Por Yochanan ben Avraham
Introdução.
O estudo da sedrá deste shabat trás mais uma porção clássica
da Torah, o episódio de Balak, rei de Moav e Bil’am, o “misterioso” profeta. Certamente
não conseguiremos elucidar todas as questões que emergem do texto, mas lições
preciosas podem ser tiradas, além de outras explicações que podem nos ajudar
entender certas situações enfrentadas por “Am Israel” (Povo de Israel).
Ódio gratuito?
Vejamos o texto:
“Depois partiram os filhos de Israel, e acamparam-se nas campinas de
Moabe, além do Jordão na altura de Jericó.
Vendo, pois, Balaque, filho de Zipor, tudo o que Israel fizera aos
amorreus,
Moabe temeu muito diante deste povo, porque era numeroso; e Moabe
andava angustiado por causa dos filhos de Israel.”
(Bamidbar/Números 22.1-3)
Vemos que Balak, rei de Moav só em ver o acampamento hebreu,
é tomado por um medo injustificável, pois os israelitas estavam apenas
acampados! Não houve nenhuma ameaça formal por parte destes para Balak
intentasse atacá-los... Seria só a presença física dos israelitas a causadora
deste efeito? Tentaremos elucidar esta questão mais adiante.
A história do povo hebreu é regada a lágrimas e sangue. Conseqüência
de um ódio que, racionalmente, não se encontra motivos para tal. Por diversas
vezes nosso povo foi banido de nações, agredido, capturado, exilado, humilhado,
roubado e etc., contudo, por causa da fidelidade do Eterno, estamos aqui, ainda
vivos. Sobrevivemos as mais diversas atrocidades e ocupações estrangeiras como
as que apontamos abaixo:
Egito (Todo povo
hebreu).
Assíria (Reino do Norte/10 tribos/ Efraim)
Assíria (Reino do Norte/10 tribos/ Efraim)
Babilônia (Reino do
Sul/ Judá)
Macedônia.
Roma.
Na galut (exílio), sofremos ainda diversas expulsões e
massacres, dentre os quais, destacamos:
694-711
Todos os judeus sob o
governo Visigótico em Espanha foram declarados escravos, suas possessões
confiscadas e a Religião Judaica declarada ilegal.
1012
O imperador Henry II
expulsa os judeus de Mainz, o começo das perseguições contra os judeus na
Alemanha.
1096-99
Primeira cruzada: Os
cruzados massacram os judeus de Rhineland (1096).
1182
O rei Philip Augustus
da França decreta a expulsão dos judeus de seu reino e do confisco de suas
propriedades.
1190
Manifestações
anti-Judaica na Inglaterra: massacre em York, e outras cidades.
1242
Queima pública do Talmud
em Paris.
1306
Expulsão dos judeus da
França.
1321-22
Novamente expulsão do
reino da França.
1470
Judeus expulsos da
Bavária estabeleceram-se na Turquia.
1478
Foram vítimas da
Inquisição espanhola
1492
Foram expulsos da
Espanha. Cinco anos mais tarde, era a vez de Portugal enviar todos os judeus
para fora do país.
Na Alemanha, em 1547, uma das grandes vozes do anti-semitismo
partiu de Martinho Lutero, o monge que iniciou o movimento de reforma
protestante. É dele um dos manifestos contra os judeus conhecido como “Sobre os
judeus e suas mentiras”.
Como podemos ver, não foi Adolf Hitler (que seja esquecido!)
o único a empreender dor e sofrimento ao nosso povo, ele teve seus “arquétipos”
ao longo da história.
Mas o que afinal causa tanto ódio contra os israelitas? Haveria
alguma explicação plausível? Sobre isso alguns comentaristas trouxeram razões
muito interessantes... Vejamos:
Para eles, existe uma conexão entre a palavra ódio em
hebraico שנא
(Siné) com a palavra Sinai (סיני),
local onde o povo assumiu o compromisso de cumprir a Lei do Eterno (Torah). Ou
seja, a partir do momento em que Israel é manifesto como povo peculiar do
Eterno (ver Shemot/Êxodo 19.5 e 6) o mundo passa a odiá-lo! Corroborando com
isso, temos alguns textos na Brit Chadashah (conhecido como Novo Testamento) os
quais dizem o seguinte:
“Sabemos que somos do Eterno, e que todo o mundo está no maligno.”
