Por Yochanan ben Avraham
Introdução.
Neste shabat alcançamos o último capítulo do Sefer Bamidbar
(Livro de Números), é o momento de dizermos uns aos outros: “chazk chazak venit
chazek! (Força força que sejamos fotalecidos!). Ao completar mais este ciclo,
fica a certeza que a palavra de Elohim não se envelhece, por isso, ao estudá-la,
somos revigorados para continuarmos nossa jornada e ao meditar em seus princípios,
impedimos que as trevas dominem nossos pensamentos.
É cultivando os princípios da Torah em nosso coração, que ações
justas e benéficas fluirão naturalmente de cada um de nós, ações que podem
transformar o mundo trazendo luz àqueles que estão a nossa volta.
Na sedrá de hoje, comentaremos sobre a manutenção da herança
entre as tribos, situação que foi decidida após uma variante que ocorreu
durante a peregrinação, a herança das filhas de Tselofchad.
Zelando pela herança.
O perek (capítulo) trinta e seis se inicia com uma espécie
de protesto por parte dos “roshim” (cabeças/líderes) da tribo de Menashe, por
causa da diminuição de sua herança por causa dos eventuais casamentos das
filhas de Tselofchad com membros de outras tribos. Se olharmos sob uma
perspectiva materialista, poderemos encarar o episódio como uma manifestação
gananciosa e egoísta por parte destes homens. Porém, em nenhum momento do capítulo
temos a mínima impressão de que tanto O Eterno quanto Moshe e os demais roshim
das outras tribos, censurarem este “protesto”, muito pelo contrário! Vemos isto
ser encarado como uma causa justa. Sendo assim, com o respaldo deste relato da
Torah, extraímos a primeira lição para nós. Devemos zelar por aquilo que nos
foi dado.
Os líderes de Menashe evocaram em seu discurso as palavras
de Elohim:
E disseram: A meu senhor ordenou O Eterno dar a terra de herança por
sorteio, aos filhos de Israel, e meu senhor foi ordenado pelo Eterno para dar a
herança de Tselofchad, nosso irmão, às suas filhas. (Bamidbar/Números
36.2)
O posicionamento daqueles homens foi tão correto que a
partir desta situação um decreto foi baixado em Israel:
Isto é o que ordenou O Eterno acerca das filhas de Tselofchad, dizendo:
Com aquele que agradar aos seus olhos, casarão, contanto que se casem na família
da tribo de seu pai; e não passará a herança dos filhos de Israel de tribo em
tribo, pois os filhos de Israel hão de se vincular cada qual à herança da tribo
de seus pais. E toda filha que receber uma herança das tribos dos filhos de
Israel, com alguém da família da tribo de seu pai casará, a fim de que herdem
os filhos de Israel, cada um, a herança de seus pais; e não passará a herança
de uma tribo a outra tribo, pois os filhos de Israel hão de se vincular cada qual à sua herança.
(Bamidbar/Números 36.6-9)
Numa sociedade agrícola ainda em formação, esta era uma
situação crucial para o estabelecimento de uma justiça agrária que certamente
evitaria problemas sociais posteriores, mas atualmente, diante de todas as
mudanças ocorridas ao longo dos séculos e a diversidade socioeconômica hoje
vivida, talvez não fique claro aos cidadãos contemporâneos, os valores
defendidos pelos líderes de Menashe. No entanto, se “espiritualizarmos” a
situação, certamente tiramos grandes lições para o nosso viver.
A palavra utilizada no texto para descrever herança é נחלה
(nachalah), relacionado com algo que pertence a alguém em virtude de um direito
antigo. É interessante observarmos que esta palavra tem como sinônimo próximo a
palavra מורשה
(morashah), com isso em mente, vejamos o que diz D’varim/Deuteronômio
33.4:
A Torah (instrução) que nos
ordenou Moshe, Morashah (herança) é para a Kehilat (congregação) de Ya’akov.
Fazendo a conexão entre os textos mediante os termos “nachalah”
e “morashah”, e aplicando o mesmo princípio, entendemos que devemos ter cuidado
em nossas relações para não perdermos nossa maior herança. De fato, a Torah
sempre demonstrou uma atenção especial a este aspecto, o cuidado com as relações
com membros de outras culturas para não se perder a identidade:
Quando YHWH Eloheicha te houver introduzido na terra, à qual vais para
a possuir, e tiver lançado fora muitas nações de diante de ti, os heteus, e os
girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os perizeus, e os heveus, e os
jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; E YHWH
Eloheicha as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás;
não farás com elas aliança, nem terás piedade delas;
Nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos, e não
tomarás suas filhas para teus filhos; Pois fariam desviar teus filhos de mim,
para que servissem a outros deuses; e a ira de YHWH se acenderia contra vós, e
depressa vos consumiria.
