segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Fator Samaria, uma "difícil" missão para o Messias.


Por Yochanan ben Avraham

Introdução.


Um dos tópicos da emunah (Fé) israelita mais discutido e até mesmo incompreendido é o que trata do tema “Mashiach” (Messias). A discussão se dá e se prolonga, justamente por causa de todas as idéias que a bíblia sugere. Por isso, a expectativa pelo Messias desenvolveu-se sobre três aspectos principais: Um Messias régio, idéia mais difundida e aceita pela maioria; um Messias sacerdotal e um Messias transcendente. Estas diferentes formas de se definir tanto a identidade quanto a obra deste personagem é fruto da falta de clareza dos textos a esse respeito, permitindo que tais expectativas se desenvolvessem com certo embasamento. Este presente artigo, não tem a pretensão de elucidar a questão, mas pretende sim, acrescentar um ingrediente àquilo que, aparentemente, é consensual entre todos os grupos que afirmam a esperança messiânica, ou seja, a restauração de Israel enquanto reino, aos moldes dos tempos de David e Sh’lomo (Salomão) que, provavelmente são os principais arquétipos do Messias.

Entendendo a Restauração.

Para entendermos o porquê da restauração do reino israelita ser uma promessa, e esta promessa estar ligada ao Messias, é necessário saber que Israel alcançou um estágio social, político, econômico e espiritual em sua história muito próximo do ideal (apesar de uma ou outra turbulência).
Foi na coroação de David que percebemos um nível de unidade jamais vivido na história israelita (ver II Sam. 5.1-5) e foi no reinado de Sh’lomo que Israel alcançou grande prosperidade (ver I Re. 4.20,21). Esta condição de unidade e prosperidade serve como modelo para a esperança messiânica no “ben David” (filho de David).
Porém, o estado quase “utópico” de Israel chega ao fim... E o relato deste epílogo está descrito nos capítulos 11,12 e 13 de Melachim alef (1 Reis), os quais revelam que:

* Israel foi um reino composto pelas doze tribos.

*Governado por um único “Rosh” (cabeça/líder) David e depois Sh’lomo.

*Que se dividiu em “dois reinos” (duas casas); que passaram a ser conhecidas como Reino de Yehudah (Judá), composto pelas tribos do Sul (Yehudah e Biniamim/Benjamim) e Reino de Israel (Efraim), composto pelas dez tribos do norte que restaram.

Após esta divisão, cada um destes reinos passou a ter sua própria vida, estabelecendo seu próprio rei, capital, lugar sagrado, sacerdotes e data para celebração das festas da Torah. Como podemos verificar no quadro abaixo:

Elementos
Yehudah
Israel (Efraim)
Rei
Rechavam
Yerovam I
Capital
Yerushalayim
Shomeron
Templo
Em Yerushalayim
Em Dan e Beit’El
Sacerdotes
Levitas
Homens do povo
Chag sukot (festa das tendas)
15º do 7º mês
15º do 8º mês
Foi neste cenário que a hostilidade entre Yehudim (judeus) e shomronim (samaritanos; nome pelo qual os israelitas do norte passaram a ser denominados posteriormente) se desenvolveu.
Após o edito de Ciro em 538 a.C., os judeus se restabeleceram em Yerushalayim. Estes não consideravam os habitantes do distrito de Shomeron (Samaria) como verdadeiros israelitas posto que eram descendentes de uma população mista (ver Os. 7.8), (talvez seja por isso que os judeus faziam tanta questão da genealogia como forma de se afirmarem como o verdadeiro povo de YHWH). De fato, após a dominação assíria ocorrida a partir de 721 a.C., várias comunidades mesopotâmicas tinham sido transferidas para Israel (Efraim), as quais introduziram ali o culto de seus próprios deuses (Melachim beit /II Reis. 17).

A distância aumenta.

A hostilidade entre judeus e samaritanos é retratada diversas vezes ao longo do Tanach (Velho testamento) e também na Brit Chadashah (Novo testamento), dentre outras passagens, destacamos as seguintes:

*Ezra (Esdras) 4.

*Nechemyah (Neemias) 4; 6.1-14

*Macaby alef (I Macabeus) 3.10; 10.30,38; 11.24,34.

*Ben Sirach (Eclesiástico) 50.25,26.

*Bessorah Yochanan (Boas novas de João) 4.7-9; 8.47,48.

*Bessorah Luka (Boas Novas de Lucas) 9.51-53

A rivalidade iniciada tornou-se um ódio visceral, ao ponto dos judeus terem maior aversão aos samaritanos que os pagãos. Mas no que criam os samaritanos para tornar a rivalidade tão intensa? Isso nós veremos mais adiante, antes disso, devemos saber que apesar de toda assimilação dos israelitas do norte (samaritanos) ocorrida por causa da invasão assíria, parece que as crenças estrangeiras não prevaleceram sobre a crença no Elohim verdadeiro, embora esta, possivelmente, tenha sofrido algum sincretismo. A permanência na crença em YHWH entre os samaritanos pode ser justificada pelo relato de Melachim beit (II Reis) 17.24-28 e também por não haver entre as acusações judaicas contra os samaritanos, uma que indique que os samaritanos teriam tornado-se idólatras.
O problema então parece estar relacionado às reivindicações samaritanas quanto sua primazia em relação aos judeus... Vejamos:
William E. Barton relatou uma audiência com um alto sacerdote samaritano, para explicações sobre um tratado samaritano sobre a “esperança messiânica”, ali, fica implícito o porquê das reivindicações samaritanas perturbarem tanto os judeus, pois estas não estão desprovidas de certa “lógica”.
Na entrevista, foi alegado pelo sacerdote, que em Bereshit (Genesis) 49.10, por exemplo, Shiloh é uma referência a Sh’lomo (Salomão) e que o cetro foi retirado de Yehudah nessa época, pois por causa da idolatria trazida a Yerushalayim, o cetro agora estaria em Shechem.
Outra reivindicação samaritana, diz respeito ao local de adoração, pois enquanto os judeus afirmavam ser o Templo erguido por Sh’lomo em Yerushalayim o lugar sagrado para o culto a YHWH, os samaritanos, por sua vez, passaram a afirmar que o Monte Gerizim (o monte da benção descrito em D’varim/Deuteronômio 11.29) seria tal lugar.
É certo que os samaritanos, em uma data incerta, construíram um templo ali, que foi destruído por João Hircano em 128 a.C., mas, contudo, continuou sendo um lugar de culto samaritano até meados das três primeiras décadas do primeiro século de nossa era. É possível, inclusive, observar (ainda que de forma superficial), a existência desta disputa na Brit Chadashah em Yochanan (João) 4.20 e também no versículo 25 deste mesmo capítulo, havia a expectativa de que “alguém” viria esclarecer esta questão.
Na verdade, existem mais de vinte e cinco pontos divergentes entre a crença samaritana e judaica, (ver Differences between the Jews and Samaritans by Shomron) algumas é verdade, são irrelevantes outras, porém difíceis de serem contornadas.
Diante destes relatos, alguns estudiosos chegam à conclusão de que a ruptura no relacionamento humano entre judeus e samaritanos é maior do que qualquer outra no mundo contemporâneo. Portanto, pensar numa reunião das duas casas, constitui uma tarefa sobrenatural, pois não bastaria habilidade diplomática para dirimir este problema.

Entendendo a promessa.

O que pretendemos dizer, é que foi criada uma grande distância entre as duas casas, cujas diferenças vão requerer de quem quer que seja mais do que palavras, somente alguém com uma unção especial para construir uma ponte entre os dois povos, alguém assim, preencheria um dos requisitos para ser o Mashiach aguardado.
Consideramos um erro crasso, tentar definir tanto a obra quanto a identidade do Messias, sem considerar este aspecto. O Messias seria alguém que deveria comunicar tanto a judeus quanto a samaritanos, não se trata de quem estaria certo ou errado, mas de cumprimento profético, pois o que é dito pelos Nevi’im (profetas) deixa claro que isto ocorrerá. Judeus e samaritanos terão que se unir novamente como diz Yechezkel/Ezequiel:

E outra vez veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:
Tu, pois, ó filho do homem, toma um pedaço de madeira, e escreve nele: Por Judá e pelos filhos de Israel, seus companheiros. E toma outro pedaço de madeira, e escreve nele: Por José, vara de Efraim, e por toda a casa de Israel, seus companheiros.
E ajunta um ao outro, para que se unam, e se tornem uma só vara na tua mão.
E quando te falarem os filhos do teu povo, dizendo: Porventura não nos declararás o que significam estas coisas?
Tu lhes dirás: Assim diz o Senhor YHWH: Eis que eu tomarei a vara de José que esteve na mão de Efraim, e a das tribos de Israel, suas companheiras, e as ajuntarei à vara de Judá, e farei delas uma só vara, e elas se farão uma só na minha mão.
E as varas, sobre que houveres escrito, estarão na tua mão, perante os olhos deles.
Dize-lhes, pois: Assim diz o Senhor YHWH: Eis que eu tomarei os filhos de Israel dentre os gentios, para onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os levarei à sua terra.
E deles farei uma nação na terra, nos montes de Israel, e um rei será rei de todos eles, e nunca mais serão duas nações; nunca mais para o futuro se dividirão em dois reinos.
(Yechezkel/Ezequiel 37.15-22)

Oshea (Oséias) é outro profeta a anunciar esta restauração:
E tornou ela a conceber, e deu à luz uma filha. E YHWH disse: Põe-lhe o nome de Lo-Ruama; porque eu não tornarei mais a compadecer-me da casa de Israel, mas tudo lhe tirarei.
Mas da casa de Judá me compadecerei, e os salvarei por YHWH seu Elohim, pois não os salvarei pelo arco, nem pela espada, nem pela guerra, nem pelos cavalos, nem pelos cavaleiros.
E, depois de haver desmamado a Lo-Ruama, concebeu e deu à luz um filho.
E YHWH disse: Põe-lhe o nome de Lo-Ami; porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Elohim.
Todavia o número dos filhos de Israel será como a areia do mar, que não pode medir-se nem contar-se; e acontecerá que no lugar onde se lhes dizia: Vós não sois meu povo, se lhes dirá: Vós sois filhos do Elohim vivo.
E os filhos de Judá e os filhos de Israel juntos se congregarão, e constituirão sobre si uma só cabeça, e subirão da terra; porque grande será o dia de Jizreel.
(Oshea/Oséias 1.6-11)

O mashiach não esqueceria os samaritanos (efraimitas), pois ele, como o enviado de HaShem saberia que:

Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho.
Mas, como os chamavam assim se iam da sua face; sacrificavam a baalins, e queimavam incenso às imagens de escultura.
Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomando-os pelos seus braços, mas não entenderam que eu os curava.
Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor, e fui para eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e lhes dei mantimento.
Não voltará para a terra do Egito, mas a Assíria será seu rei; porque recusam converter-se.
E cairá a espada sobre as suas cidades, e consumirá os seus ramos, e os devorará, por causa dos seus próprios conselhos.
Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; ainda que chamam ao Altíssimo, nenhum deles o exalta.
Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Poria-te como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem.
Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a Efraim, porque eu sou Elohim e não homem, o Santo no meio de ti; eu não entrarei na cidade.
Andarão após o SENHOR; ele rugirá como leão; rugindo, pois, ele, os filhos do ocidente tremerão.
(Oshea/Oséias 11.1-10)

Evidentemente que, sob uma perspectiva etnocêntrica, estaremos impedindo um ou outro de receber esta promessa, mas O Eterno ama os seus filhos Judá e Efraim, e saberia como se dirigir a eles para trazê-los de volta, o Messias saberia como transpor as barreiras de comunicação que a hostilidade histórica criou entre eles.

O Taheb.

Os samaritanos também guardam uma esperança, e suas expectativas em um futuro glorioso se baseiam exclusivamente na Torah. Esta esperança é depositada no surgimento do “Taheb” (restaurador) que, segundo a crença samaritana, seria um profeta semelhante à Moshe (Moisés) conforme descrito em D’varim (Deuteronômio) 18.15-18.
Em um dos livros samaritanos, conhecido como “Memar” compilado pelo estudioso samaritano Maqar, cuja data mais provável de sua composição seria os primeiros séculos de nossa era, (embora existam aqueles que acreditem que seja entre 20 a.C. e 50 d.C.), pode-se ter uma boa noção da teologia e escatologia deste grupo, no Memar, o Taheb traria uma era de ouro; intercederia pelos pecadores e os salvaria... E mais ainda, pois segundo Memar 1.2, o Taheb seria uma espécie de vice-regente e assim como Moshe foi como Elohim para Aharon (Shemot/Êxodo 4.16), é dito em Memar 4.7, que quem acredita nas palavras do Taheb, crê em YHWH. Isto é muito curioso, pois Yochanan (João) 12.44 e 45 e Yochanan (João) 5.16 e 47 dizem coisas muito semelhantes! Ainda que alguns rejeitem o “status” messiânico do Taheb, negar este aspecto do personagem é um erro muito difícil de justificar, pois profetas também são ungidos (mashiach é a palavra hebraica para ungido). Portanto, não é nenhum exagero dizer que o “Taheb” é o “Messias” samaritano.
Embora os samaritanos não creiam no Tanach, (por razões obvias!) Existem motivos de sobra nele para os samaritanos cultivarem uma esperança, ainda que ela divirja um pouco de sua forma de entender o futuro, pois ao mesmo tempo em que Israel (Efraim) é chamado de “Lo ami” (Não é meu povo), existe a promessa de que eles novamente seriam chamados de Filhos do Elohim vivo como vimos no tópico anterior.


Uma profecia curiosa.

Yeshayahu ha navi (Isaías o profeta), nos fornece uma profecia curiosa envolvendo as duas casas de Israel (Yehudah e Efraim), pois é anunciado que um tropeço seria colocado para ambas as casas... E o que não seria mais embaraçoso para um Yehudim (judeu), do que admitir um relacionamento com um shomronim (samaritano)? E o que não seria mais embaraçoso para um samaritano do que admitir que a salvação venha dos judeus? De qualquer forma, a promessa de restauração diz respeito a estes dois povos e, com permissão para a repetição, considerar a expectativa de apenas um destes se configura um grande equívoco interpretativo.

Considerações finais.

Atualmente, os judeus são milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, enquanto os samaritanos estão resumidos há um pequeno numero residente nas cidades Nablus e Holon na Cisjordânia. A ironia é que no passado estes que eram acusados de se misturar com as nações estrangeiras, hoje correm o risco de desaparecerem por causa da escassez de mulheres na comunidade e por ser estritamente proibido o matrimônio com estrangeiras, a menos que estas aceitem viver conforme a tradição samaritana... Algo que, diga-se de passagem, é muito difícil para quem vê de fora.
A verdade é que sendo algumas centenas hoje ou milhares no passado, os samaritanos como israelitas que são, fazem parte do plano de restauração revelado nas escrituras.

Referências:

Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br reportagem 31/03/2013 - 03h40)
BARTON, William E. “O Messias Samaritano”
MACKENZIE, John L. “Dicionário Bíblico – Ed. Paulinas, 1983 pg. 839,840.

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