autor.
Uma provável solução para o impasse sobre a autoria poderia
ser sugerida a partir do pensamento de que um texto original foi encontrado no
período do reinado de Yoshiyahu (Josias), já que a reforma implantada por este
após a descoberta do sacerdote Chilkiyahu (Hilkias) do livro da Lei perdido no
Templo (ver Melachim beit / II Reis 22. 8-30), apresenta muitos pontos de
contato com o sefer D’varim, mas recebeu acréscimos no decorrer do tempo. De
fato, o último capítulo sobre a morte de Moshe é compreendida como um apêndice
posterior, escrito talvez por Yehoshua (Josué), El’azar (Eleazar) ou mesmo
Sh’muel (Samuel).
De qualquer forma, mesmo diante de todas as teorias e
especulações sobre a autoria destes escritos, nossa opinião é de que Moshe foi
e o grande responsável pela codificação e registro da Lei, e como iniciador
religioso e primeiro legislador ele deve ser considerado o autor desta obra,
mesmo que a mudança dos tempos e condições sociais do povo israelita exigisse
algumas adaptações de sua forma original.
Corroborando com a autoria de Moshe, temos alguns relatos da
B’rit Chadashah (Chamado de Novo testamento pelos cristãos):
Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de
divórcio, e repudiá-la? Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos
corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi
assim.
(Matitiyahu/Mateus 19.7-8)
Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Yeshua
HaMashiach.
(Yochanan/João 1.17)
Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim
escreveu ele.
Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?
(Yochanan/João 5.46-47)
Porque Moisés disse aos pais: YHWH vosso Elohim levantará de entre
vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos
disser.
(Ma’assei/Atos 3.22)
Ora, Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que
fizer estas coisas viverá por elas.
(Ruhomayah/Romanos 10.5)
Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi que
trilha o grão. Porventura tem O Eterno cuidado dos bois?
(Curintayah alef/1 Coríntios 9.9)
Portanto, citando Mishlei (Provérbios) 22.28, entendemos que
devemos manter a tradição da autoria mosaica dos textos não só de D’varim, mas
de toda Torah:
“Não removas os antigos limites que teus pais fizeram”
Curiosidades do Sefer D’varim.
- É o livro com maior número de questões de relacionamento humano do que qualquer outro livro da Bíblia.
- É citado 356 vezes por escritores posteriores do Tanach e mais de 190 vezes pela Brit Chadashah.
- Foi o livro mais citado por Rabi Yeshua.
- Enfatiza o amor de YHWH por Israel 5 vezes.
- Enfatiza a necessidade de o homem amar ao Eterno 12 vezes.
Concluindo...
Este pequeno artigo buscou trazer uma base para o início dos
estudos do Sefer D’varim, como pode ser observado, não esgota todas as
discussões sobre o mesmo, apenas inicia o assunto para que de “Shabat a
Shabat”, construa-se o conhecimento necessário para prosseguirmos nossa jornada
e, se alguém quiser utilizar o nome dado pela septuaginta, Deuteronômio, que se
entenda que a repetição não é a da Lei, mas deve ser a da prática dos
mandamentos contidos neste livro.
Referências:
“A Lei de Moisés” Torá – Editora e Livraria Sêfer LTDA, 2001
“Conheça Melhor o Antigo Testamento”. Stanley A. Ellisen- Ed. Vida
“Tanach Study
Center ”. Menachem Leibtag
- http://www.tanach.org/
“Dicionário Bíblico”. John L. Mackenzie – Edições Paulinas.
1984
Shabat Shalom!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário