quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Paulo ou Marcião? Identificando o apóstata.

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Todas as pessoas que foram despertadas para um retorno às veredas antigas que, diga-se de passagem, nada mais é do que a observância da Torah com o entendimento de que ela é O Caminho para a vida, sofreram (e ainda sofrem) “ataques” de pessoas, (muitas vezes bem próximas), por causa de suas convicções e “novas” práticas adotadas. Ofensas do tipo: “Isto é um retrocesso!”; “Assim você cai da graça!” Ou ainda, “Isso é loucura!” Foram e ainda são comuns na vida daqueles que partiram em busca de um “modus vivendis” mais próximo daquilo que se entende como bíblico.
Em vias de regra, os acusadores são em sua grande maioria, adeptos do cristianismo, seja este católico romano ou católico reformado (protestantes/evangélicos) e baseiam suas acusações nos ensinamentos de Paulo (cujo nome verdadeiro é Sha’ul), pois segundo eles, Paulo ensina por meio de suas epístolas que a graça substituiu a Lei e que agora devemos pautar nossas vidas no “Novo Testamento”, pois este substitui o “Velho Testamento”, a própria designação destas obras como “Novo” e “Velho” exprimem bem o objetivo desta proposta doutrinária.
A pergunta que fazemos é: Teria Paulo (Sha’ul) ensinado isto? Se você é um estudante tanto do “Velho” quanto do “Novo” Testamento, certamente já ouviu algo do tipo: “Sha’ul (Paulo) era contrário a Lei/Torah.” “Sha’ul (Paulo) é o fundador do cristianismo”
Mas será que estas afirmações são verdadeiras? Bem... Pode ser que sim, pode ser que não, depende do objetivo de quem argumenta, pois muitos séculos se passaram desde que esse controverso judeu do primeiro século deixou esta vida e muito já foi dito e escrito sobre ele, de modo que a verdade pode estar misturada demais com as lendas a seu respeito para se saber algo com clareza e chegarmos a uma conclusão. Contudo, podemos ter uma noção de seu pensamento e verificar se ele realmente pregou contra a Torah.

Quem Foi Paulo (Sha’ul)?

Existe uma grande diversidade de opiniões sobre ele, uns o consideram anátema, outros, pelo contrário, o tem como um emissário do Reino dos Céus. Por isso, considerando os interesses e as conveniências sempre presentes, tentaremos de forma imparcial, apresentar alguns dados históricos que podem nos ajudar a entendermos um pouco mais sobre Paulo (Sha’ul) e seu legado doutrinário. Obviamente este artigo não tem a pretensão de ser uma biografia, mas se propõe a convidar aos interessados a uma análise e possível revisão em suas opiniões, caso estas já estejam formadas e estabelecidas em suas mentes.
Nosso ponto de partida para conhecer o pensamento de Paulo (Sha’ul) é o Novo Testamento, pois independente do que pensam as pessoas, tal obra é um documento importante que, mesmo sofrendo muitas inserções que corromperam bastante seu conteúdo, não deixa de nos dar boas informações sobre a forma de como diversos grupos judaicos observavam a Torah.
Com isso em mente, vamos deixar que o próprio Paulo (Sha’ul) se apresente:

Eu (Paulo/Sha’ul):
Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo (Mashiach/Messias). (Filipenses 3.4-7)

Quanto a mim (Paulo/Sha’ul), sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, e nesta cidade criado aos pés de Gamaliel, instruído conforme a verdade da lei de nossos pais, zelador de Elohim, como todos vós hoje sois. E persegui este caminho até a morte, prendendo, e pondo em prisões, tanto homens como mulheres, como também o sumo sacerdote me é testemunha, e todo o conselho dos anciãos. E, recebendo destes cartas para os irmãos, fui a Damasco, para trazer maniatados para Jerusalém aqueles que ali estivessem, a fim de que fossem castigados. Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? (Atos 22.3-7)

Mas confesso-te isto que, conforme aquele caminho que chamam seita, assim sirvo ao Elohim de nossos pais, crendo tudo quanto está escrito na lei e nos profetas. Tendo esperança em Elohim, como estes mesmos também esperam, de que há de haver ressurreição de mortos, assim dos justos como dos injustos. (Atos 24.14-15)

