Por Yochanan ben Avraham
Introdução.
Embora o capítulo vinte e cinco não seja tão extenso, ele
está repleto de lições e curiosidades que nos inspira à reflexão. Reflexão que
nos leva a avaliar a qualidade de nossa adoração e fidelidade ao Eterno, pois
surge no cenário Pinchas, neto de Aharon, cuja atitude trouxe expiação aos
filhos de Israel.
Entre a assimilação e a redenção.
“E esteve Israel em Shitim, e começou o povo a errar com as filhas de
Moab. E convidaram o povo aos sacrifícios de seus deuses, e o povo comeu e
prostrou-se aos seus deuses.” (Bamidbar/Números 25.1 e 2)
Muito provavelmente, não se percebe a relevância do local em que Israel estava antes
de “errar com as filhas de Moab”. O que afinal isso poderia significar? Se
considerarmos o percurso que Israel tomaria para suas grandes conquistas, que culminaria
com a posse da Terra prometida, a relevância é total e os significados,
profundos. Vejamos: Shitim é o plural da palavra Shitah (acácia), madeira
utilizada para confecção de diversos utensílios do Mishkan (Tabernáculo). Por
estar no plural, acredita-se que Israel estava acampado nas proximidades de um
bosque ou algo próximo a isso. Segundo alguns estudiosos, Este local foi o
acampamento de Israel até vésperas da travessia do Yarden (Jordão) e posterior
conquista de Yericho (Jericó). De fato, podemos constatar isto no Sefer ha
Yehoshua (Livro de Josué):
“E Josué, filho de Num, enviou secretamente, de Shitim, dois
homens a espiar, dizendo: Ide reconhecer a terra e a Jericó. Foram, pois, e
entraram na casa de uma mulher prostituta, cujo nome era Raabe, e dormiram
ali.” (Yehoshua/Josué 2.1)
“Levantou-se, pois, Josué de madrugada, e partiram de Shitim,
ele e todos os filhos de Israel; e vieram até ao Jordão, e pousaram ali, antes
que passassem.”
(Yehoshua/Josué 3.1)
O que estamos tentando dizer, é que o mesmo local, onde os
israelitas acamparam, lugar que determinava o limite entre a peregrinação no
deserto e a conquista da terra prometida, foi o ‘palco’ de uma grande tragédia,
pois os filhos de Israel se deixaram assimilar pela cultura idólatra dos
moabitas provocando a ira do Eterno! Foi em Shitim, à beira de sua redenção,
que Israel sentiu as conseqüências da assimilação, foi quando negligenciou sua
vocação e, como diz o passuk (versículo) três, “juntou-se a Baal-Peor”. Diante
deste fato, vem a nossa memória as palavras atribuídas ao emissário Sha’ul
(Paulo) na carta aos talmidim (discípulos) em Roma:
“E isto digo, conhecendo o tempo, que já é hora de despertarmos do
sono; porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando
aceitamos a fé.”
(Ruhomayah/ Romanos 13.11)
Cremos que estamos muito perto de nossa “geulá” (Redenção),
por isso a atenção deve ser dobrada para que não nos desviemos para a direita
ou esquerda da Torah do Eterno... Vale lembrar que foi, mui provavelmente, em
Shitim que O Eterno disse isto a Yehoshua:
“E sucedeu depois da morte de Moisés, servo do SENHOR, que o SENHOR
falou a Josué, filho de Num, servo de Moisés, dizendo:
Moisés, meu servo, é morto; levanta-te, pois, agora, passa este Jordão,
tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de Israel.
Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu
disse a Moisés.
Desde o deserto e do Líbano, até ao grande rio, o rio Eufrates, toda a
terra dos heteus, e até o grande mar para o poente do sol, será o vosso termo.
Ninguém te poderá resistir, todos os dias da tua vida; como fui com
Moisés, assim serei contigo; não te deixarei nem te desampararei.
Esforça-te, e tem bom ânimo; porque tu farás a este povo herdar a terra
que jurei a seus pais lhes daria.
Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, para teres o cuidado de
fazer conforme a toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies,
nem para a direita nem para a esquerda, para que prudentemente te conduzas por
onde quer que andares.
Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e
noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito;
porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido.”
