Por Yochanan ben Avraham
Introdução.
Dando continuidade a sequência de estudos do sefer Bamidbar,
estaremos analisando neste Shabat o perek (capítulo) 24, onde Bil’am ainda é o
“protagonista” nos eventos que se seguem. Com certeza, Bil’am é um dos
personagens mais controversos do Tanach, pois sua instrumentalidade peculiar
varia entre o certo e o duvidoso levantando muitas questões interessantes para
o estudante das escrituras. A sensibilidade deste místico contrasta com sua
conduta e, provavelmente por isso, seu perfil seja tão curioso.
Teshuvah. Uma questão de sensibilidade somente?
“E viu Bil’am que era bom aos olhos de YHWH, que abençoasse Israel...”
Logo na primeira frase deste capítulo, salta aos nossos
olhos a percepção que Bil’am teve da relação entre O Eterno e Israel. Apesar
dele ter sido contratado por um inimigo (Balak) para fazer o mal a Israel,
aparentemente ele não estava tão empenhado como seu contratante, pois teve
sensibilidade para entender que a relação entre YHWH e Seu povo é de amor! De
fato, vários profetas ao longo da história israelita afirmaram esta verdade,
vejamos algumas destas expressões:
“Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho.”
(Oshea/Oséias 11.1)
“Exultai, ó céus, e alegra-te, ó terra, e vós, montes, estalai com
júbilo, porque o SENHOR consolou o seu povo, e dos seus aflitos se compadecerá.
Porém Sião diz: Já me desamparou o SENHOR, e o meu Senhor se esqueceu
de mim.
Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que
não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse
dele, contudo eu não me esquecerei de ti.
Eis que nas palmas das minhas mãos eu te gravei; os teus muros estão
continuamente diante de mim.” (Yeshayahu/Isaías 49.13-16)
“Naquele tempo, diz YHWH, serei o Elohim de todas as famílias de
Israel, e elas serão o meu povo.
Assim diz o SENHOR: O povo dos que escaparam da espada achou graça no
deserto. Israel mesmo, quando eu o fizer descansar.
Há muito que o SENHOR me apareceu, dizendo: Porquanto com amor eterno
te amei, por isso com benignidade te atraí.
Ainda te edificarei, e serás edificada, ó virgem de Israel! Ainda serás
adornada com os teus tamboris, e sairás nas danças dos que se alegram.
Ainda plantarás vinhas nos montes de Samaria; os plantadores as
plantarão e comerão como coisas comuns.
Porque haverá um dia em que gritarão os vigias sobre o monte de Efraim:
Levantai-vos, e subamos a Sião, a YHWH Eloheino.” (Yermiyahu/Jeremias
31.1-6)
Esta sensibilidade deveria causar em Bil’am uma “Teshuvah”
(arrependimento) verdadeira, mas, infelizmente, não é isso que veio a
acontecer conforme relata alguns tratados e midrashim da literatura rabínica e
também no livro de Guilyana (Apocalipse).
Diante disso, conforme o enunciado deste tópico surge a
pergunta se apenas sensibilidade para questões espirituais é suficiente para
uma teshuvah verdadeira, considerando a vida de Bil’am, a resposta é óbvia:
NÃO!
Bil’am, disse ser alguém que via e ouvia as palavras de
YHWH... Mas mesmo assim, continuou associado à Balak. Deveríamos então supor que quem
se diz conhecedor da Torah (Palavra de YHWH) deve manter “sociedade” com
àqueles que são contrários a ela ou não? Fica a pergunta para reflexão.
Iluminado, visionário, cego ou o quê?
Não podemos dizer ao certo, qual dos adjetivos acima melhor
se aplica a Bil’am, pois encontramos nos mais diversos escritos rabínicos,
diferentes definições para este personagem, vejamos:
“Iluminado” (Ramban;
Midrash Agadá)
“Olho vendo o futuro” (Lekach
tov)
“Olho que vê” (Targum;
Saadia)
“Olho aberto” (Rashbam;
Radak, Sherashim; Rashi)
“Insone” (Ibn Janach)
“Mau Olho” (Zohar
1:68b)
“Deslocado” (Rashi)
“Cego” (San’hedrin
105a; Nidá 31a)
Todas estas diferentes definições confirmam o quanto Bil’am
era controverso, pois não há consenso entre as opiniões dos grandes
comentaristas da Torah... Provavelmente porque cada um abordou um aspecto da
passagem, uns se detendo simplesmente no texto e outros ao personagem.