Segundo as descrições acima, podemos resumir a identidade de Paulo (Sha’ul) da seguinte forma: Ele era um judeu descendente do Reino do Sul, mais especificamente da tribo de Biniamim (Benjamim), e falando em termos quantitativos, pertencente ao maior grupo judaico da época os “p’rushim” (Fariseus), termo que significa separados; afastados, interpretado como "aqueles que se separaram" do resto da população comum para se consagrar ao estudo da Torah e das suas tradições.  Este grupo tinha duas facções principais que são conhecidas historicamente como Beit Hillel, cuja interpretação da Torah enfatizava o ‘espírito da Torah’ e Beit Shamai, que por sua vez, enfatizava a ‘letra da torah’. Percebe-se, que Paulo gozava de certo status dentro do grupo, pois tinha autoridade delegada para prender aqueles que eram considerados pelos “p’rusim” (fariseus) como “minim” (hereges), heresia esta que consistia em reconhecer o Rabi Yeshua Ha Netsari (o Nazareno) como o Mashiach (Messias). Depois de algum tempo, após uma experiência pessoal na estrada de Damasco, se tornou adepto do mesmo seguimento a que perseguia, e conforme sua confissão posterior continuava CRENDO EM TUDO QUE ESTAVA NA TORAH E NOS PROFETAS, isso demonstra que os primeiros seguidores de Rabi Yeshua, eram praticantes da Lei (Torah) como afirmou Epifânio, (um judeu helenizado que viveu no Século III e se converteu ao cristianismo):

“Mas estes sectários… não se chamavam de cristãos – mas de ‘Nazarenos’… contudo, são simplesmente judeus completos. Eles não só usam o Novo Testamento como também o Antigo Testamento, como o fazem os judeus… Eles não possuem diferentes idéias, mas confessam tudo exatamente como a Torá descreve e na forma judaica – exceto, porém, por sua crença no Messias. Pois eles reconhecem tanto a ressurreição dos mortos quanto a criação divina de todas as coisas, e declaram que Elohim é Um, e que o Seu Filho é Yeshua o Messias. Eles são bem treinados no hebraico. Pois dentre eles a Torá inteira, os Nevi’im (Profetas) e… os Ketuvim (Escritos)… são lidos em hebraico, como certamente o são entre os judeus. Eles são diferentes dos judeus, e diferentes dos cristãos, apenas no seguinte: Eles discordam dos judeus porque chegaram à fé no Messias; mas como eles ainda estão na Torá... Eles não estão de acordo com os cristãos… eles não são nada mais do que judeus… Eles possuem as Boas Novas de acordo com Matitiyahu (Mateus) completamente em hebraico. Pois, está claro que eles ainda preservam-nas no alfabeto hebraico, tal qual foram escritas originalmente.” (Epifânio: Panarion 29)

Embora Paulo (Sha’ul) tenha “virado a casaca”, deixando de ser “P’rushim” (Fariseu) para se tornar um Netzarim (Nazareno) ele continuou zeloso da Lei (Torah), pois ambos os seguimentos criam na Torah como palavra do Senhor, contudo, tinham interpretações diferentes. Mais adiante falaremos um pouco destas diferenças.

O que os outros diziam de Paulo (Sha’ul)?

Se buscarmos ao longo do “Novo” testamento, tudo o que se dizia de Paulo (Sha’ul), certamente não terminaríamos este artigo tão cedo, por isso vamos ser pontuais, citando apenas algumas daquelas que são relativas à sua postura em relação a Torah. Primeiramente vejamos o que a segunda epístola de Pedro (Kefah) registrou:

E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; Falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição. (Kefah beit/(2 Pedro)3.15-16)

Neste pequeno texto, e feita uma advertência para que os fieis se apoiassem no fato de que a Salvação vem da longanimidade do Eterno, assim como dizia o irmão Paulo. Aqui está a chave para se compreender toda a complexidade das epístolas paulinas em relação a Lei (Torah), pois ele simplesmente ensinava que a nossa redenção não vinha pelos méritos pessoais por cumprirmos a Lei, mas pela graça, pela bondade e misericórdia do Eterno. Conforme ele explicitou aos efésios:

