Por
Yochanan ben Avraham
Introdução.
Recentemente, ouvi um rapaz tentando justificar a abolição
do Shabat como dia sagrado citando o livro do profeta Oséias, especificamente o
versículo 11 do capítulo 2. Ouvindo sua argumentação, lembrei-me de outra
pessoa que, na já distante década de 90, objetivando a mesma coisa (abolição da
observância do Shabat), escreveu uma pretensa apostila “provando” a
substituição do Shabat pelo domingo. Conheci muito aquela pessoa, já que se
tratava de mim mesmo... Exatamente! Eu tentei naquela época “exorcizar” a
insistente proposta de se observar o Shabat ao invés do domingo. Devo dizer
que, depois de pronta a tal apostila, verifiquei algo decepcionante: “Não havia
nem meio versículo que sustentasse minha tese”, apenas citações de “pais” da
igreja, obviamente o resultado não poderia ser outro senão uma sensação de
frustração e incapacidade que me acompanhou durante muito tempo até que,
finalmente, eu me rendesse às escrituras. Voltando ao presente, e com o
objetivo de explicar o texto citado (Oséias 2.11) para demonstrar os equívocos
da argumentação, decidimos escrever este pequeno artigo.
O
que diz Oshea (Oséias) 2.11?
Primeiramente é importante dizer que o referido texto se
encontra na bíblia hebraica no versículo treze e não no onze como diz o
enunciado, vamos à leitura:
Original:
והשבתי
כל משושה חגה חדשה ושבתה--וכל מועדה
Transliteração:
Vehishbati kol mesosah chagah chodshah ve
Shabatah v’khol Moadah
Tradução:
Acabarei com a sua alegria, com as suas
festas, as suas luas novas, e os seus sábados e com todas as suas assembléias solenes.
Para entendermos as palavras
acima, devemos considerar o contexto vivido pelo povo, só assim poderemos
perceber os motivos para que palavras tão duras fossem anunciadas.
O profeta Oshea foi contemporâneo
de Amós e profetizou em meados do Sec. VIII a.C., Portanto, um dos primeiros
profetas daqueles que são denominados “canônicos”, ou seja, aqueles que têm na
Bíblia livros atribuídos a suas autorias. Oshea foi o primeiro profeta a
exprimir a relação entre o Eterno e seu povo, Israel, nos termos de um matrimônio
e logo no primeiro capítulo é relatado o casamento deste profeta e todo o seu
valor simbólico para a compreensão da situação espiritual de Israel perante seu
Senhor. A partir deste simbolismo, a mensagem de Oshea se desenvolve da
seguinte forma: Gomer, uma mulher de prostituições representaria a terra de Israel.
Os filhos por ela gerados teriam seus nomes associados ao destino da casa de
Israel, mais especificamente o Reino do Norte também chamado ao longo do livro de
Oshea, de Efraim, que por causa do abandono à Torah do Eterno e se misturar com
outros povos, sofreria as conseqüências de seu pecado por muitos anos, mas que
no final dos dias, teria seus descendentes resgatados e novamente seria reunido
ao reino de Yehudah (Judá) na tão aguardada restauração do Tabernáculo de
David. *
*(Sobre este assunto, eventualmente é
realizado um seminário de três dias em nossa kehilah/Congregação, abordando
o tema (As Duas Casas de Israel) e seus desdobramentos).
Portanto, quando O Eterno diz
que acabaria com as celebrações de Rosh Chodesh (início de mês na Lua Nova),
Shabat e Moadah (assembléias solenes: Pessach/Páscoa; Shavuot/Pentecostes, Yom
Teruá/ Dia do Brado (Trombetas), Yom HaKipurim/ Dia das expiações e Sukot/Tabernáculos)
Ele estava dizendo que privaria Israel (Reino do Norte composto por dez tribos)
destas celebrações, pois como em outro lugar Ele, (O Sagrado, Bendito Seja),
disse:
Basta de trazer-me oferendas
vãs: elas são para mim um incenso abominável. Lua Nova, Shabat e assembléia, não
posso suportar iniqüidade (transgressão a Torah) e solenidade!
