Por Yochanan ben Avraham
Introdução.
O estudo da Sedrá deste Shabat aborda alguns dos direitos e
deveres dos kohanim e levi’im (sacerdotes e levitas). Aparentemente, pouco
teria a nos acrescentar, tendo em vista que nem todos são levitas... quanto
mais sacerdotes! Sem contar que a grande maioria de nós encontra-se na galut. Fora
ainda, a ausência do Beit HaMikdash (Templo). Contudo, muito temos a aprender
nas linhas que se seguem, afinal, a Torah do Eterno, é uma instrução para a
vida toda.
A responsabilidade que precede a honra.
Ao longo do texto, vemos o privilégio que Aharon e seus
filhos (e por extensão os levitas), teriam ao servir no santuário, o sacerdócio
foi uma dádiva do Eterno; um presente, pois é exatamente o que a palavra
utilizada no passuk (versículo) sete, מתנה
(matanah), significa. Isso demonstra o quanto o amor e a misericórdia do Eterno
estão acima dos parâmetros humanos. Os levitas que poderiam ficar com sua
reputação comprometida por causa de Korach e os duzentos e cinqüenta
insurgentes dos capítulos anteriores, estavam sendo ratificados perante todo
“Am Israel” (Povo de Israel), O Eterno é Justo Juiz e não lançou sobre os
demais levitas, a culpa do pecado de Korach, e algum levita estivesse receoso
disso, certamente após estas palavras expressaram algo como:
Misericordioso e piedoso é o SENHOR; longânimo e grande em benignidade.
Não reprovará perpetuamente, nem para sempre reterá a sua ira.
Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos recompensou segundo
as nossas iniqüidades.
Pois assim como o céu está elevado acima da terra, assim é grande a sua
misericórdia para com os que o temem.
Assim como está longe o oriente do ocidente, assim afasta de nós as
nossas transgressões.
Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se
compadece daqueles que o temem.
(Tehilim/Salmos 103.8-13)
Contudo, no início deste perek (capítulo), O Eterno
apresenta a Aharon o peso de sua responsabilidade, fica claro que tanto Aharon
quanto seus filhos, seriam responsabilizados pelas faltas cometidas contra o santuário.
Aharon, seus filhos e os levitas não poderiam ser omissos! De fato, como diz as
palavras de YHWH por intermédio de Malachi:
Então sabereis que eu vos enviei este mandamento, para que a minha
aliança fosse com Levi, diz o SENHOR dos Exércitos.
Minha aliança com ele foi de vida e de paz, e eu lhas dei para que
temesse; então temeu-me, e assombrou-se por causa do meu nome.
A lei da verdade esteve na sua boca, e a iniqüidade não se achou nos
seus lábios; andou comigo em paz e em retidão, e da iniqüidade converteu a
muitos.
Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua
boca devem os homens buscar a lei porque ele é o mensageiro do SENHOR dos
Exércitos.
(Malachi/Malaquias 2.4-7).
Como pessoas responsáveis pela espiritualidade do povo e a
santidade do Mishkan (tabernáculo), eles não poderiam fazer “vistas grossas”
para a transgressão e desmazelo, do contrário, a responsabilidade recairia
sobre eles! Compare isto com as palavras ditas a Yechezkel (Ezequiel):
E sucedeu que, ao fim de sete dias, veio a palavra do SENHOR a mim,
dizendo:
Filho do homem: Eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel; e tu da
minha boca ouvirás a palavra e avisá-los-ás da minha parte.
Quando eu disser ao ímpio: Certamente morrerás; e tu não o avisares,
nem falares para avisar o ímpio acerca do seu mau caminho, para salvar a sua
vida, aquele ímpio morrerá na sua iniqüidade, mas o seu sangue, da tua mão o
requererei.
Mas, se avisares ao ímpio, e ele não se converter da sua impiedade e do
seu mau caminho, ele morrerá na sua iniqüidade, mas tu livraste a tua alma.
Semelhantemente, quando o justo se desviar da sua justiça, e cometer a
iniqüidade, e eu puser diante dele um tropeço, ele morrerá: porque tu não o
avisaste, no seu pecado morrerá; e suas justiças, que tiver praticado, não
serão lembradas, mas o seu sangue, da tua mão o requererei.