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Elohim. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados no Mashiach Yeshua para as boas obras, as quais O Eterno preparou para que andássemos nelas. (Efessayah/Efésios 2.8-10)


Em síntese Paulo (Sha’ul) disse: Não somos salvos POR cumprirmos a Torah. Somos salvos PARA cumprirmos a Torah, pois a obediência aos mandamentos do Eterno é o estilo de vida de um salvo.
Outro detalhe que Pedro (Kefah) aborda, se refere as distorções feitas às palavras de Paulo (Sha’ul), pessoas que não entendiam seus ensinamentos e presumiam algo que ele não disse e espalhavam pela comunidade judaica, criando uma imagem negativa e apóstata do sh’liach (emissário) como podemos constatar no livro dos Atos:

E no dia seguinte, Paulo entrou conosco em casa de Tiago, e todos os anciãos vieram ali. E, havendo-os saudado, contou-lhes por miúdo o que por seu ministério O Eterno fizera entre os gentios. E, ouvindo-o eles, glorificaram ao Senhor, e disseram-lhe: Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus há que crêem, e todos são zeladores da lei. E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei. (Ma’assei/Atos 21.18-21)

Como lemos, nota-se que os boatos se espalharam rápido demais e chegou até Yerushalayim (Jerusalém), mas vejamos em outras passagens o que Paulo realmente disse:

Sobre Moisés (Lei):

Pois bem podes saber que não há mais de doze dias que subi a Jerusalém a adorar; E não me acharam no templo falando com alguém, nem amotinando o povo nas sinagogas, nem na cidade. Nem tampouco podem provar as coisas de que agora me acusam. Mas confesso-te isto que, conforme aquele caminho que chamam seita, assim sirvo ao Elohim de nossos pais, crendo tudo quanto está escrito na lei e nos profetas. (Ma’assei/Atos 24.11-14)

Mas, alcançando socorro do Eterno, ainda até ao dia de hoje permaneço dando testemunho tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer... (Ma’assei/Atos 26.22)

E aconteceu que, três dias depois, Paulo convocou os principais dos judeus, e, juntos eles, lhes disse: Homens irmãos, não havendo eu feito nada contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim, contudo preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos... (Ma’assei/Atos 28.17)

E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. (Ruhomayah/Romanos 7.12)

Sobre a circuncisão:

Estai, pois, firmes na liberdade com que Mashiach nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Mashiach de nada vos aproveitará. E de novo protesto a todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei. Separados estais de Mashiach, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. Porque nós pelo Espírito da fé aguardamos a esperança da justiça. Porque em Yeshua Ha Mashiach nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor. Corríeis bem; quem vos impediu, para que não obedeçais à verdade?Esta persuasão não vem daquele que vos chamou. (Galutyah/Gálatas 5.1-8)

A primeira vista, temos a impressão de que Paulo está falando contra a circuncisão, porém, o que ele está dizendo é que ninguém será “salvo” só porque está circuncidado, pois de nada vale circuncidar o prepúcio do seu órgão reprodutor se o coração não estiver circuncidado! Exatamente o que diz a Torah e os profetas:

Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. (D’varim/Deuteronômio 10.16)

Circuncidai-vos ao Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração, ó homens de Judá e habitantes de Jerusalém, para que o meu furor não venha a sair como fogo, e arda de modo que não haja quem o apague, por causa da malícia das vossas obras. (Yermiyahu/Jeremias 4.4)

O discurso de Paulo dava ênfase a interiorização da Torah, o que pode ser comparado ao conceito chamado “kavanah” que nos dá a idéia de “real intenção do coração”. Ele combatia a religião da aparência, do ritualismo vão, e isso ia de encontro a realidade de muitos grupos de então, que mantinham uma aparência externa de fé (fidelidade), mas totalmente desprovida de conteúdo. Tanto é assim que no mesmo capítulo ele afirma:

Confio de vós, no Senhor, que nenhuma outra coisa sentireis; mas aquele que vos inquieta, seja ele quem for, sofrerá a condenação. Eu, porém, irmãos, se prego ainda a circuncisão, por que sou, pois, perseguido? (Galutiyah/Gálatas 5.10-11)