(Yeshayahu/Isaias
1.13)
Como podemos verificar, não era
a abolição do Shabat e das demais celebrações que estava sendo decretada, mas
um impedimento de desfrutá-las por causa dos pecados de Israel (Efraim)! Isso ficará
mais claro adiante.
Primeiros
equívocos do argumento contrário a observância do Shabat.
Como dissemos anteriormente,
Oshea profetizou por volta do Séc. VIII. Se sua mensagem é um anuncio do fim da
observância do Shabat e demais solenidades, o que devemos pensar de Yechezkel
(Ezequiel) 22.1-8? Pois tais palavras foram anunciadas por volta do Séc. VI a.C.,
ou seja, cerca de duzentos anos DEPOIS de Oshea! Como então o Shabat foi
abolido no Séc. VIII se sua profanação foi denunciada como crime no Sec. VI
d.C.?
Outro equívoco grave é
constatado quando, ao declarar a abolição do Shabat e demais solenidades, os
que assim procedem, indiretamente põe em dúvida as palavras e, consequentemente,
o caráter do Criador, pois acerca do shabat e demais solenidades sua palavra
diz:
Sobre o Shabat:
Guardarão, pois, o sábado os
filhos de Israel, celebrando-o nas suas gerações por aliança perpétua. Entre
mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre; porque em seis dias
fez o Senhor os céus e a terra, e ao sétimo dia descansou, e restaurou-se.
(Shemot/Êxodo 31.16-17)
Porque assim diz o Senhor a
respeito dos eunucos, que guardam os meus sábados, e escolhem aquilo em
que eu me agrado, e abraçam a minha aliança: Também lhes darei na minha casa e
dentro dos meus muros um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas;
um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará. E aos filhos dos
estrangeiros, que se unirem ao Senhor, para o servirem, e para amarem o nome do
Senhor, e para serem seus servos, todos os que guardarem o sábado, não o
profanando, e os que abraçarem a minha aliança. Também os levarei ao meu santo
monte, e os alegrarei na minha casa de oração; os seus holocaustos e os seus
sacrifícios serão aceitos no meu altar; porque a minha casa será chamada casa
de oração para todos os povos.
(Yeshayahu/Isaías 56.4-7)
Sobre o Pessach/ Chag HaMatsot:
E este dia vos será por
memória, e celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; nas vossas gerações o celebrareis
por estatuto perpétuo. Sete dias comereis pães ázimos; ao primeiro dia
tirareis o fermento das vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado,
desde o primeiro até ao sétimo dia, aquela alma será cortada de Israel. E ao
primeiro dia haverá santa convocação; também ao sétimo dia tereis santa
convocação; nenhuma obra se fará neles, senão o que cada alma houver de comer;
isso somente aprontareis para vós. Guardai, pois a festa dos pães ázimos,
porque naquele mesmo dia tirei vossos exércitos da terra do Egito; pelo que guardareis
a este dia nas vossas gerações por estatuto perpétuo.
(Shemot/Êxodo 12.14-17)
Sobre Shavuot:
Depois para vós contareis desde
o dia seguinte ao sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta
movida; sete semanas inteiras serão... E naquele mesmo dia apregoareis
que tereis santa convocação; nenhum trabalho servil fareis; estatuto
perpétuo é em todas as vossas habitações pelas vossas gerações.
(Vayikrá/Levítico 23.15 e 21)
Sobre Yom Teruá:
Embora não haja em Vayikrá 23, a descrição de que esta
celebração seja um estatuto perpétuo, podemos inferir que ela também é, pois
todas as celebrações ali descritas têm este caráter.