(Yochanan alef/1 João 5.19)
“... A luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a
luz, porque as suas obras eram más.
Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz,
para que as suas obras não sejam reprovadas.
Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras
sejam manifestas, porque são feitas em Elohim.”
(Yochanan/João 3.19-21)
Vale lembrar que “Luz” e “Verdade” são designações para a Lei/Torah
do Eterno como podemos constatar:
“Porque o mandamento é lâmpada, e a lei é luz; e as repreensões da
correção são o caminho da vida.”
(Mishlei/Provérbios 6.22)
“A tua justiça é uma justiça eterna, e a tua lei é a verdade.”
(Tehilim/Salmos 119.142)
O Rabi Yeshua também ensinou que:
“Então vos hão de entregar para serdes atormentados, e matar-vos-ão; e
sereis odiados de todas as nações por causa do meu nome.”
(Matitiyahu/Mateus 24.9)
Este ódio por causa do seu nome seria conseqüência de um
ensino da Torah a partir da halachá (interpretação) de Yeshua. Ao contrário do
que alguns afirmam o ensino de Yeshua não é uma abolição dos preceitos
perpétuos da Torah, mas um aprofundamento espiritual de seus princípios. Sobre
isso temos alguns registros interessantes:
"Yeshua de Nazaré não só observou a lei de Moisés mas também os
estatutos dos rabinos. Se qualquer de suas palavras os atos parecem à
primeira vista contradizê-los, esta impressão rapidamente se apaga.
Se examinamos cuidadosamente sua vida, encontramos tudo a respeito
dela em completa concordância não apenas com as Escrituras
mas também com a tradição."
(Moses Mendelssohn (1729-1786), um dos mais importantes
filósofos judeus e teóricos do Iluminismo alemão. Sendo considerado como um dos
três grandes Moises da história israelita, os outros seria Moshe Rabeino e o
outro Maimônides, o Rambam – Rabi Moshe ben Maimon)
Rabbi Isaac Lichtenstein (1824-1908) também escreveu:
"De cada linha no Novo Testamento, a partir de cada palavra, o
espírito judaico fluía luz, vida, força, resistência, fé, esperança, amor,
caridade, sem limites e indestrutível fé em Deus.”
Bil’lam e Avraham. Existe alguma relação?
No passuk (Versículo) seis, temos uma afirmação curiosa:
“... Naquele tempo Balaque, filho de Zipor, era rei dos moabitas.
Este enviou mensageiros a Balaão, filho de Beor, a Petor, que está
junto ao rio, na terra dos filhos do seu povo, a chamá-lo, dizendo: Eis que um
povo saiu do Egito; eis que cobre a face da terra, e está parado defronte de
mim.
Vem, pois, agora, rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois mais poderoso é
do que eu; talvez o poderei ferir e lançar fora da terra; porque eu sei que, a
quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado.”
(Bamidbar/Números 22.4-6)
Quando Balak diz que aquele que Bil’am abençoar será
abençoado e quando amaldiçoar será amaldiçoado, não há como não lembra das
palavras do Eterno a Avraham avino (Abraão nosso pai):
“Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e
da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei.
E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu
nome; e tu serás uma bênção.
E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.”
(Bereshit/Gênesis 12.1-3)
Bil’am (Balaão) era originário de Petor, cujos termos eram
próximos ao Rio Eufrates em Aram.
A terra de Aram têm esse nome por causa de seu patriarca que
era filho de Shem ben Noach (Sem filho de Noé), que foi tio avô de Éver (Heber).
Ever gerou a Péleg, que gerou a Reú, que gerou a serúg, que gerou a Nachór, que
gerou a Térach... Pai de Avraham. Provavelmente, por ser um semita (descendente
de Shem/Sem) e em decorrência de Shem ser o primogênito de Noach (Noé), pairava
sobre esta linhagem o “status” de abençoador por causa das palavras dirigidas a
Shem:
“E disse: Bendito seja YHWH, Elohim de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.
