Por Yochanan ben Avraham
Introdução.
Na sedrá deste Shabat, iremos analisar a vingança contra os
midianitas. Obviamente, não é nada confortável falar de um assunto que envolve
guerra, mortes e suas conseqüências como forma de implantação de uma justiça,
pois isto vai de encontro a muitos discursos atuais, que visam a coexistência
entre povos de culturas diferentes sob a égide da “Paz”. Certamente muitas
discussões paralelas podem surgir e, se de forma anacrônica avaliarmos os
textos, estaremos muito longe de enxergar os princípios que o perek (capítulo)
31 de Bamidbar (Números) quer nos ensinar.
Elimine o mal antes que seja tarde!
Interessante observamos a ordem dada a Moshe:
“Vinga os filhos de Israel dos midianitas, e depois serás juntado ao
teu povo...”
Moshe deveria empreender uma campanha contra o povo que
muito prejudicou a Israel durante sua peregrinação, causando uma praga que
ocasionou em vinte e quatro mil mortes. Depois disso, ele seria “juntado ao seu
povo”, ou seja, morreria.
Moshe foi o homem chamado a conduzir o povo à uma terra que
manava leite e mel, a nível de explicação, poderíamos dizer que ele representa
a consciência de alguém que pretende adentrar as promessas do Eterno, o “Olam
Haba” (mundo vindouro). Sendo assim, analogamente, entendemos que antes de
morrer, devemos eliminar tudo aquilo que pode nos desviar da Vida. Esta Vida é
a promessa dada em Devarim (Deuteronômio) 30.15-20:
Vês aqui, hoje te tenho proposto a vida e o bem, e a morte e o mal;
Porquanto te ordeno hoje que ames a YHWH teu Elohim, que andes nos seus
caminhos, e que guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus
juízos, para que vivas, e te multipliques, e YHWH teu Elohim te abençoe na
terra a qual entras a possuir.
Porém se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores
seduzido para te inclinares a outros deuses, e os servires,
Então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis; não prolongareis
os dias na terra a que vais, passando o Jordão, para que, entrando nela, a
possuas;
Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho
proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que
vivas, tu e a tua descendência,
Amando a YHWH teu Elohim, dando ouvidos à sua voz, e achegando-te a
ele; pois ele é a tua vida, e o prolongamento dos teus dias; para que fiques na
terra que o Senhor jurou a teus pais, a Abraão, a Isaque, e a Jacó, que lhes
havia de dar.
É enquanto estamos vivos que podemos fazer algo, por mais
óbvio que isso possa parecer, muitos acreditam que depois que morremos temos
como interferir no dia a dia das pessoas... Vejamos a opinião do sábio Sh’lomo:
Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,
porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma. (Kohelet/Eclesiastes 9.10)
Entendendo a Vingança.
A expressão: נקם
“nekom” (Vinga) vem da raiz “nakam”(vingar; vingança) e se não conhecermos o conceito de
“vingança” em seu devido contexto, muitos mal-entendidos podem ocorrer.
Em primeiro lugar, devemos entender que a vingança aqui
mencionada tem sua origem no Eterno e não no homem! Isto significa que a
situação descrita nos fala da santidade e justiça do Eterno sobre aqueles que
transgridem seus mandamentos (Torah). Neste caso, quando O Eterno ordena que
parte dos israelitas saíssem contra os midianitas, eles estariam sendo instrumentos
do Eterno, como “oficiais de justiça” indo comunicar a sentença do Juiz de toda
a terra, contra àqueles transgressores. Provavelmente, era isto que o salmista
tinha em mente quando escreveu:
Ó YHWH EL, a quem a vingança pertence, ó EL, a quem a vingança
pertence, mostra-te resplandecente.
Exalta-te, tu, que és juiz da terra; dá a paga aos soberbos. (Tehilim/Salmos
94.1-2)
Por que tanto rigor contra os midianitas?
Midian era o nome de um dos filhos que Avraham teve de
Keturah (Ver Bereshit/Genesis 25.2). Logo, os midianitas eram os seus
descendentes, ou seja, Midian era meio irmão de Yits’chak, o herdeiro da
promessa. Mas apesar desta “proximidade”, os rumos foram completamente distintos,
pois ao que parece Midian seguiu o caminho da idolatria como constatamos a
seguir:
Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo:
Afligireis os midianitas e os ferireis,
Porque eles vos afligiram a vós com os seus enganos com que vos
enganaram no caso de Peor... (Bamidbar/Números 25.16-18)
O fato de serem descendentes de Avraham, não os livrou de
uma sentença rigorosa, isto nos mostra que não basta ser “filho da Avraham pelo
sangue” se não somos “filhos pela fidelidade”!
Quanto mais próximos de um conhecimento, quanto mais
informação temos acerca de algo, maior é nossa responsabilidade e maior será o
rigor com que seremos avaliados.
Mas aparentemente não foi necessariamente isso que causou
tamanho rigor por parte do Eterno, e sim o fato dos midianitas, conforme diz o
texto, enganar e seduzir os filhos de Israel ao erro, e assim como a serpente
foi julgada com rigor no relato da criação em Bereshit (Genesis) 3. 14 e 15, os
midianitas também foram.
Um memorial vivo.
Uma das coisas que nos chama a atenção neste relato, é o
envio de sacerdotes e objetos sagrados ao campo de batalha, isso demonstra que
a ação não estava desconectada dos valores espirituais e religiosos. Vemos aqui
um grande ensinamento para os dias atuais, a saber: Tudo têm uma causa e
conseqüência para a vida espiritual, por isso, mesmo em situações aparentemente
inconseqüentes e inofensivas, ou nas mais difíceis e dramáticas, não podemos
perder de vista os princípios que regem a vida de nosso povo. A presença de
Pinchas no campo de batalha era uma forma de lembrar aos combatentes o porque
de estarem ali, pois foi Pinchas com o seu zelo, que fez cessar a praga no
arraial israelita ao derramar o sangue de Zimri e Kosbi, a midianita:
Vendo isso Finéias (Pinchas), filho de Eleazar, o filho de Arão,
sacerdote, se levantou do meio da congregação, e tomou uma lança na sua mão;
E foi após o homem israelita até à tenda, e os atravessou a ambos, ao
homem israelita e à mulher, pelo ventre; então a praga cessou de sobre os
filhos de Israel.
(Bamidbar/Números 25.7-8)
Perversão ou Prevenção?
Nos passukim (versículos) 14 e 15, vemos a indignação de
Moshe se acender contra os líderes dos exércitos israelitas, ao ver as mulheres
e crianças midianitas sendo trazidas vivas, quando a ordem era outra. O que se
segue é um cenário muito difícil de assimilar se olharmos com a perspectiva
atual, pois o que vemos é uma ordem de matar mulheres cativas e todos os
meninos que foram trazidos. Isso não seria uma perversão do princípio da
misericórdia? Para avaliarmos a questão, devemos ter em mente que foram as
mulheres midianitas os instrumentos do mal, que aceitaram as instruções de
Bil’am e que levaram vinte e quatro mil israelitas à morte.
E os meninos... O que eles tinham a ver com isso? Na
verdade, a morte destes meninos, assim como das mulheres, foi uma forma de
prevenção de problemas futuros, pois a história israelita demonstra que quando
esta forma de juízo não foi executada, nosso povo sofreu graves ameaças de
extinção:
Depois destas coisas o rei Assuero engrandeceu a Hamã, filho de
Hamedata, agagita, e o exaltou, e pôs o seu assento acima de todos os príncipes
que estavam com ele.
(Ester 3.1)
Acima lemos sobre a ascensão de Haman (que seu nome seja
apagado!) ao poder, este homem veio a ser um dos maiores inimigos de nosso
povo. Agora, vejamos outros textos:
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Eu me recordei do que fez Amaleque a
Israel; como se lhe opôs no caminho, quando subia do Egito.
Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que
tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os
meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até
aos jumentos.
O que Saul convocou ao povo, e os contou em Telaim, duzentos mil homens
de pé, e dez mil homens de Judá. (She’muel alef/1 Samuel 15.2-4)
Então feriu Saul aos amalequitas desde Havilá até chegar a Sur, que
está defronte do Egito.
E tomou vivo a Agague, rei dos amalequitas; porém a todo o povo
destruiu ao fio da espada.
E Saul e o povo pouparam a Agague, e ao melhor das ovelhas e das vacas,
e as da segunda ordem, e aos cordeiros e ao melhor que havia, e não os quiseram
destruir totalmente; porém a toda a coisa vil e desprezível destruíram
totalmente.
Então veio a palavra do Senhor a Samuel, dizendo:
Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me
seguir, e não cumpriu as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a
noite clamou ao Senhor. (Sh’muel alef/1 Samuel 15:7-11)
Entendemos então que ao não cumprir a ordem de matar Agag,
Sha’ul permitiu que uma semente maligna sobrevivesse e, de fato, segundo o
Midrash Ester Rabá, Hamán era descendente de Amalec. Mas de onde o midrash tira
esta informação?
Simples. Pois como vimos acima, no capítulo citado do livro
de Ester, Hamán é chamado de “HaAgaguí”, ou de “filho de Hamdata HaAgaguí”.
“Agaguí” significa relativo à Agag, ou descente de Agag. Logo, se Agag era o
rei dos Amalekitas, e se Hamán era descendente de Agag, então, Hamán é
amalekita. Na literatura rabínica “Agaguí” e “Amalekita” são sinônimos.
Com este exemplo, entendemos que a lógica por trás da ordem
de matar os meninos, era: “não devemos poupar aquilo que pode nos matar.” Pois
certamente, se isso fosse feito, muitos inimigos iriam se levantar com o desejo
de vingança contra Israel, como no futuro veio a acontecer com Haman.
Israel, nada mais fez do que exercer o juízo que O Eterno
determinou contra àqueles que se opuseram aos Seus planos para com seus
escolhidos e por causa desta condição de representante da Justiça Celestial tem
sofrido, ao longo dos anos o ódio daqueles que estão alheios aos oráculos de
YHWH. Contudo, apesar da incompreensão que têm gerado ameaças contra Israel
cremos que:
Elohim é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia.
Portanto não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os
montes se transportem para o meio dos mares.
Ainda que as águas rujam e se perturbem, ainda que os montes se abalem
pela sua braveza. (Selá.) (Tehilim/Salmos 46.1-3)
Shabat Shalom!!!
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