(Yehoshua/Josué 1.1-8)
A astúcia de Bil’am.
Nos três capítulos anteriores, viu-se que Bil’am foi
contratado por Balak para amaldiçoar a Israel, mas ao invés disso ele o
abençoava e disse a célebre frase:
“Como amaldiçoarei a quem não amaldiçoou YHWH?”
(Bamidbar/Números 23.8A)
Bil’am percebeu que a única forma de Israel ser amaldiçoado,
é quando este transgride a Torah, pois está escrito:
“Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz de YHWH Eloheicha (teu
Elohim), para não cuidares em cumprir todos os seus mandamentos e os seus
estatutos, que hoje te ordeno, então virão sobre ti todas estas maldições, e te
alcançarão...”
(D’varim/Deuteronômio 28.15)
Sabedor disso, conforme a Torah infere no capítulo 31 de
Bamidbar, Bil’am orquestrou um plano que levou os israelitas a pecarem contra o
Eterno:
“E Moisés disse-lhes: Deixastes viver todas as mulheres?
Eis que estas foram as que, por conselho de Bil’am (Balaão), deram
ocasião aos filhos de Israel de transgredir contra o SENHOR no caso de Peor;
por isso houve aquela praga entre a congregação do SENHOR.”
(Bamidbar/Números 31.15-16)
Não devemos temer os feiticeiros, devemos temer ao Eterno e cuidar para que não venhamos ceder aos maus impulsos de nossa natureza carnal.
Não devemos temer os feiticeiros, devemos temer ao Eterno e cuidar para que não venhamos ceder aos maus impulsos de nossa natureza carnal.
O culto a Baal-Peor.
Em muitos comentários rabínicos e segundo alguns estudiosos,
o culto a Baal-Peor era um dos mais populares naquela região senão o mais
popular! E as mais estranhas e absurdas práticas são descritas como parte
integrante do ritual a esta entidade. De acordo com a tradição talmúdica, por
exemplo, a adoração a este ídolo envolvia práticas escatológicas (nojentas,
asquerosas, repugnantes e etc.) (Sifri; San’hedrin 60B, 64A; Rashi). A
enciclopédia judaica ainda diz o seguinte:
A adoração a esse ídolo consistia em expor a parte do corpo que todas
as pessoas geralmente tomam o maior cuidado para esconder. Conta-se que em uma
ocasião, um governante estrangeiro veio até o lugar onde Peor era adorado, para
sacrificar a ele, mas quando ele ouviu falar dessa prática, ele fez com que
seus soldados atacassem e matassem os adoradores deste deus (Sifre, Bamidbar.
131. San’hedrim 106)
Considerando estas informações, temos a impressão de que,
quanto mais depravada a ação do adorador, maior seria o nível de devoção. Sendo
assim, fazendo uma analogia com os dias de hoje, parece-nos que este ídolo
continua muito popular, pois ‘seus adeptos’ podem ser encontrados ainda hoje em
tempo e espaço bem distante do relato bíblico. As músicas carregadas de letras
infames, os filmes cada vez mais insinuantes na perversão do sexo são pequenas
amostras de uma degradação dos valores humanos, onde os artistas mais se
parecem com as prostitutas cultuais das antigas civilizações do que qualquer
outra coisa.
Pinchas e a expiação do Povo.
A Torah descreve as conseqüências do pecado cometido pelo
povo, vinte e quatro mil pessoas morreram em decorrência da praga que se abateu
sobre Israel. Mas a coisa poderia ser ainda pior se o neto de Aharon, Pinchas
ben Eleazar ha Cohen (Pinchas filho de Eleazar o sacerdote) não interviesse na
situação!
“E eis que veio um homem dos filhos de Israel, e trouxe a seus irmãos
uma midianita, à vista de Moisés, e à vista de toda a congregação dos filhos de
Israel, chorando eles diante da tenda da congregação.
Vendo isso Finéias, filho de Eleazar, o filho de Arão, sacerdote, se
levantou do meio da congregação, e tomou uma lança na sua mão;
E foi após o homem israelita até a tenda, e os atravessou a ambos, ao
homem israelita e à mulher, pelo ventre; então a praga cessou de sobre os
filhos de Israel.”
