sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sedrá para o Shabat de 24/08/13 (Bamidbar 31)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Na sedrá deste Shabat, iremos analisar a vingança contra os midianitas. Obviamente, não é nada confortável falar de um assunto que envolve guerra, mortes e suas conseqüências como forma de implantação de uma justiça, pois isto vai de encontro a muitos discursos atuais, que visam a coexistência entre povos de culturas diferentes sob a égide da “Paz”. Certamente muitas discussões paralelas podem surgir e, se de forma anacrônica avaliarmos os textos, estaremos muito longe de enxergar os princípios que o perek (capítulo) 31 de Bamidbar (Números) quer nos ensinar.

Elimine o mal antes que seja tarde!

Interessante observamos a ordem dada a Moshe:

“Vinga os filhos de Israel dos midianitas, e depois serás juntado ao teu povo...”

Moshe deveria empreender uma campanha contra o povo que muito prejudicou a Israel durante sua peregrinação, causando uma praga que ocasionou em vinte e quatro mil mortes. Depois disso, ele seria “juntado ao seu povo”, ou seja, morreria.
Moshe foi o homem chamado a conduzir o povo à uma terra que manava leite e mel, a nível de explicação, poderíamos dizer que ele representa a consciência de alguém que pretende adentrar as promessas do Eterno, o “Olam Haba” (mundo vindouro). Sendo assim, analogamente, entendemos que antes de morrer, devemos eliminar tudo aquilo que pode nos desviar da Vida. Esta Vida é a promessa dada em Devarim (Deuteronômio) 30.15-20:

Vês aqui, hoje te tenho proposto a vida e o bem, e a morte e o mal;
Porquanto te ordeno hoje que ames a YHWH teu Elohim, que andes nos seus caminhos, e que guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos, para que vivas, e te multipliques, e YHWH teu Elohim te abençoe na terra a qual entras a possuir.
Porém se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido para te inclinares a outros deuses, e os servires,
Então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis; não prolongareis os dias na terra a que vais, passando o Jordão, para que, entrando nela, a possuas;
Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência,
Amando a YHWH teu Elohim, dando ouvidos à sua voz, e achegando-te a ele; pois ele é a tua vida, e o prolongamento dos teus dias; para que fiques na terra que o Senhor jurou a teus pais, a Abraão, a Isaque, e a Jacó, que lhes havia de dar.

É enquanto estamos vivos que podemos fazer algo, por mais óbvio que isso possa parecer, muitos acreditam que depois que morremos temos como interferir no dia a dia das pessoas... Vejamos a opinião do sábio Sh’lomo:
Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma. (Kohelet/Eclesiastes 9.10)

Entendendo a Vingança.

A expressão:  נקם “nekom” (Vinga) vem da raiz “nakam”(vingar; vingança) e se não conhecermos o conceito de “vingança” em seu devido contexto, muitos mal-entendidos podem ocorrer.
Em primeiro lugar, devemos entender que a vingança aqui mencionada tem sua origem no Eterno e não no homem! Isto significa que a situação descrita nos fala da santidade e justiça do Eterno sobre aqueles que transgridem seus mandamentos (Torah). Neste caso, quando O Eterno ordena que parte dos israelitas saíssem contra os midianitas, eles estariam sendo instrumentos do Eterno, como “oficiais de justiça” indo comunicar a sentença do Juiz de toda a terra, contra àqueles transgressores. Provavelmente, era isto que o salmista tinha em mente quando escreveu:

Ó YHWH EL, a quem a vingança pertence, ó EL, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente.
Exalta-te, tu, que és juiz da terra; dá a paga aos soberbos. (Tehilim/Salmos 94.1-2)

Por que tanto rigor contra os midianitas?

Midian era o nome de um dos filhos que Avraham teve de Keturah (Ver Bereshit/Genesis 25.2). Logo, os midianitas eram os seus descendentes, ou seja, Midian era meio irmão de Yits’chak, o herdeiro da promessa. Mas apesar desta “proximidade”, os rumos foram completamente distintos, pois ao que parece Midian seguiu o caminho da idolatria como constatamos a seguir:

Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo:
Afligireis os midianitas e os ferireis,
Porque eles vos afligiram a vós com os seus enganos com que vos enganaram no caso de Peor... (Bamidbar/Números 25.16-18)

O fato de serem descendentes de Avraham, não os livrou de uma sentença rigorosa, isto nos mostra que não basta ser “filho da Avraham pelo sangue” se não somos “filhos pela fidelidade”!
Quanto mais próximos de um conhecimento, quanto mais informação temos acerca de algo, maior é nossa responsabilidade e maior será o rigor com que seremos avaliados.
Mas aparentemente não foi necessariamente isso que causou tamanho rigor por parte do Eterno, e sim o fato dos midianitas, conforme diz o texto, enganar e seduzir os filhos de Israel ao erro, e assim como a serpente foi julgada com rigor no relato da criação em Bereshit (Genesis) 3. 14 e 15, os midianitas também foram.

Um memorial vivo.

Uma das coisas que nos chama a atenção neste relato, é o envio de sacerdotes e objetos sagrados ao campo de batalha, isso demonstra que a ação não estava desconectada dos valores espirituais e religiosos. Vemos aqui um grande ensinamento para os dias atuais, a saber: Tudo têm uma causa e conseqüência para a vida espiritual, por isso, mesmo em situações aparentemente inconseqüentes e inofensivas, ou nas mais difíceis e dramáticas, não podemos perder de vista os princípios que regem a vida de nosso povo. A presença de Pinchas no campo de batalha era uma forma de lembrar aos combatentes o porque de estarem ali, pois foi Pinchas com o seu zelo, que fez cessar a praga no arraial israelita ao derramar o sangue de Zimri e Kosbi, a midianita:

Vendo isso Finéias (Pinchas), filho de Eleazar, o filho de Arão, sacerdote, se levantou do meio da congregação, e tomou uma lança na sua mão;
E foi após o homem israelita até à tenda, e os atravessou a ambos, ao homem israelita e à mulher, pelo ventre; então a praga cessou de sobre os filhos de Israel.
(Bamidbar/Números 25.7-8)

Perversão ou Prevenção?

Nos passukim (versículos) 14 e 15, vemos a indignação de Moshe se acender contra os líderes dos exércitos israelitas, ao ver as mulheres e crianças midianitas sendo trazidas vivas, quando a ordem era outra. O que se segue é um cenário muito difícil de assimilar se olharmos com a perspectiva atual, pois o que vemos é uma ordem de matar mulheres cativas e todos os meninos que foram trazidos. Isso não seria uma perversão do princípio da misericórdia? Para avaliarmos a questão, devemos ter em mente que foram as mulheres midianitas os instrumentos do mal, que aceitaram as instruções de Bil’am e que levaram vinte e quatro mil israelitas à morte.
E os meninos... O que eles tinham a ver com isso? Na verdade, a morte destes meninos, assim como das mulheres, foi uma forma de prevenção de problemas futuros, pois a história israelita demonstra que quando esta forma de juízo não foi executada, nosso povo sofreu graves ameaças de extinção:

Depois destas coisas o rei Assuero engrandeceu a Hamã, filho de Hamedata, agagita, e o exaltou, e pôs o seu assento acima de todos os príncipes que estavam com ele.
(Ester 3.1)

Acima lemos sobre a ascensão de Haman (que seu nome seja apagado!) ao poder, este homem veio a ser um dos maiores inimigos de nosso povo. Agora, vejamos outros textos:

Assim diz o Senhor dos Exércitos: Eu me recordei do que fez Amaleque a Israel; como se lhe opôs no caminho, quando subia do Egito.
Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos.
O que Saul convocou ao povo, e os contou em Telaim, duzentos mil homens de pé, e dez mil homens de Judá. (She’muel alef/1 Samuel 15.2-4)

Então feriu Saul aos amalequitas desde Havilá até chegar a Sur, que está defronte do Egito.
E tomou vivo a Agague, rei dos amalequitas; porém a todo o povo destruiu ao fio da espada.
E Saul e o povo pouparam a Agague, e ao melhor das ovelhas e das vacas, e as da segunda ordem, e aos cordeiros e ao melhor que havia, e não os quiseram destruir totalmente; porém a toda a coisa vil e desprezível destruíram totalmente.
Então veio a palavra do Senhor a Samuel, dizendo:
Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a noite clamou ao Senhor. (Sh’muel alef/1 Samuel 15:7-11)

 Entendemos então que ao não cumprir a ordem de matar Agag, Sha’ul permitiu que uma semente maligna sobrevivesse e, de fato, segundo o Midrash Ester Rabá, Hamán era descendente de Amalec. Mas de onde o midrash tira esta informação?
Simples. Pois como vimos acima, no capítulo citado do livro de Ester, Hamán é chamado de “HaAgaguí”, ou de “filho de Hamdata HaAgaguí”. “Agaguí” significa relativo à Agag, ou descente de Agag. Logo, se Agag era o rei dos Amalekitas, e se Hamán era descendente de Agag, então, Hamán é amalekita. Na literatura rabínica “Agaguí” e “Amalekita” são sinônimos.
Com este exemplo, entendemos que a lógica por trás da ordem de matar os meninos, era: “não devemos poupar aquilo que pode nos matar.” Pois certamente, se isso fosse feito, muitos inimigos iriam se levantar com o desejo de vingança contra Israel, como no futuro veio a acontecer com Haman.
Israel, nada mais fez do que exercer o juízo que O Eterno determinou contra àqueles que se opuseram aos Seus planos para com seus escolhidos e por causa desta condição de representante da Justiça Celestial tem sofrido, ao longo dos anos o ódio daqueles que estão alheios aos oráculos de YHWH. Contudo, apesar da incompreensão que têm gerado ameaças contra Israel cremos que:

Elohim é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia.
Portanto não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares.
Ainda que as águas rujam e se perturbem, ainda que os montes se abalem pela sua braveza. (Selá.) (Tehilim/Salmos 46.1-3)


Shabat Shalom!!!

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