Afinal, quem era Bil’am? É difícil concluir... Mas ele se
definiu como “alguém que ouvia os dizeres de YHWH e que tinha uma visão do
Poderoso”. A expressão שתם העין “shetum haain”, pode significar “o
Olho aberto” considerando que “shetum” vem de “shatam” (abrir) que é escrito com os mesmos
caracteres (Shin, Tav e Mem sofit), mas esta é uma auto definição, ou seja, era
como Bil’am se definia, e não uma definição da Torah, até porque ele é
considerado como a ‘antítese’ de Moshe nas diversas obras rabínicas como citado
na enciclopédia judaica:
“A Residência de
Balaão era Padan-aram, mas sua fama como "intérprete de sonhos" deu a
sua cidade o nome de "Petor" ("interpretar"). Sua grande
sabedoria fez-lhe presunçoso, e tornou-se um homem tolo, insensato — "ben
be'or" ("enganar"; Targ, Yer. a xxii nm. 5). A história da
guerra de Moisés com os etíopes em tempos antigos , foi relatada por Josefo ("Ant." ii. 10)
segundo fontes helenísticas, foi conectada a Balaão.
Balaão (veja Sanh. 106a; Soṭah 11a; Jellinek, ii "B. H.". 3;
"Crônicas de Jeraḥmeel", traduzido por Gaster, xliv. 9,
xlvi. 15) foi um dos três conselheiros consultados pelo faraó em relação aos
Hebreus...”
Curiosa também é a forma como Bil’am tinha “as visões do
Todo-Poderoso”: caindo num êxtase de meditação (Targum; Rashi; Ibn Ezra);
envolvendo meditação (Ralbag; Abarbanel). Alguns dizem que isto envolvia
práticas sexuais com animais (San’hedrin 105ª); Algumas fontes mantém que
Bil’am realmente caiu ao chão durante a profecia (Lekach tov, Josefus/ Antiguidades
4:6:5) e isto é muito interessante, pois está em harmonia com alguns relatos do
Tanach e também no livro de Guilyana (Apocalipse), são eles: Sh’muel alef (1
Samuel) 19.18-24; Yechezkel (Ezequiel) 1.28; Daniel 8.17 e 18; Guilyana
(Apocalipse)1.9-17. A
partir disto, fica a impressão de que as palavras que Bil’am proferiu acerca de
Israel e seu futuro vieram de uma experiência extática, ou seja, de um momento
de êxtase proporcionado pelo Espírito (Ruach) de Elohim como descreve o passuk
(versículo) dois deste capítulo.
Foi neste estado que Bil’am, sob a influência da Ruach
Elohim, proferiu as primeiras palavras do “Ma Tovu” cantado a cada Shabat em
praticamente todas as sinagogas espalhadas mundo afora! Foi neste estado que
ele anunciou a vinda de um rei que suplantaria Agag (que provavelmente seja um
título para os reis amalequitas e não um nome próprio), como referência aos
primeiros reis israelitas Saul e David. Finalmente, é neste estado de êxtase
que Bil’am parece prever um rei que iria ser maior que os demais reis
israelitas (Vers. 17-24). Sobre este particular, nos parece que o tempo do fim
é anunciado e, como os profetas do Tanach, começa a sentenciar os inimigos de
Israel. Se espanta com os “juízos contra os povos” (vers. 23) e por fim faz uma
previsão extraordinária ao dizer:
“E as naus virão das costas de kitim e
afligirão a Assur; também afligirão a Éber; que também será para destruição.”