(Bamidbar/Números 25.6-8)
O zelo deste homem lhe rendeu um memorial eterno, sua
atitude “radical” demonstra que quando se trata de pecado, devemos muitas vezes
tomar uma atitude drástica como ensinou Rabi Yeshua:
“E Eu vos digo, Qualquer que olhar para uma mulher no intuito de
cobiçá-la, já cometeu adultério com ela em seu coração.
E se o teu olho direito te seduz arranca-o, e lança-o de ti; porquanto
é melhor para ti que um dos teus membros pereça, do que todo o teu corpo seja
lançado no Gei-Hinnom.
E se tua mão direita te seduz corta-a, e lança-a de ti; pois é mais
proveitoso a ti que um dos teus membros pereça, do que todo o teu corpo ser
lançado no Gei-Hinnom.”
(Matitiyahu/Mateus 5.28-30)
É interessante a Torah afirmar que o zelo de Pinchas trouxe
expiação sobre o povo de Israel. Este zelo foi evidenciado pelo derramamento de
sangue dos transgressores. Numa perspectiva mais imediata, percebemos que no
que diz respeito à expiação do povo, ou seja, quando é o coletivo que necessita
de expiação, sempre vemos a presença do sangue como o elemento expiatório... O
que não acontece quando se trata de pecado individual, pois para estes existem
outros meios expiatórios. Este aspecto merece uma maior atenção e um estudo à
parte para que sejam esclarecidas as implicações que este detalhe evoca. Porém
não será neste comentário que abordaremos a questão.
Eliminando a falsa adoração.
Já mencionamos em outros estudos que na cultura semita, um
nome é mais do que um substantivo próprio, um nome traz consigo os aspectos de
quem o recebeu. É por isso que se diz que mudança de nome é mudança de destino.
Neste caso, quando Pinchas mata o casal que afronta a santidade do arraial
desprezando a palavra do Eterno, ele estava eliminando alguns aspectos que
contaminavam todo o povo! Que aspectos seriam estes? Descobriremos isso observando
o nome do casal transgressor:
“E o nome do israelita, que foi morto com a midianita, era Zimri, filho
de Salu, príncipe da casa paterna dos simeonitas.
E o nome da mulher midianita morta era Cosbi, filha de Zur, cabeça do
povo da casa paterna entre os midianitas.” (Bamidbar/Números 25.14-15)
Vamos analisar os respectivos nomes: o nome “Zimri” tem com
raiz as letras zain, mem e resh a mesma raiz da palavra “zimra”, que significa
canção; música. Quanto a mulher, o seu nome era “Kozbi” cuja raiz é Kaf, zain e
beit, a mesma raiz da palavra mentira, dando um sentido de ser achado
mentiroso; ser em vão. Logo ,
se unirmos os aspectos de cada nome envolvido teremos um “cântico mentiroso”;
“um cântico vão”. Com isso em mente, vejamos o Tehilim/Salmos 100:
“Celebrai com júbilo ao SENHOR,
todas as terras.
Servi ao SENHOR com alegria; e entrai diante dele com canto.”
(Tehilim/Salmos 100:1-2)
O cântico é descrito aqui como a forma introdutória de se
apresentar ao Eterno, percebe-se então que Pinchas estava limpando Israel de
uma adoração mentirosa, de um louvor enganoso e isso está em plena harmonia com
os ensinamentos de Yeshua que disse:
“Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
O Eterno é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito
e em verdade.” (Yochanan/João 4.23-24)
Esta é uma grande lição que a Torah nos ensina. Não é apenas
cantar, dançar e etc. mecanicamente. Nossa expressão de adoração ao Eterno tem
que ter vida! Do contrário estaremos enquadrados naquilo que Yeshayahu (Isaías)
disse:
“Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a
sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe
de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que
foi instruído;
Portanto eis que continuarei a fazer uma obra maravilhosa no meio deste
povo, uma obra maravilhosa e um assombro; porque a sabedoria dos seus sábios
perecerá, e o entendimento dos seus prudentes se esconderá.”
(Yeshayahu/Isaías 29.13-14)
Que O Eterno suscite em nós um zelo como o de Pinchas, para
que a praga não se instale em nossas vidas e que não sejamos assimilados às
portas de nossa redenção.
Shabat Shalom!!!
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