Mas, avisando tu o justo, para que não peque, e ele não pecar,
certamente viverá; porque foi avisado; e tu livraste a tua alma.
(Yechezkel/Ezequiel 3.16-21)
A honra concedida aos sacerdotes e levitas não era gratuita,
era o reconhecimento da grandeza e responsabilidade do serviço. Inverter esta
ordem pode promover a corrupção, pois, na verdade, nenhum irresponsável deve
ser honrado! Esta é uma bela lição que a Torah nos ensina hoje.
Resgate do filho primogênito.
Também neste capítulo, temos a mitzvá do “Pidyom Haben”
(resgate do filho) o qual é descrito como, quando e porque deveria ser
realizado. Apesar da ausência do Beit Hamikdash, ainda hoje esta mitzvá é
observada em muitas sinagogas e os cinco shekalim cobrados equivalem a 101 gramas de prata.
Sobre esta mitzvá, temos um exemplo bem interessante no
Tanach, falamos de Chanah e Sh’muel (Ana e Samuel):
Houve um homem de Ramataim-Zofim, da montanha de Efraim, cujo nome era
Elcana, filho de Jeroão, filho de Eliú, filho de Toú, filho de Zufe, efrateu.
E este tinha duas mulheres: o nome de uma era Ana, e o da outra Penina.
E Penina tinha filhos, porém Ana não os tinha. Então Elcana, seu marido, lhe
disse: Ana, por que choras? E por que não comes? E por que está mal o teu
coração? Não te sou eu melhor do que dez filhos?
Então Ana se levantou, depois que comeram e beberam em Siló; e Eli,
sacerdote, estava assentado numa cadeira, junto a um pilar do templo do SENHOR.
Ela, pois, com amargura de alma, orou ao SENHOR, e chorou
abundantemente.
E fez um voto, dizendo: SENHOR dos Exércitos! Se benignamente atentares
para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva não te
esqueceres, mas à tua serva deres um filho homem, ao SENHOR o darei todos os
dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha.
(Sh’muel alef/1 Samuel 1.1-2, 8-11)
É possível que a grande maioria dos que “conhecem” a
história desta mulher, não esteja familiarizada com o contexto histórico da
situação, sendo assim, podem achar que Chanah estava inovando... Porém, o que
ela decidiu fazer foi “simplesmente” não pagar os cinco shekalim, mas entregar
seu filho ao Eterno para servi-Lo, conforme determina a Torah! Isso em nada
diminui o mérito desta notável mulher, pelo contrário, aumenta nossa admiração,
pois, guardada as devidas proporções, ela agiu como Avraham avinu (Abraão nosso
pai), demonstrando um caráter reto e fiel à YHWH.
Ninguém tem tão pouco que não possa ajudar!
Outra linda lição extraída desta sedrá encontra-se na ordem
dada aos levitas para que estes dizimassem do que recebessem (ver
passukim/versículos 24-28). Para entendermos a lição aqui proposta, é
importante pontuar que os levitas viviam de doações, eles não possuíam herança
material, portanto, alguém poderia pensar: “como
alguém tão economicamente dependente dos outros poderia estar comprometido com
algo assim?” A Torah está nos ensinando que mesmo aquele em situação
material precária, pode ajudar o próximo, pois o levita está associado ao
estrangeiro (peregrino), ao órfão e a viúva (ver D’varim/Deuteronômio 26.12 e
13). Este princípio é muito bem aplicado nos ensinamentos de Yeshua ha notsri
(Yeshua o Nazareno):
E, olhando ele, viu os ricos lançarem as suas ofertas na arca do
tesouro;
E viu também uma pobre viúva lançar ali duas pequenas moedas;
E disse: Em verdade vos digo que lançou mais do que todos, esta pobre
viúva;
Porque todos aqueles deitaram para as ofertas do Eterno do que lhes
sobeja; mas esta, da sua pobreza, deitou todo o sustento que tinha.
(Lucas 21.1-4)
A prática da tsedaka é uma forma de resgate da dignidade
daqueles “menos favorecidos”, uma oportunidade para aqueles que, de alguma
forma, se sentiam “diminuídos” em relação aos demais. Ao participarem, os
levitas, assim como os outros citados, estavam incluídos socialmente, não eram
“coitadinhos”, mas pessoas participativas na construção da sociedade israelita.