(Bamidbar/Números 24.24)
Isto é extremamente interessante porque os “Kitim” foram
identificados como os conquistadores que chegavam dos lados do mar Mediterrâneo 1 Mac 1,1; 8,5; Dn 11,30. (Collins 1998 93; Hadas-Lebel 1990 40-43;
339-341) Ou seja, gregos e romanos. Corroborando com essa afirmativa, vemos
que nos pesharim, (método essênio de Interpretações das profecias bíblicas), os
“kitim” eram identificados como o exército romano .Éber aqui mencionado seria
uma referencia aos seus descendentes e não propriamente ele, portanto, os hebreus! Teria Bil’am
visto o cativeiro de Israel sob Roma?
O Mashiach e o misticismo.
Outra curiosidade despertada nesta sedrá é o fato de Bil’am
prever, ou mesmo, reconhecer os ‘Messias’ israelitas somente sob Ruach Elohim.
E ao longo da história israelita, foi a partir de experiências desta natureza,
que alguns renomados rabinos fizeram declarações (confissões) que até os dias
de hoje causam certo mal estar nos círculos mais tradicionais do judaísmo. Refiro-me,
dentre outros, a: Rabino Daniel Zion; Rabino Yechiel Tzvi Lichtenstein e Rabino
Yitzchak Kaduri (que deixou um bilhete para ser lido um ano após sua morte, o
qual dizia ter o nome do mashiach, causando grande discussão entre seus
talmidim/discípulos). Todos eles eram místicos proeminentes e suas biografias
podem ser exploradas pela net, pois são amplamente divulgadas contendo, inclusive, obras acessíveis a todos os interessados.
Considerações finais.
Algumas curiosidades sobre Bil’am podem ser encontradas com mais detalhes na
enciclopédia judaica abaixo, estão transcritas algumas delas:
“Balaão é representado
como um dos sete profetas pagãos; os outros seis seriam o pai de Balaão, Yov
(Jó) e seus quatro amigos (B.b. 15b). Gradualmente, ele adquiriu uma posição
entre os pagãos tão exaltada como a de Moisés entre o povo escolhido (Num. R. xx.
1). Primeiramente, um mero intérprete de sonhos, mais tarde
Balaão tornou-se um mágico, até que finalmente o espírito de profecia
desceu sobre ele (IB. 7). Ele possuía o dom especial de ser capaz de determinar
o momento exato em que O
Eterno estria irado — um dom outorgado a nenhuma outra
criatura. Balaão pretendia amaldiçoar os israelitas neste momento da ira; mas
O Eterno propositadamente conteve a sua ira para confundir o perverso Profeta e
salvar a nação do extermínio (Ber. 7a). Quando a lei foi dada a Israel, uma voz
poderosa abalou os fundamentos da terra; para que todos os reis tremessem e em
sua consternação reuniram-se com Balaão, perguntando se esta convulsão da
natureza pressagiavam um segundo dilúvio; mas o Profeta assegurou-lhes que o que
eles ouviram era a voz do todo poderoso que dava a Lei sagrada ao seu povo, os
filhos de Israel (Zeb. 116).
No entanto, é
significativo que, na literatura rabínica, o epíteto "Ana" (maligno)
muitas vezes é anexado ao nome de Balaão (Ber. l.c.; Taanit 20a; Num. R. xx.
14). Ele é retratado como cego de um olho e coxo em um pé (San. 105a); e seus
discípulos (seguidores) distinguem três qualidades moralmente corruptas, um
mau-olhado, altivez e avareza — qualidades a exatamente opostas
daquelas que caracterizam os discípulos de Abraão (AB. v. 19; compare Tan.,
Balaque, 6). Balaão recebeu a comunicação divina à noite somente — uma
limitação que se aplica também a outros profetas pagãos (Num. R. xx. 12).”
Outra declaração interessante encontra-se no tratado San’hedrin
10.2:90A, onde diz que ele conheceu sua morte na idade de trinta e três anos e
que ele não teria parte alguma no “Olam habá” (mundo vindouro). Esta declaração
pode ser uma forma de associar Yeshua (que segundo a tradição cristã teria
morrido aos trinta e três anos) a este personagem tão odiado, já que ele, igualmente tambén era odiado por muitos judeus...Esta declaração revela também que existe uma contradição entre esta suposta idade da morte com a ideia de Bil'am ter sido um dos conselheiros de Faraó.
Shabat Shalom!!!
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