sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sedrá para o Shabat de 22/06/13 (Bamidbar 22)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

O estudo da sedrá deste shabat trás mais uma porção clássica da Torah, o episódio de Balak, rei de Moav e Bil’am, o “misterioso” profeta. Certamente não conseguiremos elucidar todas as questões que emergem do texto, mas lições preciosas podem ser tiradas, além de outras explicações que podem nos ajudar entender certas situações enfrentadas por “Am Israel” (Povo de Israel).

Ódio gratuito?

Vejamos o texto:

“Depois partiram os filhos de Israel, e acamparam-se nas campinas de Moabe, além do Jordão na altura de Jericó.
Vendo, pois, Balaque, filho de Zipor, tudo o que Israel fizera aos amorreus,
Moabe temeu muito diante deste povo, porque era numeroso; e Moabe andava angustiado por causa dos filhos de Israel.”
(Bamidbar/Números 22.1-3)

Vemos que Balak, rei de Moav só em ver o acampamento hebreu, é tomado por um medo injustificável, pois os israelitas estavam apenas acampados! Não houve nenhuma ameaça formal por parte destes para Balak intentasse atacá-los... Seria só a presença física dos israelitas a causadora deste efeito? Tentaremos elucidar esta questão mais adiante.

A história do povo hebreu é regada a lágrimas e sangue. Conseqüência de um ódio que, racionalmente, não se encontra motivos para tal. Por diversas vezes nosso povo foi banido de nações, agredido, capturado, exilado, humilhado, roubado e etc., contudo, por causa da fidelidade do Eterno, estamos aqui, ainda vivos. Sobrevivemos as mais diversas atrocidades e ocupações estrangeiras como as que apontamos abaixo:

Egito (Todo povo hebreu).
Assíria (Reino do Norte/10 tribos/ Efraim)
Babilônia (Reino do Sul/ Judá)
Macedônia.
Roma.

Na galut (exílio), sofremos ainda diversas expulsões e massacres, dentre os quais, destacamos:

694-711
Todos os judeus sob o governo Visigótico em Espanha foram declarados escravos, suas possessões confiscadas e a Religião Judaica declarada ilegal.

1012
O imperador Henry II expulsa os judeus de Mainz, o começo das perseguições contra os judeus na Alemanha.

1096-99
Primeira cruzada: Os cruzados massacram os judeus de Rhineland (1096).


1182
O rei Philip Augustus da França decreta a expulsão dos judeus de seu reino e do confisco de suas propriedades.

1190
Manifestações anti-Judaica na Inglaterra: massacre em York, e outras cidades.

1242
Queima pública do Talmud em Paris.

1306
Expulsão dos judeus da França.

1321-22
Novamente expulsão do reino da França.

1470
Judeus expulsos da Bavária estabeleceram-se na Turquia.

1478
Foram vítimas da Inquisição espanhola

1492
Foram expulsos da Espanha. Cinco anos mais tarde, era a vez de Portugal enviar todos os judeus para fora do país.

Na Alemanha, em 1547, uma das grandes vozes do anti-semitismo partiu de Martinho Lutero, o monge que iniciou o movimento de reforma protestante. É dele um dos manifestos contra os judeus conhecido como “Sobre os judeus e suas mentiras”.

Como podemos ver, não foi Adolf Hitler (que seja esquecido!) o único a empreender dor e sofrimento ao nosso povo, ele teve seus “arquétipos” ao longo da história.

Mas o que afinal causa tanto ódio contra os israelitas? Haveria alguma explicação plausível? Sobre isso alguns comentaristas trouxeram razões muito interessantes... Vejamos:
Para eles, existe uma conexão entre a palavra ódio em hebraico שנא (Siné) com a palavra Sinai (סיני), local onde o povo assumiu o compromisso de cumprir a Lei do Eterno (Torah). Ou seja, a partir do momento em que Israel é manifesto como povo peculiar do Eterno (ver Shemot/Êxodo 19.5 e 6) o mundo passa a odiá-lo! Corroborando com isso, temos alguns textos na Brit Chadashah (conhecido como Novo Testamento) os quais dizem o seguinte:

“Sabemos que somos do Eterno, e que todo o mundo está no maligno.”
(Yochanan alef/1 João 5.19)

“... A luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.
Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.
Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Elohim.”
(Yochanan/João 3.19-21)

Vale lembrar que “Luz” e “Verdade” são designações para a Lei/Torah do Eterno como podemos constatar:

“Porque o mandamento é lâmpada, e a lei é luz; e as repreensões da correção são o caminho da vida.”
(Mishlei/Provérbios 6.22)

“A tua justiça é uma justiça eterna, e a tua lei é a verdade.”
(Tehilim/Salmos 119.142)

O Rabi Yeshua também ensinou que:

“Então vos hão de entregar para serdes atormentados, e matar-vos-ão; e sereis odiados de todas as nações por causa do meu nome.”
(Matitiyahu/Mateus 24.9)

Este ódio por causa do seu nome seria conseqüência de um ensino da Torah a partir da halachá (interpretação) de Yeshua. Ao contrário do que alguns afirmam o ensino de Yeshua não é uma abolição dos preceitos perpétuos da Torah, mas um aprofundamento espiritual de seus princípios. Sobre isso temos alguns registros interessantes:

"Yeshua de Nazaré não só observou a lei de Moisés mas também os
estatutos dos rabinos. Se qualquer de suas palavras os atos parecem à
primeira vista contradizê-los, esta impressão rapidamente se apaga.
Se examinamos cuidadosamente sua vida, encontramos tudo a respeito
dela em completa concordância não apenas com as Escrituras
mas também com a tradição."
(Moses Mendelssohn (1729-1786), um dos mais importantes filósofos judeus e teóricos do Iluminismo alemão. Sendo considerado como um dos três grandes Moises da história israelita, os outros seria Moshe Rabeino e o outro Maimônides, o Rambam – Rabi Moshe ben Maimon)

Rabbi Isaac Lichtenstein (1824-1908) também escreveu:

"De cada linha no Novo Testamento, a partir de cada palavra, o espírito judaico fluía luz, vida, força, resistência, fé, esperança, amor, caridade, sem limites e indestrutível fé em Deus.”

Bil’lam e Avraham. Existe alguma relação?

No passuk (Versículo) seis, temos uma afirmação curiosa:

“... Naquele tempo Balaque, filho de Zipor, era rei dos moabitas.
Este enviou mensageiros a Balaão, filho de Beor, a Petor, que está junto ao rio, na terra dos filhos do seu povo, a chamá-lo, dizendo: Eis que um povo saiu do Egito; eis que cobre a face da terra, e está parado defronte de mim.
Vem, pois, agora, rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois mais poderoso é do que eu; talvez o poderei ferir e lançar fora da terra; porque eu sei que, a quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado.”
(Bamidbar/Números 22.4-6)

Quando Balak diz que aquele que Bil’am abençoar será abençoado e quando amaldiçoar será amaldiçoado, não há como não lembra das palavras do Eterno a Avraham avino (Abraão nosso pai):

“Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei.
E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção.
E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.”
(Bereshit/Gênesis 12.1-3)

Bil’am (Balaão) era originário de Petor, cujos termos eram próximos ao Rio Eufrates em Aram. A terra de Aram têm esse nome por causa de seu patriarca que era filho de Shem ben Noach (Sem filho de Noé), que foi tio avô de Éver (Heber). Ever gerou a Péleg, que gerou a Reú, que gerou a serúg, que gerou a Nachór, que gerou a Térach... Pai de Avraham. Provavelmente, por ser um semita (descendente de Shem/Sem) e em decorrência de Shem ser o primogênito de Noach (Noé), pairava sobre esta linhagem o “status” de abençoador por causa das palavras dirigidas a Shem:

“E disse: Bendito seja YHWH, Elohim de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.
Alargue Elohim a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.”
Bereshit/Gênesis 9.26-27

Podemos notar que o Eterno é anunciado como “O Elohim de Shem” e que Yafet (Jafé) habitaria nas terras de Shem, portanto, Yafet estava sob Shem “hierarquicamente” falando. Não é absurdo então, supor que Bil’am, de certa forma, aproveitou a “fama”.

O Nome revelando o caráter.

Bil’am pode ser a junção de duas palavras: בלע (bala) “confundir” e עמ (am) “povo”, que resultaria em “confundir o povo”, ou בלע (bela) “engolir, devorar” e עמ (am) “povo” resultando em “Engolir, devorar o povo”. De fato, este personagem está envolto em mistérios, pois ao mesmo tempo em que ele é descrito como um profeta, que tinha acesso ao Eterno e temente ao Todo Poderoso, no decorrer da história percebemos que as coisas não são bem assim... Inclusive, alguns estudiosos têm sugerido que Bil’am foi traduzido por “Nikolaos” (conquistador do povo) como se vê em Guilyana/Apocalipse 2.6, 14 e 15:
“Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio.”

“Mas algumas poucas coisas tenho contra ti, porque tens lá os que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel, para que comessem dos sacrifícios da idolatria, e se prostituíssem.
Assim tens também os que seguem a doutrina dos nicolaítas, o que eu odeio.”

Considerando estas coisas, poderíamos dizer que muitos reivindicam as prerrogativas de serem filhos de Avraham, mas não se submetem ao pacto pertinente a este “status”, e assim como Bil’am,  estes “profetas” têm confundido a muitos no que diz respeito ao serviço ao Eterno. Porém, está escrito que:

“Na verdade, não serão confundidos os que esperam em ti; confundidos serão os que transgridem sem causa.” (Tehilim/Salmos 25.3)

“Por isso diz o Soberano Senhor: "Eis que ponho em Sião uma pedra, uma pedra já experimentada, uma preciosa pedra angular para alicerce seguro; aquele que confia, jamais será abalado.” (Yeshayahu/Isaías 28.16)

Uma contradição?

Os passukim (versículos) vinte ao vinte e dois apresenta algo curioso, aparentemente temos uma contradição, pois segundo o texto, a palavra de elohim foi dirigida a Bil’am para que ele acompanhasse os homens de Moav, SE ESTES O CHAMASSEM, no entanto, pela manhã, quando Bil’am albarda sua jumenta e acompanha a comitiva, a ira do Eterno se acende contra ele! Estranho... Não é mesmo? Como O Eterno daria uma ordem e ao “cumpri-la” o profeta é repreendido?
As prováveis, a explicações seriam:

1)      Que para acompanhá-los, ele deveria primeiro ser chamado pelos mensageiros de Balak, mas o texto sugere que ele foi por iniciativa própria, sem aguardar o referido chamado.
2)      Ele já havia sido advertido para não ir, pois o povo era é bendito, mas mesmo assim aceitou a insistência do contratante. (22.12)
3)      Demonstrou falta de caráter, pois anteriormente havia dito que não desobedeceria a palavra de Elohim por nenhuma prata ou ouro.

Considerações finais.

A riqueza de temas presentes neste capítulo é um convite à exploração de livros, comentários e outras obras que possam oferecer subsídios para pesquisas sobre os porquês de narrativas como a do diálogo de Bil’am com sua jumenta, que para os teóricos das quatro fontes, é uma das provas de suas teses. Contudo, no campo da prática, a resposta é imediata: “Quando Israel está comprometido com sua vocação, os reinos deste mundo se abalam e conspiram contra os escolhidos de YHWH”.


Shabat Shalom!!! 

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