Sobre Yom HaKipurim:
Mas aos dez dias desse sétimo
mês será o dia da expiação; tereis santa convocação, e afligireis as vossas
almas; e oferecereis oferta queimada ao Senhor. E naquele mesmo dia nenhum
trabalho fareis, porque é o dia da expiação, para fazer expiação por vós
perante o Senhor vosso Elohim... Nenhum trabalho fareis; estatuto
perpétuo é pelas vossas gerações em todas as vossas habitações.
(Vayikrá/Levítico 23.27,28 e 31)
Sobre Sukot:
Fala aos filhos de Israel,
dizendo: Aos quinze dias deste mês sétimo será a festa dos tabernáculos ao
Senhor por sete dias. Ao primeiro dia haverá santa convocação; nenhum trabalho
servil fareis. Sete dias oferecereis ofertas queimadas ao Senhor; ao oitavo dia
tereis santa convocação, e oferecereis ofertas queimadas ao Senhor; dia de
proibição é, nenhum trabalho servil fareis... E
celebrareis esta festa ao Senhor por sete dias cada ano; estatuto perpétuo é
pelas vossas gerações; no mês sétimo a celebrareis.
(Vayikrá/Levítico 23.34-36 e 41)
Como podemos ver, estas
celebrações são declaradas pelo Eterno como estatutos perpétuos e conforme
é dito pelo profeta Malachi (Malaquias):
Porque eu, o Senhor, não mudo;
por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos.
(Malachi/Malaquias 3.6)
Como poderíamos supor então que
Ele teria mudado estes decretos? Em outro documento, já no primeiro Século
d.C., temos a seguinte afirmação:
Porque os dons e a vocação de
Elohim são irretratáveis.
(Ruhomaya/Romanos 11.29)
Se O Eterno vocacionou seu povo,
a observar o Shabat e as demais celebrações perpetuamente, dizer que Ele mudou
isso é dizer que Ele mentiu... Como isso não é possível, mentirosos são aqueles
que declaram o Fim das Festas do Senhor.
“Jesus
cancelou o Shabat, tornando-se ele mesmo o verdadeiro shabat para seus
discípulos”.
Nada mais falacioso do que a
afirmação acima... Primeiramente devemos fazer uma distinção: Jesus é uma versão
ocidental, decorada por diversas mitologias greco-romanas, ou seja, modificaram
o Judeu que cumpria e ensinava a Torah, cujas palavras afirmavam a eternidade
da Lei do Eterno em alguém que criou uma nova religião e uma nova ordem. Porém,
quando recorremos aos seus ensinos temos a seguinte sentença:
Não penseis que vim destruir a
lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo
que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i
ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um
destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será
chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será
chamado grande no reino dos céus.
(Matityahu/Mateus 5.17-19)
Como podemos constatar Yeshua
(não o Jesus criado pelos concílios romanos), ratificou a Lei e advertiu
aqueles que não a cumprem e ainda ensinam a não cumprir! De onde então vem a idéia
de que ele “cancelou” o Shabat? Este pensamento vem de outro texto do chamado
Novo Testamento:
Naquele tempo passou Jesus
(Yeshua) pelas searas num dia de sábado; e os seus discípulos, sentindo fome,
começaram a colher espigas, e a comer. Os fariseus, vendo isso, disseram-lhe:
Eis que os teus discípulos estão fazendo o que não é lícito fazer no sábado.
(Matitiyahu/Mateus 12.1-2)
A questão é mais simples do que
aparenta, O Shabat é um dia que, segundo Yeshayahu (Isaías) 58.13 e 14, devemos
nos abster do trabalho, de cuidar de nossas empresas, de palavras vãs e viagens.
NÃO É PROIBIDO COMER NO SHABAT! Os discípulos não estavam trabalhando no
sentido do que se faz regularmente na rotina de um agricultor, seria como,
guardada às devidas proporções, irmos até a cozinha abrir o armário e pegar um
alimento pronto e... Comer... Simples assim. Se ele ensinou que a Lei deve ser
cumprida e ensinada enquanto houver céu e terra, obviamente ele não estaria
contrariando este princípio, como de fato não contrariou no caso em questão.