Alargue Elohim a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por
servo.”
Bereshit/Gênesis 9.26-27
Podemos notar que o Eterno é anunciado como “O Elohim de
Shem” e que Yafet (Jafé) habitaria nas terras de Shem, portanto, Yafet estava
sob Shem “hierarquicamente” falando. Não é absurdo então, supor que Bil’am, de
certa forma, aproveitou a “fama”.
O Nome revelando o caráter.
Bil’am pode ser a junção de duas palavras: בלע
(bala) “confundir” e עמ (am) “povo”, que resultaria em “confundir
o povo”, ou בלע
(bela) “engolir, devorar” e עמ (am) “povo” resultando em “Engolir,
devorar o povo”. De fato, este personagem está envolto em mistérios, pois ao
mesmo tempo em que ele é descrito como um profeta, que tinha acesso ao Eterno e
temente ao Todo Poderoso, no decorrer da história percebemos que as coisas não
são bem assim... Inclusive, alguns estudiosos têm sugerido que Bil’am foi
traduzido por “Nikolaos” (conquistador do povo) como se vê em Guilyana/Apocalipse
2.6, 14 e 15:
“Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu
também odeio.”
“Mas algumas poucas coisas tenho contra ti, porque tens lá os que
seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaque a lançar tropeços diante
dos filhos de Israel, para que comessem dos sacrifícios da idolatria, e se
prostituíssem.
Assim tens também os que seguem a doutrina dos nicolaítas, o que eu
odeio.”
Considerando estas coisas, poderíamos dizer que muitos
reivindicam as prerrogativas de serem filhos de Avraham, mas não se submetem ao
pacto pertinente a este “status”, e assim como Bil’am, estes “profetas” têm confundido a muitos no
que diz respeito ao serviço ao Eterno. Porém, está escrito que:
“Na verdade, não serão confundidos os que esperam em ti; confundidos
serão os que transgridem sem causa.” (Tehilim/Salmos 25.3)
“Por isso diz o Soberano Senhor: "Eis que ponho em Sião uma pedra,
uma pedra já experimentada, uma preciosa pedra angular para alicerce seguro;
aquele que confia, jamais será abalado.” (Yeshayahu/Isaías 28.16)
Uma contradição?
Os passukim (versículos) vinte ao vinte e dois apresenta
algo curioso, aparentemente temos uma contradição, pois segundo o texto, a
palavra de elohim foi dirigida a Bil’am para que ele acompanhasse os homens de
Moav, SE ESTES O CHAMASSEM, no entanto, pela manhã, quando Bil’am albarda sua
jumenta e acompanha a comitiva, a ira do Eterno se acende contra ele! Estranho...
Não é mesmo? Como O Eterno daria uma ordem e ao “cumpri-la” o profeta é
repreendido?
As prováveis, a explicações seriam:
1) Que
para acompanhá-los, ele deveria primeiro ser chamado pelos mensageiros de Balak,
mas o texto sugere que ele foi por iniciativa própria, sem aguardar o referido
chamado.
2) Ele
já havia sido advertido para não ir, pois o povo era é bendito, mas mesmo assim
aceitou a insistência do contratante. (22.12)
3) Demonstrou
falta de caráter, pois anteriormente havia dito que não desobedeceria a palavra
de Elohim por nenhuma prata ou ouro.
Considerações finais.
A riqueza de temas presentes neste capítulo é um convite à
exploração de livros, comentários e outras obras que possam oferecer subsídios
para pesquisas sobre os porquês de narrativas como a do diálogo de Bil’am com
sua jumenta, que para os teóricos das quatro fontes, é uma das provas de suas
teses. Contudo, no campo da prática, a resposta é imediata: “Quando Israel está
comprometido com sua vocação, os reinos deste mundo se abalam e conspiram
contra os escolhidos de YHWH”.
Shabat Shalom!!!
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