Ele entendia que a Lei (Torah) era algo espiritual:

Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado (Ruhomayah/Romanos 7.14)

Agora pense um pouco: Se Paulo disse que não havia feito nada contra os ritos paternos (At. 28.17) e nos ritos paternos esta incluída a Brit Milá (circuncisão) como um estatuto perpétuo (Ver Bereshit/Genesis 17.10-14), se ele pregou contra a circuncisão, ele foi um grande mentiroso. Mas como Pedro advertiu, apenas os indoutos e inconstantes presumiam tamanha incoerência. Para entender esta questão, considere a seguinte fórmula:
“Todo aquele que têm o coração circuncidado, circunda o prepúcio; mas nem todo que circunda o prepúcio tem o coração circuncidado.” Era isso que ele estava tentando dizer!

* (Sugerimos a leitura de outro artigo nosso no link abaixo)

Entretanto, aqueles que conheciam a Paulo, lhe defendiam:

Que faremos, pois? Em todo o caso é necessário que a multidão se ajunte; porque terão ouvido que já és vindo. Faze, pois, isto que te dizemos: Temos quatro homens que fizeram voto. Toma estes contigo, e santifica-te com eles, e faze por eles os gastos para que rapem a cabeça, e todos ficarão sabendo que nada há daquilo de que foram informados acerca de ti, mas que também tu mesmo andas guardando a lei. (Ma’assei/Atos 21.22-24)

Marcião e seus modernos seguidores.

Mesmo após muitos séculos depois da morte de Paulo (Sha’ul) e também de seus acusadores, o pensamento de que a Torah foi abolida segundo os seus ensinos continua apesar destas alegações não poderem ser provadas, já que as respostas de Paulo contra estas denuncias estão registradas no Novo Testamento.
Como então esta idéia falaciosa continuou até os dias de hoje, levando milhares de pessoas ao entendimento equivocado das “epístolas paulinas” e das que lhe foram atribuídas? A manutenção deste pensamento e de todas as vertentes nele fundamentado se deve a um homem... Marcion (ou Marcião).
Marcião, natural de Sinope, província romana do Ponto (na atual Turquia), que segundo o escritor judeu Filo tinha muitos judeus habitando por todas as partes desta província, o que de fato percebe-se, pois no livro de Atos dos Apóstolos 2.9 diz que na celebração de Shavuot (Pentecostes) que é uma das três festas de peregrinação, haviam homens vindos desta região.
Segundo Hipólito (Séc. III), Marcião era filho de um bispo daquela cidade (Sinope). Tertuliano (Séc. II e III) o descreve como proprietário de barcos, realmente a região do Ponto era um centro produtor de madeiras para embarcações. Epifânio (Séc. IV) afirmou em sua obra (Panarion), que no início Marcião era um asceta, mas que ao seduzir uma virgem foi excomungado por seu pai e obrigado a deixar sua cidade natal, outros já afirmam que tal acusação não passa de uma “fofoca maliciosa”. Recentemente, Bart D. Ehrman sugeriu que esta “sedução de uma virgem” seja uma metáfora para a corrupção que Marcião causou nos ensinos de comunidade primitiva. Mas o que ele, Marcião, ensinou afinal? Abaixo, segue uma breve relação dos principais pontos da doutrina marcionita:

  • O “Deus” do Tanach (chamado de Velho Testamento) não seria o mesmo da Brit Chadashah (Chamado de Novo Testamento).
  • O Tanach deveria ser lido/entendido de modo absolutamente literal.
  • O Tanach era uma ordem abolida e obsoleta.
  • Ele se opunha a tudo que fosse originário do judaísmo.
  • Criou um verdadeiro repúdio ao judaísmo.
  • O cristianismo seria uma nova revelação e não teria nenhuma ligação com o judaísmo, pelo contrário o cristianismo surgiu para substituir o judísmo.
  • Cristo era o salvador enviado pelo Pai.
  • Paulo era o seu principal (e até mesmo único) apóstolo.
  • Criou os termos Velho Testamento  Novo Testamento.
  • Afirmava, contudo, que o Novo Testamento estava cheio de elementos judaizantes por isso desenvolveu o primeiro ‘canon’ que se tem conhecimento, composto de duas partes: 1ª “O Evangelho” (partes do evangelho de Lucas); 2ª 10 cartas do “Apostolo” (Paulo).
  • Dizia ter obrigação de enviar aos crentes gentios um relato completo do curso dos acontecimentos com o objetivo de evitar que estes ficassem cativos das fábulas judaicas e assim, por causa do engano, se afastarem da verdade.
Desde sua ida para Roma entre os anos 142-143 d.C., Marcião desenvolveu sua teologia e atraiu grande número de seguidores. Seu movimento rivalizou-se com o cristianismo crescendo paralelamente com ele, obrigando o mesmo a se organizar melhor e definir a base de suas crenças para poder dar uma resposta plausível aos cristãos que estavam expostos às doutrinas marcionitas. Desta forma, por ironia do destino, a idéia marcionita de se criar um ‘canon’ (régua de medida), foi adotada pelos cristãos.
É interessante pensar no que Paulo (Sha’ul) diria a Marcião, se eles se encontrassem. Marcião, que dizia ser Paulo o verdadeiro apóstolo e ser divulgador de seus escritos, certamente receberia um grande “puxão de orelhas” de seu “mestre”, pois contra o repúdio aos judeus e questionamentos a primazia judaica, reavivado pela doutrina marcionita, Paulo já havia escrito:

Qual é logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras do Eterno lhe foram confiadas. Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade do Eterno? (Ruhomayah/Romanos 3.1-3)

E se alguns dos ramos foram quebrados, e tu, sendo zambujeiro, foste enxertado em lugar deles, e feito participante da raiz e da seiva da oliveira, Não te glories contra os ramos; e, se contra eles te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti.
Dirás, pois: Os ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado. Está bem; pela sua incredulidade foram quebrados, e tu estás em pé pela fé. Então não te ensoberbeças, mas teme. Porque, se O eterno não poupou os ramos naturais, teme que não te poupe a ti também. Considera, pois, a bondade e a severidade de Elohim: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado. E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é O Eterno para os tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais serão enxertados na sua própria oliveira! (Ruhomayah/Romanos 11.17-24)

A História revela que muitos ensinos similares ao de Marcião, se levantaram ao longo dos séculos, entre os bogomilos da Bulgária no século X e entre os cátaros do Languedoque, no sul da França, no século XIII, são exemplos de que “foram-se os dedos (Marcião), mas ficaram os anéis (sua doutrina)”... Atualmente, no que diz respeito a validade da Torah, poderíamos citar diversas denominações cristãs que mantêm o pensamento marcionita.

Conclusão.

Infelizmente, a maioria esmagadora daqueles que afirmam que a Torah foi abolida e que Paulo (Sha’ul) ensinou sobre isso, desconhecem a história da “Fé” que professam. Por esta razão, são capazes apenas de reproduzirem discursos. Ou seja, repetem aquilo que ouvem há muito tempo sem nunca terem pesquisado as origens ou sequer se interessam pelas fontes ou raízes desta “Fé”. Na verdade, o que se vê hoje é o que se denomina “psitacismo” ou “efeito papagaio”, não é fruto de conhecimento construído, mas mera adoção de uma ideologia (pensamento pronto) que, como vimos existe há quase dois milênios.
Por causa da tendência exposta acima, a grande maioria, tanto de cristãos quanto de judeus, estão reverberando a doutrina de Marcião e impedindo que muitos percebam na prática que:

A lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro, e ilumina os olhos. O temor do Senhor é limpo, e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros e justos juntamente.
(Tehilim/Salmos 19.7-9)

Fontes:
Enciclopédia Histórico-teológica da Igreja cristã Vol. II (Walter A. Elwell)
História Social do Protocristianismo. (Ekkehard W. Stegemann, Wolfgang Stegemann)
The Spreading Flame. (F. F. Bruce)
wikipedia.org



Shalom U’Brachot!!! (Paz e Bênçãos!!!)

3 comentários:

  1. Perfeito! É preciso derrubar este muro que nos separa, todavia, segundo Shaul nos adverte em Rom. cap.13

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  2. Em tempo, retificando, é o capítulo 13 de I Coríntios.

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