Um grande problema para a
compreensão da Torah é a confusão que os menos informados fazem entre Lei e
Tradição Rabínica, se esta diferença não estiver clara na mente das pessoas, as
doutrinas mais absurdas proliferarão ganhando muitos adeptos.
Alguém pode objetar ainda: “Mas
Hebreus quatro diz que se temos Fé em Cristo nos entramos no descanso e por
isso não precisamos observar o sábado”. Por incrível que pareça, tal afirmação
já foi ouvida por este autor, o que é realmente preocupante, pois quando lemos
o texto completo, tal pensamento não passa nem perto, do que o texto diz vejamos
por que: considerando que o capítulo inicia-se com um “portanto”, devemos
lembrar que se trata de uma conjunção, palavra que é utilizada para iniciar uma
oração que inclui uma conclusão de uma idéia ou raciocínio explicitado na
oração anterior. E a oração anterior (capítulo Três) nos fala daqueles que não
foram fieis ao Eterno e pereceram no deserto por causa do pecado (que nada mais
é do que transgressão a Lei, Lei esta que diz que devemos guardar o Shabat e as
demais celebrações do Eterno!) e que por causa disso não entraram na promessa.
O capitulo quatro então nos adverte a não cometermos os mesmos erros já que
abraçamos a “Fé”, que na verdade deveria ser traduzida como “Fidelidade”, pois
a palavra “emunah” é mais bem definida como tal, mas devido a influencia da
septuaginta, tradução para o grego do Tanach (conhecido como Velho Testamento),
ganhou um aspecto mais abstrato distanciando do real sentido da expressão que é
a obediência (fidelidade) aos mandamentos do Eterno. Logo, somos incentivados a
sermos fieis para alcançarmos a promessa, o descanso, o que muitos definem como
o “Milênio” e outros como o “Reino do Mashiach ben David”. É evidente que o texto de Ivrim (Hebreus)
quatro é escatológico, não sendo uma anulação do Shabat como dia do Senhor,
muito pelo contrário, ele reafirma, pois nos incentiva a sermos fiéis ao Elohim
Criador dos Céus e da Terra.
Não
sabemos se o Sábado de hoje está correto, por isso não temos como observá-lo
A afirmação acima é outra
tentativa de se justificar a não observância do shabat. Contudo, ela é refutada
com simples declarações científicas sobre este suposto “problema”. Na
tentativa de encontrar razões para observância do Domingo, algumas pessoas
olham para a troca dos calendários. Desde que isto aconteceu no mundo inglês em
1752 e outros ocorridos em 1582, por exemplo, eles argumentam que não se pode
saber qual é o dia sétimo. Será? O sétimo dia no calendário é o mesmo ciclo do
sétimo dia do calendário ortodoxo judeu. O ciclo tem sido usado por mais de
5700 anos. Por exemplo, o ano 1990 é 5750 no calendário judeu. Hoje, para se
ter uma idéia, o Sábado está no mesmo ciclo que foi usado quando Yeshua viveu
na terra. O Sábado sempre caiu no sétimo dia da semana do nosso calendário. Corroborando
com isso, temos o que W. J. Eckert do Observatório Naval, diretor do Nautical
Almanac. Disse: "A troca do calendário Juliano para o Gregoriano, não
afetou o ciclo semanal. Este ciclo não tem sido alterado pelos registros
conhecidos".
Conclusão:
Muito ainda poderia ser dito
aqui sobre este assunto, mas optamos em trazer apenas este pequeno resumo, que
buscou responder apenas as questões levantadas por alguém que, tentava defender
aquilo que aprendeu desde a mais tenra idade, mas que, infelizmente carecia de
conhecimento de diversos aspectos da história, não apenas da de Israel (Sua
escolha, queda e restauração), mas também de sua própria religião, sua própria “Fé”.
Shavua Tov!!!
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