(D’varim/Deuteronômio 7.1-4)
Aprendemos aqui que devemos lutar, protestar e reivindicar por
nossa herança, quando esta está sob “ameaças”. Não podemos consentir
passivamente que ela seja tirada de nós. Devemos estar atentos a nossas relações
para não permitir que sejamos influenciados a deixar a Torah, mas manter nossas
convicções através do estudo, meditação e prática de seus valores eternos.
Um brinde a diversidade.
Outra lição que aprendemos neste último capítulo pode ser
observada a partir da expressão: “a fim
de que herdem os filhos de Israel, cada um, a herança de seus pais; e não
passará a herança de uma tribo a outra tribo...”
Devemos lembrar que cada tribo tinha sua bandeira, seu símbolo
e cada tribo era representada por uma pedra preciosa no peitoral do cohen gadol
(sumo sacerdote). Tudo isso indica a singularidade de cada uma delas, esse
detalhe aponta para algo muito precioso, mas que nem sempre nos damos conta, me
refiro ao fato de sermos únicos. Cada pessoa nesse mundo nasceu com características
próprias: inteligências, habilidades, aparências e etc. que nos tornam “inéditos”!
Mas nos deixamos levar pelos estereótipos, pela uniformização imposta pela sociedade,
na verdade, nem todos estão preparados para a globalização e devido a isso, ao
discurso do capitalismo predominante, somos induzidos a um consumismo
desenfreado, onde se começa a querer o que o outro tem, ser o que o outro é,
pois se não tem e nem se é o que está estabelecido no “status quo”, o indivíduo
é, em vias de regra, discriminado.
Cada tribo tinha uma característica, Israel é um corpo cuja
cabeça é o Mashiach, quando se entende isso vemos que as diferenças existem
para trazer complemento e não conflito. No primeiro século desta era, este
conceito foi muito bem explicado:
Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.
Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso
do corpo?
E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será
por isso do corpo?
Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse
ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora O Eterno colocou os membros no corpo,
cada um deles como quis.
E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?
Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo.
E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a
cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós.
Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são
necessários;
E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos
muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.
Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas O
Eterno assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela;
Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual
cuidado uns dos outros.
De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele;
e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.
(Curintayah alef/1 Coríntios 12.14-26)
Neste texto, Sha’ul (Paulo) esta se referindo a Israel,
tratando-o de forma análoga como corpo, muito provavelmente tendo em mente o
livro de Oshea (Oseias), pois ao se referir a Israel como corpo do Mashiach, há
uma evidente conexão com o que disse o profeta:
E os filhos de Judá e os filhos de Israel juntos se congregarão, e
constituirão sobre si uma só cabeça, e subirão da terra; porque grande será o
dia de Jizreel.
(Oshea/Oséias 1.11)
Isto fica mais claro, quando ele menciona membros “menos
honrosos”, pois é desta forma que Efraim (Israel/10 tribos do norte são
chamadas em Oshea) e combinando com o que diz a segunda epístola a Timóteo, a
associação é inevitável:
Israel foi devorado;
agora está entre os gentios como um vaso em que ninguém tem prazer. (Oshea/Oséias
8.8)
Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas
também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. (2
Timóteo 2.20)
As dez tribos se misturaram com outras nações e perderam sua
herança (física e espiritual), por muitos séculos têm estado perdida, mas aos
poucos seus membros têm sido despertados e estão retornando conforme a promessa
do Eterno.
Conclusão.
Se atentarmos para o que diz o último dos “asseret ha dibrot
(dez ditos):
Não cobiçaras a casa de teu próximo; não cobiçaras a mulher de teu próximo,
seu servo, sua serva, seu boi, seu asno, e tudo que seja de teu próximo.
(Shemot/Êxodo 20.17)
Perceberemos que este mandamento se torna muito difícil de
observar se considerarmos a perspectiva apresentada, mas se passarmos a ser
mais gratos pelo que temos e somos, entendendo que cada um tem seu valor e sua
porção nesta vida, certamente viveremos melhor, livres da opressão e stress
impostos pelo ritmo da “vida” contemporânea.
Shabat Shalom!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário