sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sedrá para o Shabat de 28/09/13 (Bamidbar 36)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Neste shabat alcançamos o último capítulo do Sefer Bamidbar (Livro de Números), é o momento de dizermos uns aos outros: “chazk chazak venit chazek! (Força força que sejamos fotalecidos!). Ao completar mais este ciclo, fica a certeza que a palavra de Elohim não se envelhece, por isso, ao estudá-la, somos revigorados para continuarmos nossa jornada e ao meditar em seus princípios, impedimos que as trevas dominem nossos pensamentos.
É cultivando os princípios da Torah em nosso coração, que ações justas e benéficas fluirão naturalmente de cada um de nós, ações que podem transformar o mundo trazendo luz àqueles que estão a nossa volta.
Na sedrá de hoje, comentaremos sobre a manutenção da herança entre as tribos, situação que foi decidida após uma variante que ocorreu durante a peregrinação, a herança das filhas de Tselofchad.

Zelando pela herança.

O perek (capítulo) trinta e seis se inicia com uma espécie de protesto por parte dos “roshim” (cabeças/líderes) da tribo de Menashe, por causa da diminuição de sua herança por causa dos eventuais casamentos das filhas de Tselofchad com membros de outras tribos. Se olharmos sob uma perspectiva materialista, poderemos encarar o episódio como uma manifestação gananciosa e egoísta por parte destes homens. Porém, em nenhum momento do capítulo temos a mínima impressão de que tanto O Eterno quanto Moshe e os demais roshim das outras tribos, censurarem este “protesto”, muito pelo contrário! Vemos isto ser encarado como uma causa justa. Sendo assim, com o respaldo deste relato da Torah, extraímos a primeira lição para nós. Devemos zelar por aquilo que nos foi dado.
Os líderes de Menashe evocaram em seu discurso as palavras de Elohim:

E disseram: A meu senhor ordenou O Eterno dar a terra de herança por sorteio, aos filhos de Israel, e meu senhor foi ordenado pelo Eterno para dar a herança de Tselofchad, nosso irmão, às suas filhas. (Bamidbar/Números 36.2)

O posicionamento daqueles homens foi tão correto que a partir desta situação um decreto foi baixado em Israel:

Isto é o que ordenou O Eterno acerca das filhas de Tselofchad, dizendo: Com aquele que agradar aos seus olhos, casarão, contanto que se casem na família da tribo de seu pai; e não passará a herança dos filhos de Israel de tribo em tribo, pois os filhos de Israel hão de se vincular cada qual à herança da tribo de seus pais. E toda filha que receber uma herança das tribos dos filhos de Israel, com alguém da família da tribo de seu pai casará, a fim de que herdem os filhos de Israel, cada um, a herança de seus pais; e não passará a herança de uma tribo a outra tribo, pois os filhos de Israel  hão de se vincular cada qual à sua herança. (Bamidbar/Números 36.6-9)

Numa sociedade agrícola ainda em formação, esta era uma situação crucial para o estabelecimento de uma justiça agrária que certamente evitaria problemas sociais posteriores, mas atualmente, diante de todas as mudanças ocorridas ao longo dos séculos e a diversidade socioeconômica hoje vivida, talvez não fique claro aos cidadãos contemporâneos, os valores defendidos pelos líderes de Menashe. No entanto, se “espiritualizarmos” a situação, certamente tiramos grandes lições para o nosso viver.
A palavra utilizada no texto para descrever herança é נחלה (nachalah), relacionado com algo que pertence a alguém em virtude de um direito antigo. É interessante observarmos que esta palavra tem como sinônimo próximo a palavra מורשה (morashah), com isso em mente, vejamos o que diz D’varim/Deuteronômio 33.4:

 A Torah (instrução) que nos ordenou Moshe, Morashah (herança) é para a Kehilat (congregação) de Ya’akov.

Fazendo a conexão entre os textos mediante os termos “nachalah” e “morashah”, e aplicando o mesmo princípio, entendemos que devemos ter cuidado em nossas relações para não perdermos nossa maior herança. De fato, a Torah sempre demonstrou uma atenção especial a este aspecto, o cuidado com as relações com membros de outras culturas para não se perder a identidade:

Quando YHWH Eloheicha te houver introduzido na terra, à qual vais para a possuir, e tiver lançado fora muitas nações de diante de ti, os heteus, e os girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os perizeus, e os heveus, e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; E YHWH Eloheicha as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas;
Nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos, e não tomarás suas filhas para teus filhos; Pois fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira de YHWH se acenderia contra vós, e depressa vos consumiria.
(D’varim/Deuteronômio 7.1-4)

Aprendemos aqui que devemos lutar, protestar e reivindicar por nossa herança, quando esta está sob “ameaças”. Não podemos consentir passivamente que ela seja tirada de nós. Devemos estar atentos a nossas relações para não permitir que sejamos influenciados a deixar a Torah, mas manter nossas convicções através do estudo, meditação e  prática de seus valores eternos.

Um brinde a diversidade.

Outra lição que aprendemos neste último capítulo pode ser observada a partir da expressão: “a fim de que herdem os filhos de Israel, cada um, a herança de seus pais; e não passará a herança de uma tribo a outra tribo...”
Devemos lembrar que cada tribo tinha sua bandeira, seu símbolo e cada tribo era representada por uma pedra preciosa no peitoral do cohen gadol (sumo sacerdote). Tudo isso indica a singularidade de cada uma delas, esse detalhe aponta para algo muito precioso, mas que nem sempre nos damos conta, me refiro ao fato de sermos únicos. Cada pessoa nesse mundo nasceu com características próprias: inteligências, habilidades, aparências e etc. que nos tornam “inéditos”! Mas nos deixamos levar pelos estereótipos, pela uniformização imposta pela sociedade, na verdade, nem todos estão preparados para a globalização e devido a isso, ao discurso do capitalismo predominante, somos induzidos a um consumismo desenfreado, onde se começa a querer o que o outro tem, ser o que o outro é, pois se não tem e nem se é o que está estabelecido no “status quo”, o indivíduo é, em vias de regra, discriminado.

Cada tribo tinha uma característica, Israel é um corpo cuja cabeça é o Mashiach, quando se entende isso vemos que as diferenças existem para trazer complemento e não conflito. No primeiro século desta era, este conceito foi muito bem explicado:

Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.
Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?
E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo?
Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora O Eterno colocou os membros no corpo, cada um deles como quis.
E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?
Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo.
E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós.
Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários;
E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.
Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas O Eterno assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela;
Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros.
De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.
(Curintayah alef/1 Coríntios 12.14-26)

Neste texto, Sha’ul (Paulo) esta se referindo a Israel, tratando-o de forma análoga como corpo, muito provavelmente tendo em mente o livro de Oshea (Oseias), pois ao se referir a Israel como corpo do Mashiach, há uma evidente conexão com o que disse o profeta:

E os filhos de Judá e os filhos de Israel juntos se congregarão, e constituirão sobre si uma só cabeça, e subirão da terra; porque grande será o dia de Jizreel.
(Oshea/Oséias 1.11)

Isto fica mais claro, quando ele menciona membros “menos honrosos”, pois é desta forma que Efraim (Israel/10 tribos do norte são chamadas em Oshea) e combinando com o que diz a segunda epístola a Timóteo, a associação é inevitável:

Israel foi devorado; agora está entre os gentios como um vaso em que ninguém tem prazer. (Oshea/Oséias 8.8)

Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. (2 Timóteo 2.20)

As dez tribos se misturaram com outras nações e perderam sua herança (física e espiritual), por muitos séculos têm estado perdida, mas aos poucos seus membros têm sido despertados e estão retornando conforme a promessa do Eterno.

Conclusão.

Se atentarmos para o que diz o último dos “asseret ha dibrot (dez ditos):

Não cobiçaras a casa de teu próximo; não cobiçaras a mulher de teu próximo, seu servo, sua serva, seu boi, seu asno, e tudo que seja de teu próximo.
(Shemot/Êxodo 20.17)

Perceberemos que este mandamento se torna muito difícil de observar se considerarmos a perspectiva apresentada, mas se passarmos a ser mais gratos pelo que temos e somos, entendendo que cada um tem seu valor e sua porção nesta vida, certamente viveremos melhor, livres da opressão e stress impostos pelo ritmo da “vida” contemporânea.

Shabat Shalom!!!

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Paulo ou Marcião? Identificando o apóstata.

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Todas as pessoas que foram despertadas para um retorno às veredas antigas que, diga-se de passagem, nada mais é do que a observância da Torah com o entendimento de que ela é O Caminho para a vida, sofreram (e ainda sofrem) “ataques” de pessoas, (muitas vezes bem próximas), por causa de suas convicções e “novas” práticas adotadas. Ofensas do tipo: “Isto é um retrocesso!”; “Assim você cai da graça!” Ou ainda, “Isso é loucura!” Foram e ainda são comuns na vida daqueles que partiram em busca de um “modus vivendis” mais próximo daquilo que se entende como bíblico.
Em vias de regra, os acusadores são em sua grande maioria, adeptos do cristianismo, seja este católico romano ou católico reformado (protestantes/evangélicos) e baseiam suas acusações nos ensinamentos de Paulo (cujo nome verdadeiro é Sha’ul), pois segundo eles, Paulo ensina por meio de suas epístolas que a graça substituiu a Lei e que agora devemos pautar nossas vidas no “Novo Testamento”, pois este substitui o “Velho Testamento”, a própria designação destas obras como “Novo” e “Velho” exprimem bem o objetivo desta proposta doutrinária.
A pergunta que fazemos é: Teria Paulo (Sha’ul) ensinado isto? Se você é um estudante tanto do “Velho” quanto do “Novo” Testamento, certamente já ouviu algo do tipo: “Sha’ul (Paulo) era contrário a Lei/Torah.” “Sha’ul (Paulo) é o fundador do cristianismo”
Mas será que estas afirmações são verdadeiras? Bem... Pode ser que sim, pode ser que não, depende do objetivo de quem argumenta, pois muitos séculos se passaram desde que esse controverso judeu do primeiro século deixou esta vida e muito já foi dito e escrito sobre ele, de modo que a verdade pode estar misturada demais com as lendas a seu respeito para se saber algo com clareza e chegarmos a uma conclusão. Contudo, podemos ter uma noção de seu pensamento e verificar se ele realmente pregou contra a Torah.

Quem Foi Paulo (Sha’ul)?

Existe uma grande diversidade de opiniões sobre ele, uns o consideram anátema, outros, pelo contrário, o tem como um emissário do Reino dos Céus. Por isso, considerando os interesses e as conveniências sempre presentes, tentaremos de forma imparcial, apresentar alguns dados históricos que podem nos ajudar a entendermos um pouco mais sobre Paulo (Sha’ul) e seu legado doutrinário. Obviamente este artigo não tem a pretensão de ser uma biografia, mas se propõe a convidar aos interessados a uma análise e possível revisão em suas opiniões, caso estas já estejam formadas e estabelecidas em suas mentes.
Nosso ponto de partida para conhecer o pensamento de Paulo (Sha’ul) é o Novo Testamento, pois independente do que pensam as pessoas, tal obra é um documento importante que, mesmo sofrendo muitas inserções que corromperam bastante seu conteúdo, não deixa de nos dar boas informações sobre a forma de como diversos grupos judaicos observavam a Torah.
Com isso em mente, vamos deixar que o próprio Paulo (Sha’ul) se apresente:

Eu (Paulo/Sha’ul):
Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo (Mashiach/Messias). (Filipenses 3.4-7)

Quanto a mim (Paulo/Sha’ul), sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, e nesta cidade criado aos pés de Gamaliel, instruído conforme a verdade da lei de nossos pais, zelador de Elohim, como todos vós hoje sois. E persegui este caminho até a morte, prendendo, e pondo em prisões, tanto homens como mulheres, como também o sumo sacerdote me é testemunha, e todo o conselho dos anciãos. E, recebendo destes cartas para os irmãos, fui a Damasco, para trazer maniatados para Jerusalém aqueles que ali estivessem, a fim de que fossem castigados. Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? (Atos 22.3-7)

Mas confesso-te isto que, conforme aquele caminho que chamam seita, assim sirvo ao Elohim de nossos pais, crendo tudo quanto está escrito na lei e nos profetas. Tendo esperança em Elohim, como estes mesmos também esperam, de que há de haver ressurreição de mortos, assim dos justos como dos injustos. (Atos 24.14-15)

Segundo as descrições acima, podemos resumir a identidade de Paulo (Sha’ul) da seguinte forma: Ele era um judeu descendente do Reino do Sul, mais especificamente da tribo de Biniamim (Benjamim), e falando em termos quantitativos, pertencente ao maior grupo judaico da época os “p’rushim” (Fariseus), termo que significa separados; afastados, interpretado como "aqueles que se separaram" do resto da população comum para se consagrar ao estudo da Torah e das suas tradições.  Este grupo tinha duas facções principais que são conhecidas historicamente como Beit Hillel, cuja interpretação da Torah enfatizava o ‘espírito da Torah’ e Beit Shamai, que por sua vez, enfatizava a ‘letra da torah’. Percebe-se, que Paulo gozava de certo status dentro do grupo, pois tinha autoridade delegada para prender aqueles que eram considerados pelos “p’rusim” (fariseus) como “minim” (hereges), heresia esta que consistia em reconhecer o Rabi Yeshua Ha Netsari (o Nazareno) como o Mashiach (Messias). Depois de algum tempo, após uma experiência pessoal na estrada de Damasco, se tornou adepto do mesmo seguimento a que perseguia, e conforme sua confissão posterior continuava CRENDO EM TUDO QUE ESTAVA NA TORAH E NOS PROFETAS, isso demonstra que os primeiros seguidores de Rabi Yeshua, eram praticantes da Lei (Torah) como afirmou Epifânio, (um judeu helenizado que viveu no Século III e se converteu ao cristianismo):

“Mas estes sectários… não se chamavam de cristãos – mas de ‘Nazarenos’… contudo, são simplesmente judeus completos. Eles não só usam o Novo Testamento como também o Antigo Testamento, como o fazem os judeus… Eles não possuem diferentes idéias, mas confessam tudo exatamente como a Torá descreve e na forma judaica – exceto, porém, por sua crença no Messias. Pois eles reconhecem tanto a ressurreição dos mortos quanto a criação divina de todas as coisas, e declaram que Elohim é Um, e que o Seu Filho é Yeshua o Messias. Eles são bem treinados no hebraico. Pois dentre eles a Torá inteira, os Nevi’im (Profetas) e… os Ketuvim (Escritos)… são lidos em hebraico, como certamente o são entre os judeus. Eles são diferentes dos judeus, e diferentes dos cristãos, apenas no seguinte: Eles discordam dos judeus porque chegaram à fé no Messias; mas como eles ainda estão na Torá... Eles não estão de acordo com os cristãos… eles não são nada mais do que judeus… Eles possuem as Boas Novas de acordo com Matitiyahu (Mateus) completamente em hebraico. Pois, está claro que eles ainda preservam-nas no alfabeto hebraico, tal qual foram escritas originalmente.” (Epifânio: Panarion 29)

Embora Paulo (Sha’ul) tenha “virado a casaca”, deixando de ser “P’rushim” (Fariseu) para se tornar um Netzarim (Nazareno) ele continuou zeloso da Lei (Torah), pois ambos os seguimentos criam na Torah como palavra do Senhor, contudo, tinham interpretações diferentes. Mais adiante falaremos um pouco destas diferenças.

O que os outros diziam de Paulo (Sha’ul)?

Se buscarmos ao longo do “Novo” testamento, tudo o que se dizia de Paulo (Sha’ul), certamente não terminaríamos este artigo tão cedo, por isso vamos ser pontuais, citando apenas algumas daquelas que são relativas à sua postura em relação a Torah. Primeiramente vejamos o que a segunda epístola de Pedro (Kefah) registrou:

E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; Falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição. (Kefah beit/(2 Pedro)3.15-16)

Neste pequeno texto, e feita uma advertência para que os fieis se apoiassem no fato de que a Salvação vem da longanimidade do Eterno, assim como dizia o irmão Paulo. Aqui está a chave para se compreender toda a complexidade das epístolas paulinas em relação a Lei (Torah), pois ele simplesmente ensinava que a nossa redenção não vinha pelos méritos pessoais por cumprirmos a Lei, mas pela graça, pela bondade e misericórdia do Eterno. Conforme ele explicitou aos efésios:

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Elohim. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados no Mashiach Yeshua para as boas obras, as quais O Eterno preparou para que andássemos nelas. (Efessayah/Efésios 2.8-10)


Em síntese Paulo (Sha’ul) disse: Não somos salvos POR cumprirmos a Torah. Somos salvos PARA cumprirmos a Torah, pois a obediência aos mandamentos do Eterno é o estilo de vida de um salvo.
Outro detalhe que Pedro (Kefah) aborda, se refere as distorções feitas às palavras de Paulo (Sha’ul), pessoas que não entendiam seus ensinamentos e presumiam algo que ele não disse e espalhavam pela comunidade judaica, criando uma imagem negativa e apóstata do sh’liach (emissário) como podemos constatar no livro dos Atos:

E no dia seguinte, Paulo entrou conosco em casa de Tiago, e todos os anciãos vieram ali. E, havendo-os saudado, contou-lhes por miúdo o que por seu ministério O Eterno fizera entre os gentios. E, ouvindo-o eles, glorificaram ao Senhor, e disseram-lhe: Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus há que crêem, e todos são zeladores da lei. E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei. (Ma’assei/Atos 21.18-21)

Como lemos, nota-se que os boatos se espalharam rápido demais e chegou até Yerushalayim (Jerusalém), mas vejamos em outras passagens o que Paulo realmente disse:

Sobre Moisés (Lei):

Pois bem podes saber que não há mais de doze dias que subi a Jerusalém a adorar; E não me acharam no templo falando com alguém, nem amotinando o povo nas sinagogas, nem na cidade. Nem tampouco podem provar as coisas de que agora me acusam. Mas confesso-te isto que, conforme aquele caminho que chamam seita, assim sirvo ao Elohim de nossos pais, crendo tudo quanto está escrito na lei e nos profetas. (Ma’assei/Atos 24.11-14)

Mas, alcançando socorro do Eterno, ainda até ao dia de hoje permaneço dando testemunho tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer... (Ma’assei/Atos 26.22)

E aconteceu que, três dias depois, Paulo convocou os principais dos judeus, e, juntos eles, lhes disse: Homens irmãos, não havendo eu feito nada contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim, contudo preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos... (Ma’assei/Atos 28.17)

E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. (Ruhomayah/Romanos 7.12)

Sobre a circuncisão:

Estai, pois, firmes na liberdade com que Mashiach nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Mashiach de nada vos aproveitará. E de novo protesto a todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei. Separados estais de Mashiach, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. Porque nós pelo Espírito da fé aguardamos a esperança da justiça. Porque em Yeshua Ha Mashiach nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor. Corríeis bem; quem vos impediu, para que não obedeçais à verdade?Esta persuasão não vem daquele que vos chamou. (Galutyah/Gálatas 5.1-8)

A primeira vista, temos a impressão de que Paulo está falando contra a circuncisão, porém, o que ele está dizendo é que ninguém será “salvo” só porque está circuncidado, pois de nada vale circuncidar o prepúcio do seu órgão reprodutor se o coração não estiver circuncidado! Exatamente o que diz a Torah e os profetas:

Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. (D’varim/Deuteronômio 10.16)

Circuncidai-vos ao Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração, ó homens de Judá e habitantes de Jerusalém, para que o meu furor não venha a sair como fogo, e arda de modo que não haja quem o apague, por causa da malícia das vossas obras. (Yermiyahu/Jeremias 4.4)

O discurso de Paulo dava ênfase a interiorização da Torah, o que pode ser comparado ao conceito chamado “kavanah” que nos dá a idéia de “real intenção do coração”. Ele combatia a religião da aparência, do ritualismo vão, e isso ia de encontro a realidade de muitos grupos de então, que mantinham uma aparência externa de fé (fidelidade), mas totalmente desprovida de conteúdo. Tanto é assim que no mesmo capítulo ele afirma:

Confio de vós, no Senhor, que nenhuma outra coisa sentireis; mas aquele que vos inquieta, seja ele quem for, sofrerá a condenação. Eu, porém, irmãos, se prego ainda a circuncisão, por que sou, pois, perseguido? (Galutiyah/Gálatas 5.10-11)

Ele entendia que a Lei (Torah) era algo espiritual:

Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado (Ruhomayah/Romanos 7.14)

Agora pense um pouco: Se Paulo disse que não havia feito nada contra os ritos paternos (At. 28.17) e nos ritos paternos esta incluída a Brit Milá (circuncisão) como um estatuto perpétuo (Ver Bereshit/Genesis 17.10-14), se ele pregou contra a circuncisão, ele foi um grande mentiroso. Mas como Pedro advertiu, apenas os indoutos e inconstantes presumiam tamanha incoerência. Para entender esta questão, considere a seguinte fórmula:
“Todo aquele que têm o coração circuncidado, circunda o prepúcio; mas nem todo que circunda o prepúcio tem o coração circuncidado.” Era isso que ele estava tentando dizer!

* (Sugerimos a leitura de outro artigo nosso no link abaixo)

Entretanto, aqueles que conheciam a Paulo, lhe defendiam:

Que faremos, pois? Em todo o caso é necessário que a multidão se ajunte; porque terão ouvido que já és vindo. Faze, pois, isto que te dizemos: Temos quatro homens que fizeram voto. Toma estes contigo, e santifica-te com eles, e faze por eles os gastos para que rapem a cabeça, e todos ficarão sabendo que nada há daquilo de que foram informados acerca de ti, mas que também tu mesmo andas guardando a lei. (Ma’assei/Atos 21.22-24)

Marcião e seus modernos seguidores.

Mesmo após muitos séculos depois da morte de Paulo (Sha’ul) e também de seus acusadores, o pensamento de que a Torah foi abolida segundo os seus ensinos continua apesar destas alegações não poderem ser provadas, já que as respostas de Paulo contra estas denuncias estão registradas no Novo Testamento.
Como então esta idéia falaciosa continuou até os dias de hoje, levando milhares de pessoas ao entendimento equivocado das “epístolas paulinas” e das que lhe foram atribuídas? A manutenção deste pensamento e de todas as vertentes nele fundamentado se deve a um homem... Marcion (ou Marcião).
Marcião, natural de Sinope, província romana do Ponto (na atual Turquia), que segundo o escritor judeu Filo tinha muitos judeus habitando por todas as partes desta província, o que de fato percebe-se, pois no livro de Atos dos Apóstolos 2.9 diz que na celebração de Shavuot (Pentecostes) que é uma das três festas de peregrinação, haviam homens vindos desta região.
Segundo Hipólito (Séc. III), Marcião era filho de um bispo daquela cidade (Sinope). Tertuliano (Séc. II e III) o descreve como proprietário de barcos, realmente a região do Ponto era um centro produtor de madeiras para embarcações. Epifânio (Séc. IV) afirmou em sua obra (Panarion), que no início Marcião era um asceta, mas que ao seduzir uma virgem foi excomungado por seu pai e obrigado a deixar sua cidade natal, outros já afirmam que tal acusação não passa de uma “fofoca maliciosa”. Recentemente, Bart D. Ehrman sugeriu que esta “sedução de uma virgem” seja uma metáfora para a corrupção que Marcião causou nos ensinos de comunidade primitiva. Mas o que ele, Marcião, ensinou afinal? Abaixo, segue uma breve relação dos principais pontos da doutrina marcionita:

  • O “Deus” do Tanach (chamado de Velho Testamento) não seria o mesmo da Brit Chadashah (Chamado de Novo Testamento).
  • O Tanach deveria ser lido/entendido de modo absolutamente literal.
  • O Tanach era uma ordem abolida e obsoleta.
  • Ele se opunha a tudo que fosse originário do judaísmo.
  • Criou um verdadeiro repúdio ao judaísmo.
  • O cristianismo seria uma nova revelação e não teria nenhuma ligação com o judaísmo, pelo contrário o cristianismo surgiu para substituir o judísmo.
  • Cristo era o salvador enviado pelo Pai.
  • Paulo era o seu principal (e até mesmo único) apóstolo.
  • Criou os termos Velho Testamento  Novo Testamento.
  • Afirmava, contudo, que o Novo Testamento estava cheio de elementos judaizantes por isso desenvolveu o primeiro ‘canon’ que se tem conhecimento, composto de duas partes: 1ª “O Evangelho” (partes do evangelho de Lucas); 2ª 10 cartas do “Apostolo” (Paulo).
  • Dizia ter obrigação de enviar aos crentes gentios um relato completo do curso dos acontecimentos com o objetivo de evitar que estes ficassem cativos das fábulas judaicas e assim, por causa do engano, se afastarem da verdade.
Desde sua ida para Roma entre os anos 142-143 d.C., Marcião desenvolveu sua teologia e atraiu grande número de seguidores. Seu movimento rivalizou-se com o cristianismo crescendo paralelamente com ele, obrigando o mesmo a se organizar melhor e definir a base de suas crenças para poder dar uma resposta plausível aos cristãos que estavam expostos às doutrinas marcionitas. Desta forma, por ironia do destino, a idéia marcionita de se criar um ‘canon’ (régua de medida), foi adotada pelos cristãos.
É interessante pensar no que Paulo (Sha’ul) diria a Marcião, se eles se encontrassem. Marcião, que dizia ser Paulo o verdadeiro apóstolo e ser divulgador de seus escritos, certamente receberia um grande “puxão de orelhas” de seu “mestre”, pois contra o repúdio aos judeus e questionamentos a primazia judaica, reavivado pela doutrina marcionita, Paulo já havia escrito:

Qual é logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras do Eterno lhe foram confiadas. Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade do Eterno? (Ruhomayah/Romanos 3.1-3)

E se alguns dos ramos foram quebrados, e tu, sendo zambujeiro, foste enxertado em lugar deles, e feito participante da raiz e da seiva da oliveira, Não te glories contra os ramos; e, se contra eles te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti.
Dirás, pois: Os ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado. Está bem; pela sua incredulidade foram quebrados, e tu estás em pé pela fé. Então não te ensoberbeças, mas teme. Porque, se O eterno não poupou os ramos naturais, teme que não te poupe a ti também. Considera, pois, a bondade e a severidade de Elohim: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado. E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é O Eterno para os tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais serão enxertados na sua própria oliveira! (Ruhomayah/Romanos 11.17-24)

A História revela que muitos ensinos similares ao de Marcião, se levantaram ao longo dos séculos, entre os bogomilos da Bulgária no século X e entre os cátaros do Languedoque, no sul da França, no século XIII, são exemplos de que “foram-se os dedos (Marcião), mas ficaram os anéis (sua doutrina)”... Atualmente, no que diz respeito a validade da Torah, poderíamos citar diversas denominações cristãs que mantêm o pensamento marcionita.

Conclusão.

Infelizmente, a maioria esmagadora daqueles que afirmam que a Torah foi abolida e que Paulo (Sha’ul) ensinou sobre isso, desconhecem a história da “Fé” que professam. Por esta razão, são capazes apenas de reproduzirem discursos. Ou seja, repetem aquilo que ouvem há muito tempo sem nunca terem pesquisado as origens ou sequer se interessam pelas fontes ou raízes desta “Fé”. Na verdade, o que se vê hoje é o que se denomina “psitacismo” ou “efeito papagaio”, não é fruto de conhecimento construído, mas mera adoção de uma ideologia (pensamento pronto) que, como vimos existe há quase dois milênios.
Por causa da tendência exposta acima, a grande maioria, tanto de cristãos quanto de judeus, estão reverberando a doutrina de Marcião e impedindo que muitos percebam na prática que:

A lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro, e ilumina os olhos. O temor do Senhor é limpo, e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros e justos juntamente.
(Tehilim/Salmos 19.7-9)

Fontes:
Enciclopédia Histórico-teológica da Igreja cristã Vol. II (Walter A. Elwell)
História Social do Protocristianismo. (Ekkehard W. Stegemann, Wolfgang Stegemann)
The Spreading Flame. (F. F. Bruce)
wikipedia.org



Shalom U’Brachot!!! (Paz e Bênçãos!!!)

sábado, 21 de setembro de 2013

Profecia sobre abolição do Shabat?

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Recentemente, ouvi um rapaz tentando justificar a abolição do Shabat como dia sagrado citando o livro do profeta Oséias, especificamente o versículo 11 do capítulo 2. Ouvindo sua argumentação, lembrei-me de outra pessoa que, na já distante década de 90, objetivando a mesma coisa (abolição da observância do Shabat), escreveu uma pretensa apostila “provando” a substituição do Shabat pelo domingo. Conheci muito aquela pessoa, já que se tratava de mim mesmo... Exatamente! Eu tentei naquela época “exorcizar” a insistente proposta de se observar o Shabat ao invés do domingo. Devo dizer que, depois de pronta a tal apostila, verifiquei algo decepcionante: “Não havia nem meio versículo que sustentasse minha tese”, apenas citações de “pais” da igreja, obviamente o resultado não poderia ser outro senão uma sensação de frustração e incapacidade que me acompanhou durante muito tempo até que, finalmente, eu me rendesse às escrituras. Voltando ao presente, e com o objetivo de explicar o texto citado (Oséias 2.11) para demonstrar os equívocos da argumentação, decidimos escrever este pequeno artigo.

O que diz Oshea (Oséias) 2.11?

Primeiramente é importante dizer que o referido texto se encontra na bíblia hebraica no versículo treze e não no onze como diz o enunciado, vamos à leitura:
Original: 
והשבתי כל משושה חגה חדשה ושבתה--וכל מועדה

Transliteração: 
Vehishbati kol mesosah chagah chodshah ve Shabatah v’khol Moadah

Tradução: 
Acabarei com a sua alegria, com as suas festas, as suas luas novas, e os seus sábados e com todas as suas assembléias solenes.

Para entendermos as palavras acima, devemos considerar o contexto vivido pelo povo, só assim poderemos perceber os motivos para que palavras tão duras fossem anunciadas.
O profeta Oshea foi contemporâneo de Amós e profetizou em meados do Sec. VIII a.C., Portanto, um dos primeiros profetas daqueles que são denominados “canônicos”, ou seja, aqueles que têm na Bíblia livros atribuídos a suas autorias. Oshea foi o primeiro profeta a exprimir a relação entre o Eterno e seu povo, Israel, nos termos de um matrimônio e logo no primeiro capítulo é relatado o casamento deste profeta e todo o seu valor simbólico para a compreensão da situação espiritual de Israel perante seu Senhor. A partir deste simbolismo, a mensagem de Oshea se desenvolve da seguinte forma: Gomer, uma mulher de prostituições representaria a terra de Israel. Os filhos por ela gerados teriam seus nomes associados ao destino da casa de Israel, mais especificamente o Reino do Norte também chamado ao longo do livro de Oshea, de Efraim, que por causa do abandono à Torah do Eterno e se misturar com outros povos, sofreria as conseqüências de seu pecado por muitos anos, mas que no final dos dias, teria seus descendentes resgatados e novamente seria reunido ao reino de Yehudah (Judá) na tão aguardada restauração do Tabernáculo de David. *

*(Sobre este assunto, eventualmente é realizado um seminário de três dias em nossa kehilah/Congregação, abordando o tema (As Duas Casas de Israel) e seus desdobramentos).

Portanto, quando O Eterno diz que acabaria com as celebrações de Rosh Chodesh (início de mês na Lua Nova), Shabat e Moadah (assembléias solenes: Pessach/Páscoa; Shavuot/Pentecostes, Yom Teruá/ Dia do Brado (Trombetas), Yom HaKipurim/ Dia das expiações e Sukot/Tabernáculos) Ele estava dizendo que privaria Israel (Reino do Norte composto por dez tribos) destas celebrações, pois como em outro lugar Ele, (O Sagrado, Bendito Seja), disse:
Basta de trazer-me oferendas vãs: elas são para mim um incenso abominável. Lua Nova, Shabat e assembléia, não posso suportar iniqüidade (transgressão a Torah) e solenidade! 
(Yeshayahu/Isaias 1.13)

Como podemos verificar, não era a abolição do Shabat e das demais celebrações que estava sendo decretada, mas um impedimento de desfrutá-las por causa dos pecados de Israel (Efraim)! Isso ficará mais claro adiante.

Primeiros equívocos do argumento contrário a observância do Shabat.

Como dissemos anteriormente, Oshea profetizou por volta do Séc. VIII. Se sua mensagem é um anuncio do fim da observância do Shabat e demais solenidades, o que devemos pensar de Yechezkel (Ezequiel) 22.1-8? Pois tais palavras foram anunciadas por volta do Séc. VI a.C., ou seja, cerca de duzentos anos DEPOIS de Oshea! Como então o Shabat foi abolido no Séc. VIII se sua profanação foi denunciada como crime no Sec. VI d.C.?
Outro equívoco grave é constatado quando, ao declarar a abolição do Shabat e demais solenidades, os que assim procedem, indiretamente põe em dúvida as palavras e, consequentemente, o caráter do Criador, pois acerca do shabat e demais solenidades sua palavra diz:

Sobre o Shabat:

Guardarão, pois, o sábado os filhos de Israel, celebrando-o nas suas gerações por aliança perpétua. Entre mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre; porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, e ao sétimo dia descansou, e restaurou-se.
(Shemot/Êxodo 31.16-17)

Porque assim diz o Senhor a respeito dos eunucos, que guardam os meus sábados, e escolhem aquilo em que eu me agrado, e abraçam a minha aliança: Também lhes darei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará. E aos filhos dos estrangeiros, que se unirem ao Senhor, para o servirem, e para amarem o nome do Senhor, e para serem seus servos, todos os que guardarem o sábado, não o profanando, e os que abraçarem a minha aliança. Também os levarei ao meu santo monte, e os alegrarei na minha casa de oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar; porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos.
(Yeshayahu/Isaías 56.4-7)

Sobre o Pessach/ Chag HaMatsot:

E este dia vos será por memória, e celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo. Sete dias comereis pães ázimos; ao primeiro dia tirareis o fermento das vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, desde o primeiro até ao sétimo dia, aquela alma será cortada de Israel. E ao primeiro dia haverá santa convocação; também ao sétimo dia tereis santa convocação; nenhuma obra se fará neles, senão o que cada alma houver de comer; isso somente aprontareis para vós. Guardai, pois a festa dos pães ázimos, porque naquele mesmo dia tirei vossos exércitos da terra do Egito; pelo que guardareis a este dia nas vossas gerações por estatuto perpétuo.
(Shemot/Êxodo 12.14-17)

Sobre Shavuot:

Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete semanas inteiras serão... E naquele mesmo dia apregoareis que tereis santa convocação; nenhum trabalho servil fareis; estatuto perpétuo é em todas as vossas habitações pelas vossas gerações.
(Vayikrá/Levítico 23.15 e 21)

Sobre Yom Teruá:
Embora não haja em Vayikrá 23, a descrição de que esta celebração seja um estatuto perpétuo, podemos inferir que ela também é, pois todas as celebrações ali descritas têm este caráter.

Sobre Yom HaKipurim:

Mas aos dez dias desse sétimo mês será o dia da expiação; tereis santa convocação, e afligireis as vossas almas; e oferecereis oferta queimada ao Senhor. E naquele mesmo dia nenhum trabalho fareis, porque é o dia da expiação, para fazer expiação por vós perante o Senhor vosso Elohim... Nenhum trabalho fareis; estatuto perpétuo é pelas vossas gerações em todas as vossas habitações.
(Vayikrá/Levítico 23.27,28 e 31)

Sobre Sukot:

Fala aos filhos de Israel, dizendo: Aos quinze dias deste mês sétimo será a festa dos tabernáculos ao Senhor por sete dias. Ao primeiro dia haverá santa convocação; nenhum trabalho servil fareis. Sete dias oferecereis ofertas queimadas ao Senhor; ao oitavo dia tereis santa convocação, e oferecereis ofertas queimadas ao Senhor; dia de proibição é, nenhum trabalho servil fareis... E celebrareis esta festa ao Senhor por sete dias cada ano; estatuto perpétuo é pelas vossas gerações; no mês sétimo a celebrareis.
(Vayikrá/Levítico 23.34-36 e 41)

Como podemos ver, estas celebrações são declaradas pelo Eterno como estatutos perpétuos e conforme é dito pelo profeta Malachi (Malaquias):

Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos.
(Malachi/Malaquias 3.6)

Como poderíamos supor então que Ele teria mudado estes decretos? Em outro documento, já no primeiro Século d.C., temos a seguinte afirmação:

Porque os dons e a vocação de Elohim são irretratáveis.
(Ruhomaya/Romanos 11.29)

Se O Eterno vocacionou seu povo, a observar o Shabat e as demais celebrações perpetuamente, dizer que Ele mudou isso é dizer que Ele mentiu... Como isso não é possível, mentirosos são aqueles que declaram o Fim das Festas do Senhor.

“Jesus cancelou o Shabat, tornando-se ele mesmo o verdadeiro shabat para seus discípulos”.

Nada mais falacioso do que a afirmação acima... Primeiramente devemos fazer uma distinção: Jesus é uma versão ocidental, decorada por diversas mitologias greco-romanas, ou seja, modificaram o Judeu que cumpria e ensinava a Torah, cujas palavras afirmavam a eternidade da Lei do Eterno em alguém que criou uma nova religião e uma nova ordem. Porém, quando recorremos aos seus ensinos temos a seguinte sentença:

Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
(Matityahu/Mateus 5.17-19)

Como podemos constatar Yeshua (não o Jesus criado pelos concílios romanos), ratificou a Lei e advertiu aqueles que não a cumprem e ainda  ensinam a não cumprir! De onde então vem a idéia de que ele “cancelou” o Shabat? Este pensamento vem de outro texto do chamado Novo Testamento:

Naquele tempo passou Jesus (Yeshua) pelas searas num dia de sábado; e os seus discípulos, sentindo fome, começaram a colher espigas, e a comer. Os fariseus, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos estão fazendo o que não é lícito fazer no sábado.
(Matitiyahu/Mateus 12.1-2)

A questão é mais simples do que aparenta, O Shabat é um dia que, segundo Yeshayahu (Isaías) 58.13 e 14, devemos nos abster do trabalho, de cuidar de nossas empresas, de palavras vãs e viagens. NÃO É PROIBIDO COMER NO SHABAT! Os discípulos não estavam trabalhando no sentido do que se faz regularmente na rotina de um agricultor, seria como, guardada às devidas proporções, irmos até a cozinha abrir o armário e pegar um alimento pronto e... Comer... Simples assim. Se ele ensinou que a Lei deve ser cumprida e ensinada enquanto houver céu e terra, obviamente ele não estaria contrariando este princípio, como de fato não contrariou no caso em questão.
Um grande problema para a compreensão da Torah é a confusão que os menos informados fazem entre Lei e Tradição Rabínica, se esta diferença não estiver clara na mente das pessoas, as doutrinas mais absurdas proliferarão ganhando muitos adeptos.
Alguém pode objetar ainda: “Mas Hebreus quatro diz que se temos Fé em Cristo nos entramos no descanso e por isso não precisamos observar o sábado”. Por incrível que pareça, tal afirmação já foi ouvida por este autor, o que é realmente preocupante, pois quando lemos o texto completo, tal pensamento não passa nem perto, do que o texto diz vejamos por que: considerando que o capítulo inicia-se com um “portanto”, devemos lembrar que se trata de uma conjunção, palavra que é utilizada para iniciar uma oração que inclui uma conclusão de uma idéia ou raciocínio explicitado na oração anterior. E a oração anterior (capítulo Três) nos fala daqueles que não foram fieis ao Eterno e pereceram no deserto por causa do pecado (que nada mais é do que transgressão a Lei, Lei esta que diz que devemos guardar o Shabat e as demais celebrações do Eterno!) e que por causa disso não entraram na promessa. O capitulo quatro então nos adverte a não cometermos os mesmos erros já que abraçamos a “Fé”, que na verdade deveria ser traduzida como “Fidelidade”, pois a palavra “emunah” é mais bem definida como tal, mas devido a influencia da septuaginta, tradução para o grego do Tanach (conhecido como Velho Testamento), ganhou um aspecto mais abstrato distanciando do real sentido da expressão que é a obediência (fidelidade) aos mandamentos do Eterno. Logo, somos incentivados a sermos fieis para alcançarmos a promessa, o descanso, o que muitos definem como o “Milênio” e outros como o “Reino do Mashiach ben David”.  É evidente que o texto de Ivrim (Hebreus) quatro é escatológico, não sendo uma anulação do Shabat como dia do Senhor, muito pelo contrário, ele reafirma, pois nos incentiva a sermos fiéis ao Elohim Criador dos Céus e da Terra.

Não sabemos se o Sábado de hoje está correto, por isso não temos como observá-lo

A afirmação acima é outra tentativa de se justificar a não observância do shabat. Contudo, ela é refutada com simples declarações científicas sobre este suposto “problema”. Na tentativa de encontrar razões para observância do Domingo, algumas pessoas olham para a troca dos calendários. Desde que isto aconteceu no mundo inglês em 1752 e outros ocorridos em 1582, por exemplo, eles argumentam que não se pode saber qual é o dia sétimo. Será? O sétimo dia no calendário é o mesmo ciclo do sétimo dia do calendário ortodoxo judeu. O ciclo tem sido usado por mais de 5700 anos. Por exemplo, o ano 1990 é 5750 no calendário judeu. Hoje, para se ter uma idéia, o Sábado está no mesmo ciclo que foi usado quando Yeshua viveu na terra. O Sábado sempre caiu no sétimo dia da semana do nosso calendário. Corroborando com isso, temos o que W. J. Eckert do Observatório Naval, diretor do Nautical Almanac. Disse: "A troca do calendário Juliano para o Gregoriano, não afetou o ciclo semanal. Este ciclo não tem sido alterado pelos registros conhecidos".

Conclusão:

Muito ainda poderia ser dito aqui sobre este assunto, mas optamos em trazer apenas este pequeno resumo, que buscou responder apenas as questões levantadas por alguém que, tentava defender aquilo que aprendeu desde a mais tenra idade, mas que, infelizmente carecia de conhecimento de diversos aspectos da história, não apenas da de Israel (Sua escolha, queda e restauração), mas também de sua própria religião, sua própria “Fé”.


Shavua Tov!!!  

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sedrá para o Shabat de 21/09/13 (Bamidbar 35)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Neste penúltimo perek (capítulo) do Sefer Bamidbar (Livro de Números) mais uma importante instrução aos filhos de Israel é dada, assim como o perek anterior, as palavras do Eterno revelam que a conquista da terra prometida estava mais próxima. Podemos observar que as questões agrárias já estavam bem definidas na mente do povo e certamente isso iria evitar confusões no momento da partilha da terra... O que já nos ensina algo precioso: Organização e planejamento antes de agir.

A consciência de que somos irmãos, decreta o fim das desigualdades.

Israel na verdade é uma grande família, tão grande que por multiplicar-se tanto, nos tornamos na grande maioria dos casos desconhecidos um dos outros. Com isso perdeu-se vínculos, intimidades, semelhanças e até mesmo tolerância. Porém, nos primórdios de nosso povo ainda havia esta proximidade familiar, havia a consciência de que o membro de outra tribo era na verdade um primo e - salvo uma terrível desconsideração pessoal e dureza de coração - ninguém ficaria insensível as eventuais dificuldades que um familiar pudesse enfrentar.
Cada tribo iria receber sua terra, exceto uma, a tribo de Levi. Para esta tribo, sua porção era o serviço ao Eterno, mas ela era composta por seres humanos de carne e osso com necessidades naturais e seria um erro crasso pensar nos leviim (levitas) como uma espécie de seres etéreos ou algo parecido. Sendo assim, o que fazer com quase cinqüenta mil pessoas (segundo o censo de Bamidbar 26.62)? Como alojar tanta gente? Caberiam todos eles dentro do Mishkan (Tabernáculo)? Certamente não, e essa situação trás consigo outra grande lição para nós, pois O Eterno determinou que cada tribo deveria conceder aos seus irmãos levitas, parte de sua herança para que estes pudessem habitar, plantar...Enfim, viverem sua vidas.
O princípio a ser observado é: como os demais israelitas poderiam ficar em paz nas suas casas, com suas lavouras e etc. Se seus irmãos levitas não tinham onde habitar? Agora para um pouco e olhe ao seu redor. Uns com tanto e outros sem nada, e quem deveria minorar as diferenças, pouco (ou nada) se importa com as desigualdades sociais! A Torah em sua beleza e ética, já aplicava a justiça social e combatia as desigualdades sociais com suas palavras. O Eterno ordenou que quarenta e oito cidades fossem dadas aos levitas e considerando a população aproximada desta tribo, teríamos cerca mil e quarenta e dois habitantes por cidade.

Demonstrando justiça e misericórdia.

Das quarenta e oito cidades levitas, seis delas teriam um propósito especial. Seriam um local de refúgio para aqueles que, acidentalmente, tivessem cometido homicídio, assim ao irem para uma destas cidades, estes “homicidas” não sofreriam a vingança por algum parente do falecido. Deste modo, fica claro que o que O Eterno quer é misericórdia, exatamente como o profeta Oshea veio confirmar:

Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Elohim, mais do que os holocaustos. (Oshea/Oséias 6.6)

É interessante pensar que estes potenciais homicidas deveriam ficar nas cidades levitas, justamente no lugar onde pessoas envolvidas com o serviço sagrado habitavam, teoricamente eram pessoas mais sensíveis às questões espirituais, em que pese sua humanidade, deveriam estar impregnadas pela atmosfera do mishkan e por isso, condicionadas a avaliar a situação e o indivíduo sob outra perspectiva. Mais uma vez temos um exemplo de como devemos olhar para aqueles que cometeram algum delito, ainda que tenha sido algo grave.
Mesmo não sendo levitas e não estando numa cidade refúgio, o princípio serve para todos nós, pois os profetas Yeshayahu (Isaías) e Yermiyahu (Jeremias) anunciaram palavras que evocam uma exposição àqueles que podem nos ferir:

As minhas costas ofereci aos que me feriam, e a minha face aos que me arrancavam os cabelos; não escondi a minha face dos que me afrontavam e me cuspiam.
(Yeshayahu/Isaías 50.6)

Dê a sua face ao que o fere; farte-se de afronta.
(Eichah/Lamentações 3.30)

Diante dos textos acima descritos e analisando seus contextos, entendemos o porquê das palavras de Rabi Yeshua HaNetsari:

 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
(Matitiyahu/Mateus 5.39)

A questão é simples, desde os tempos da peregrinação no deserto, O Eterno implantou uma lei onde a misericórdia deveria ser manifesta. As cidades de refúgio demonstrariam tal virtude, mas com o passar do tempo os homens se tornaram juízes vingativos, pronto a sentenciar a morte antes de ouvir as partes envolvidas, e as palavras de Yeshayahu, Yermiyahu e Rabi Yeshua dão outra direção, nos remetendo, de certa forma, as cidades de refúgio. Oferecer a “face” a alguém que feriu a outro ou mesmo nós, pode parecer tolice aos mais afoitos, mas demonstram o caráter misericordioso do Eterno talhado em nossos corações.

Conhecendo as cidades de refúgio.

No sefer Yehoshua (Livro de Josué), temos os nomes das seis cidades designadas como refúgio:

Então designaram a Kedesh em Galil, na região montanhosa de Naftali, a Shechem na região montanhosa de Efraim, e a Kiriat-Arba {esta é Hebrom} na região montanhosa de Yehudá. E, além do Yarden na altura de Yericho para o oriente, designaram a Betser, no deserto, no planalto da tribo de Reuven a Ramot, em Gilead, da tribo de Gad, e a Golawn, em Bashan, da tribo de Menashe.
Foram estas as cidades designadas para todos os filhos de Israel, e para o estrangeiro que peregrinasse entre eles, para que se acolhesse a elas todo aquele que matasse alguma pessoa involuntariamente, para que não morresse às mãos do vingador do sangue, até se apresentar perante a congregação.
(Yehoshua/Josué 20.7-9)

Ao analisar o significado do nome das cidades refúgios a algumas relações deles provenientes, percebemos que para aquele que estava sob a ameaça do vingador, encontrá-las era um verdadeiro refrigério, Vejamos:

  • Betser = Fortaleza remota.
  • Gilead = Bálsamo; cura. (ver Yermiyahu 8.22)
  • Golawn = Capa; Manto.
  • Kedesh = Santo; santidade.
  • Shechem = Ombro.
  • Chevron = Ser reunido; ter comunhão.
 Podemos supor que ao chegar numa cidade refúgio, o indivíduo ameaçado encontraria uma Fortaleza onde receberia um bálsamo e seria aquecido por um manto (ou capa), encontraria no Santo um ombro amigo e seria reunido à comunhão.

Concluindo.

Após todo o tratamento recebido numa cidade de refúgio, a pessoa só poderia sair deste acampamento e estar “livre” do vingador do sangue, após a morte do Cohen gadol (sumo sacerdote) que foi ungido com óleo santo.
Estaria a Torah indicando que a morte de um ungido (Mashiach), seria o que determinaria a libertação da culpa ou apenas um sinal que indicaria um novo tempo? Fica a pergunta para nossa reflexão.

Shabat Shalom!!!


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Sedrá para o Shabat de 14/09/13 (Bamidbar 34)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Neste Shabat, alcançamos o antepenúltimo capítulo do Sefer Bamidbar (Livro de Números), nele estão descritos os limites da Terra Prometida.
Depois de quarenta anos de peregrinação e de quarenta e dois acampamentos no deserto, finalmente o povo hebreu começa a ter uma perspectiva mais clara de sua herança, aquilo que outrora estava sem forma em sua mente, começa a ganhar contornos de realidade concreta e certamente a vida dos hebreus como povo passaria a ter um novo “status” e significado na história.

Os limites de Israel e a criação.

Quando O Eterno diz a Moshe para ordenar aos filhos de Israel demarcar os limites da terra que por herança receberiam, acreditamos que o nível de entendimento, comprometimento e responsabilidade de todo o povo, perante O Eterno e Sua palavra (Torah), começou a mudar, pois conforme dissemos na introdução acima, algo ainda indefinido começava a ser vislumbrado. Por isso, vemos uma relação entre o relato da criação do Sefer Bereshit (Livro de Gênesis) com este episódio, relação esta que tentaremos explicar a seguir.
Em Bereshit 1.27 temos o seguinte:

E criou Elohim o homem à sua imagem; à imagem de Elohim o criou; homem e mulher os criou. (Bereshit/Gênesis 1.27)

Em contra partida, temos no capitulo seguinte outras declarações que tornam o relato da criação mais interessante:

E formou YHWH Elohim homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. (Bereshit/Gênesis 2.7)

E ainda:

Havendo, pois, YHWH Elohim formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome.
E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idônea. (Bereshit/Gênesis 2.19-20)

O interessante neste relato é o fato de que no capítulo um “macho e fêmea” haviam sido criados, mas no capítulo seguinte, o homem estava só, pois ainda não havia para ele uma companheira! Contradição? Obviamente não... Tudo se esclarece quando lemos o texto no seu idioma original com a devida atenção, vejamos: No capítulo um a palavra utilizada para descrever a criação do homem e da mulher, vem da raiz  ברא “bara” (Criar) enquanto no capítulo dois a palavra vem da raiz יצר “yatsar” (Modelar, formar, amoldar). Isto significa que a criação passou por estágios, como se houvessem níveis diferentes de existência. Sendo assim houve primeiro a criação (abstrato) e depois a formação (concreto). Para exemplificar, é como se alguém idealizasse uma casa, depois a desenharia (faria uma planta) e por fim construísse.


No início os hebreus sabiam que herdariam uma terra, depois exploraram o território e agora estavam recebendo “as medidas” e, porque não dizer, a “planta” para o seu “empreendimento”:


Embora haja discordâncias entre historiadores e geógrafos quanto aos limites descritos, podemos ter uma idéia do território israelita conforme diz as escrituras, observando a gravura acima.

Seja Luz!

Ainda explorando a relação entre a criação e a delimitação do território israelita, temos outra conexão interessante, pois a primeira coisa criada foi a luz - não a luz física, pois sol, lua e estrelas só foram criadas no quarto dia - esta luz pode ser entendida como o bem e a justiça, já que o seu oposto, trevas (Choshek em hebraico) é descrito em muitas passagens como ignorância, mal, ocultação, cegueira, juízo e etc. Outro detalhe a ser observado é que ao invés de: “Haja luz”, o texto em Bereshit (Gênesis) 1.3 é melhor traduzido como:

“Seja Luz!” E foi luz.

Agora compare isso com o que diz o Sefer Yeshayahu (Livro de Isaías):

Ouvi-me, ilhas, e escutai vós, povos de longe: YHWH me chamou desde o ventre, desde as entranhas de minha mãe fez menção do meu nome.
E fez a minha boca como uma espada aguda, com a sombra da sua mão me cobriu; e me pôs como uma flecha limpa, e me escondeu na sua aljava;
E me disse: Tu és meu servo; és Israel, aquele por quem hei de ser glorificado.
Porém eu disse: Debalde tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as minhas forças; todavia o meu direito está perante YHWH, e o meu galardão perante o meu Elohim.
E agora diz YHWH, que me formou desde o ventre para ser seu servo, para que torne a trazer Jacó; porém Israel não se deixará ajuntar; contudo aos olhos de YHWH serei glorificado, e o meu Elohim será a minha força.
Disse mais: Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e tornares a trazer os preservados de Israel; também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra. (Yeshayahu/Isaías 49.1-6)

Embora alguns considerem a expressão: “és Israel” uma glosa devido sua incompatibilidade com os passukim (versículos) 5 e 6, que distinguem O Servo e Ya’akov/Israel, algo que talvez se justifique pela ambivalência da figura do Servo que ora é Israel (povo) ora é seu líder, o Mashiach. A responsabilidade de ser Luz é afirmada.
Ser luz é a vocação dos israelitas, e esta luz é manifesta quando cumprimos as mitzvot (mandamentos) do Eterno, isso é compreendido quando lemos as palavras de Sh’lomo ha melech (O rei Salomão):

“Pois o preceito é uma lâmpada. E a Torah (instrução) é uma luz, e é um caminho de vida a exortação que disciplina”. (Mishlei/Provérbios 6.23) 

Por esta razão nós, como israelitas, não podemos nos omitir e fugir da responsabilidade que temos de tornar este mundo melhor. Este é o ensinamento de Rabi Yeshua HaNetsari:

Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte;
Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa.
Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. (Matitiyahu/Mateus 5.14-16)

Como podemos ver Rabi Yeshua não estava trazendo um “novo conceito” ou uma “nova religião”. Ele estava trazendo a memória do povo ali presente, algo que já havia sido estabelecido alguns séculos antes!

Concluindo:
No início havia uma vaga idéia da Terra Prometida, depois ela foi ganhando forma na mente dos filhos de Israel com a demarcação dos limites de seu território. Faltava agora a formação, a concretização da idéia, ou seja, um povo especifico, num lugar específico que representasse o Único e Verdadeiro Elohim e iluminasse todos ao redor com uma conduta ética, justa e amorosa.

Shabat Shalom!!!

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Sedrá para o Shabat de 07/09/13 (Bamidbar 33)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

A sequência deste Shabat, trás o relatório dos acampamentos de Israel ao longo de sua jornada até a terra prometida. Ao todo foram quarenta e dois acampamentos, este número (42) é associado por alguns comentaristas com a expressão: “Ehiê asher Ehiê” (Serei o que Serei) dita pelo Eterno a Moshe em Shemot (Êxodo 3.14), pois a palavra “Ehiê” tem o valor numérico de vinte um, logo, ao ser dita duas vezes temos o valor de quarenta e dois. O significado disto, segundo estes comentaristas é que O Eterno já estava revelando que estaria com os filhos de Israel durante todas as etapas de sua caminhada, mas existem outras lições que podem ser extraídas deste texto como tentaremos demonstrar.

O ponto de partida para a promessa.

O início da jornada dos hebreus foi em “Ramsés’, conforme diz o texto:

Partiram, pois, de Ramsés no primeiro mês, no dia quinze do primeiro mês; no dia seguinte da páscoa saíram os filhos de Israel por alta mão, aos olhos de todos os egípcios,
Enquanto os egípcios enterravam os que o Senhor tinha ferido entre eles, a todo o primogênito, e havendo o Senhor executado juízos também contra os seus deuses.
(Bamidbar/Números 33.3-4)

Este relato é muito importante e significativo para nossa compreensão, pois a libertação dos filhos de Israel se inicia quando eles deixam Ramsés. O nome “Ramsés” significa: “Rá o gerou; gerado por Rá”. Para quem não sabe, “Rá” é considerada a divindade mais importante do Egito. Conhecido como o deus sol, devido a importância da luz para a produção dos alimentos. Segundo a mitologia, Rá além de ser considerado o deus Sol, é também denominado como o criador dos deuses e da ordem divina, teria recebido de seu pai o domínio sobre a Terra.
Considerando as informações acima, poderíamos dizer que para alcançar a terra prometida, os filhos de Israel deveriam em primeiro lugar, deixar aquele que foi gerado por Rá, ou seja, abandonar a idolatria.
Abandonar a idolatria é o princípio básico para quem deseja ter um relacionamento com O Eterno, tanto é assim que o primeiro dos Dez Ditos (conhecidos como os dez mandamentos) se inicia da seguinte forma:

Eu sou o YHWH teu Elohim, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
Não terás outros deuses diante de mim. (Shemot/Êxodo 20.2-3)

O que é Idolatria afinal? Poderíamos de forma simples dizer que idolatria é adoração a ídolos, poderíamos também aprofundar a questão dizendo que estes ídolos não são apenas imagens produzidas pelo homem, mas também conceitos, já que a palavra utilizada para deuses (elohim) pode ser traduzida como “poderes”. Assim sendo, quando colocamos outros “poderes” diante de nós, como aquilo que nos provê em tudo, podemos estar cometendo idolatria no sentido mais grave da palavra. Além de atribuir poderes a entidades (muitas vezes fictícias!) existem o poder da persuasão; poder econômico; poder bélico e etc. que podem estar sendo a maior esperança de alguém.
É fato conhecido, que a idolatria tentou ser disfarçada ao longo da história ocidental. Alguns termos foram criados como forma de “suavizar” a gravidade do ato, mantendo os mais simples no pecado, Estes termos são:

Dulia:
Do grego δουλεια, "douleuo" que significa "honrar", é um termo teológico que significa honra e culto de veneração devotado aos santos.

Hiperdulia:
Do grego ‘υπερδουλεια. Uma veneração especial devotada a Maria.

Estes termos têm a finalidade de justificar o culto às imagens, sem causar “danos” na consciência dos “fieis” quando estes se depararem com as advertências das escrituras contra tal prática. Pois estes não estariam oferecendo a “Latria” Do grego (λατρεια, "latreuo" que significa "adorar"), latria é um termo teológico utilizado pelas Igrejas Católica e Ortodoxa que significa o culto de adoração devida e dada somente ao Eterno. Ou seja, é como se um jogo de palavras e terminologias cobrisse o flagrante delito. Contudo, O Eterno não seja deixa enganar e conhece os que são Seus.

Seis semanas de história?

Outra curiosidade que observamos relacionada ao número quarenta e dois reside no fato de que quarenta e dois é o resultado da multiplicação do número sete (número de dias da semana e extremamente simbólico nas escrituras) pelo número seis (número do homem, pois este foi criado no sexto dia). Logo, estaria o número dos acampamentos de Israel durante sua jornada, indicando os estágios da vida humana até poder adentrar as promessas do Eterno? 
Se considerarmos a “matemática” proposta acima, entendemos que o que nos resta é caminhar... Prosseguir em nossa jornada.
É interessante pensar que, o primeiro lugar após os hebreus deixarem “Ramsés”, para acampar foi Sukot, que significa tendas, ou seja, moradia provisória. Isto parece ter sido a inspiração do escritor aos hebreus:

Pois não temos aqui nenhuma cidade permanente, mas buscamos a que há de vir. (Ivrim/Hebreus 13.14)

Conclusão

Cada acampamento teve sua peculiaridade: tragédias, milagres, vitórias, derrotas e etc., mas nenhum deles era a terra prometida, eram apenas estações, lugares para o povo parar e aprender lições, reorganizar a vida, refazer as forças... Enfim, para que estivessem preparados para entrar na terra prometida.
Creio que da mesma forma devemos encarar as situações que enfrentamos no dia a dia, entendendo que tudo que vivemos aqui é passageiro e por isso, devemos procurar aproveitar o que for de melhor para nossa formação como cidadãos do Reino do Eterno.

Que a Ruach Chochmah (Espírito de Sabedoria) nos capacite, impulsionando-nos a este mister.


Shabat Shalom!!!